segunda-feira, 19 de março de 2007

O SENTIMENTO DE CULPA


VOLVESTE

Volveste
instando absolvição
para, acaso, vaza a alquimia, te encontre.
Volveste.
No entanto, nas mesas sobre as mesas
nas passagens das horas das ruas eu continuo a procurar-te
   
não há fôlego em que não possas comparecer
que te não negue
também
   
ar aura que em nada me ajusta
desordem líquida, refrigério.
   
Falemos da experiência ou da falta de tacto
e comiseração nas pequenas ambiências
moradias adiadas por um sentido obliterado dos termos
palavras vãs
cascatas, supremos gostos
validades
fulgores, risos de deuses bem dispostos
chuva, na maior das vezes, apodrecendo os sentidos
mastigação do riso por cada um dos intervalos.
   
Vem da floresta a sugestão ideada
a voz devolvida
alguma vez direi não mais!
por algum motivo descurado ou
um não sentido imotivado pensado no estômago.

  

José Maria de Aguiar Carreiro

Chuva de Época, Ponta Delgada, 2005.




*
                                              
   
   
ARREPENDIMENTO, UMA EMOÇÃO BÁSICA
   
As emoções provocadas face ao erro e as respectivas reacções vão desde a tristeza até à raiva, passando pela vergonha, a culpa e os remorsos. Há quem se recomponha depressa e quem se atormente o resto da vida.
   
O arrependimento é uma emoção universal que nos permite pedir desculpa e recomeçar, pois está relacionado com a generosidade e a empatia (i.e., compreensão do eu de outrem, procurando prever as suas potencialidades mediante um esforço de lucidez e participação).
   
O perdão é sempre benéfico, quer seja sincero e sentido ou não. O importante é concedê-lo. A sinceridade não é um factor muito claro nesta conduta invisível que é o perdão, uma atitude em que a vontade se sobrepõe aos sentimentos e em que é preciso proceder a uma renúncia emocional para que a razão governe a vida. Por exemplo, os ciumentos patológicos, aqueles que reagem intempestivamente a uma causa real ou inventam as suas próprias fantasias, oscilam constantemente entre a agressão e o arrependimento.
   
Contudo, também há aqueles que simplesmente não se arrependem do mal que provocam. Por exemplo, os jovens que pegaram fogo a uma sem-abrigo numa caixa Multibanco ou os que torturaram e deixaram morrer um transexual sabem perfeitamente o que fazem. O arrependimento talvez venha depois ou talvez nunca surja (P.V./I.J., Super Interessante nº108 – adaptado)
   

   

   
   
   
NÃO DIGA QUE A CULPA É MINHA!
   
Nós ocidentais, com uma tradição cultural judaico-cristã, temos os próprios pais míticos, Adão e Eva, a fazerem o jogo da culpa: o homem disse que a culpa era da mulher e esta atribuiu-a à serpente. Sobre esta cena, C. R. Snyder faz o seguinte comentário: “O primeiro acto livre da humanidade… não foi acompanhado por um sentimento de orgulho ou de realização pessoal, mas, sim, por uma desculpa” (Excuses, John Wiley & Sons, 1983, p.9).
     
      
   

Adão e Eva (1994), H. Peter Irberseder
Adão e Eva (1994), H. Peter Irberseder
   
   
   

Tony Gough, num livro que tem o interessante título Não diga que a culpa é minha. Como deixar de se culpabilizar a si e aos outrosé peremptório no que diz:
   
A culpa é, pois, o que fica depois de abdicarmos da nossa responsabilidade pessoal.
   
Segundo este psicoterapeuta, “culpar nem sempre é «ou… ou», raramente é uma questão com dois lados – o certo e o errado; culpar é mais um continuum, com diferentes níveis de culpa, que vão do «mais» ao «menos» (único culpado, principal culpado, igualmente culpado, parcialmente culpado, sem nenhuma culpa). Culpar tem a ver com graus de responsabilidade e não com uma atitude «ou tudo ou nada»”.
   
Ursula Markham (hipnoterapeuta e consultora especializada na área das relações do trabalho) descreve um tipo de pessoa-problema que acha que a culpa é de todos ou de tudo, menos dela: “O Delfim (e outros parecidos) na sua mente vê o mundo como aquele lugar perfeito que acha que devia ser e, quando esse mundo não corresponde às suas expectativas, sente-se impotente para fazer seja o que for. O único recurso que lhe resta é ir à procura de outras pessoas que considera mais capazes do que ele e chorar-lhes no ombro até que façam qualquer coisa para rectificarem a situação. Ao queixar-se, o Delfim acha que desempenhou o seu papel e que agora compete aos outros todos resolver o problema.
   
O Delfim faz a vida negra a todas as pessoas com quem está em contacto. A maior parte dessas pessoas acabam por se tornar defensivas ou passar uma quantidade descomunal de tempo a tentar animá-lo e fazê-lo esquecer a situação de partida. Mesmo quando consegue apontar um problema real, o discernimento do Delfim desaparece num pântano de lamúrias e os outros acabam por ignorá-lo.”
   


   
COMO ABANDONAR O JOGO DA CULPA?
   
Ursula Markham (no seu livro Como lidar com pessoas difíceis, Gradiva, 2006) propõe as seguintes medidas que se devem tomar frente a alguém como o Delfim:
   
·         Não concorde com ele, não lhe peça desculpa, nem lhe dê justificações (porque se o fizesse só serviria para prolongar os choros e as lamúrias).
·         Procure enquadrá-lo numa situação mental de resolução de problema.
·         Interrompa-lhe qualquer discurso negativo na primeira oportunidade.
·         Parafraseie o que ele disse (mas só as críticas, não as opiniões, que deverá ignorar).
·         Faça perguntas tendentes à resolução do problema e veja se ele propõe uma solução positiva.
   
Voltando ao livro Não diga que a culpa é minha (Difusão Cultural, 1993)Tony Gough apresenta algumas frases destinadas a aumentar o grau de consciencialização tanto do acusador irremediável como do irremediável culpado:
   
·         Recuso-me a aceitar a culpa por...
·         Tu é que fizeste essa opção, não fui eu!
·         A responsabilidade não é minha, é tua!
·         Porque tens tanta dificuldade em reconhecer que és culpado?
·         Eu não te obriguei… tu é que quiseste!
·         Assume a responsabilidade das tuas acções!
·         Fico mesmo chateado quando tentas que eu assuma a responsabilidade pelos teus erros!
·         Já reparaste que a decisão de te inscreveres naquele curso foi tua e não minha?
·         Não vou consentir que continues a fazer de mim bode expiatório!
·         Estou farto de ser tratado como o caixote de lixo da família!
·         Não aceito ser o único responsável pela tua infelicidade!
·         Porque te consideras sempre responsável por tudo o que corre mal no nosso casamento?




   
Hino de Amor, Canto da Maya (1890-1981),
 
Col. Museu Carlos Machado.
       


   
REACÇÕES SAUDÁVEIS CONTRA REACÇÕES DOENTIAS
   
Confessar as nossas próprias culpas, ou confrontá-las com as dos outros, é sempre difícil. Para dar um exemplo divertido, peguemos neste excerto da conhecida série de televisão Fawlty Towers. Basil Fawlty vê dois hóspedes abraçados e, como não sabe que são pai e filha, convence-se de que se trata de uma união ilícita. Manda-os embora, mas tem de se explicar à esposa, a indomável Sybil. Segue-se este diálogo:
   
SYBIL: O que fizeste?
BASIL: Mandei-os embora.
SYBIL: Mandaste-os embora?
BASIL: Bem, como querias que eu soubesse? Porque não me disseste nada, minha imbecil? Porque é que eles não me disseram? Não podes atirar as culpas para cima de mim.
SYBIL: Vai lá dizer-lhes que podem ficar.
BASIL: Porque não vais tu?
SYBIL: Não fui eu quem os mandou embora.
BASIL: Pois, pois, estou a ver que a culpa é toda minha, não é?
SYBIL: Vai lá dizer-lhes! Já!
BASIL: Não vou, não.
SYBIL: Vais sim.
BASIL: Não vou, não.
SYBIL: Ai isso é que vais.
BASIL: Ai isso é que vou. Pronto! Está bem… deixa comigo. Eu que te salve desta situação! É para isso que eu sirvo, não é? Resolver as trapalhadas dos outros. Por indicação da esposa, Sybil... Eu sei lá o que lhes hei-de dizer.
SYBIL: Diz-lhes que te enganaste.
BASIL: Oh, brilhante. Foi isso que fez a grandeza da Inglaterra? «Peço imensa desculpa mas enganei-me.» O que é que tens em vez de cérebro, pão de ló?» (sobe as escadas a correr, ensaiando) «Peço imensa desculpa, mas enganei-me, peço imensa desculpa, mas enganei-me...» (Para os ocupantes do quarto)... Desculpem... peço imensa desculpa mas a minha mulher enganou-se. Não sei como, mas enganou-se. Arranjou uma enorme embrulhada, como de costume, é evidente que podem ficar, já esclareci tudo, peço as maiores desculpas, mas sabem como são as mulheres, todas juntas têm só um cérebro, bem todas não, mas algumas, em particular a minha esposa, portanto façam o favor de ficar e até logo, muito obrigado... Fiquem, por favor, a minha mulher enganou-se redondamente.
(© John Cleese e Connie Booth, The Complete Fawlty Towers, Methuen, 1988, pp. 70-71)
   
Podemos acreditar que a «honestidade é a melhor política», mas perder a dignidade por termos de confessar o que fizemos, ou perder a amizade de uma pessoa por a confrontarmos com o que ela acabou de fazer, é capaz de ser tarefa muito difícil, em especial para todos os Basil Fawlty deste mundo. Afinal, podemos magoar alguém!
   


   
Mea Culpa, William Kitchens (New Orleans, Louisiana)


   
   
Não há hipótese de abandonarmos o «Jogo da Culpa» se não atribuirmos e aceitarmos a culpa verdadeira, em vez de a evitarmos.
   
Seguem-se algumas sugestões de fórmulas linguísticas que, no nosso próprio interesse, devíamos aprender. De início, podemos engasgar-nos com algumas, mas com a prática tornar-se-ão mais naturais.
   
·         Lamento. Lamento muito.
·         A culpa foi minha.
·         Peço desculpa.
·         Assumo inteiramente a responsabilidade.
·         Errei.
·         Admito que estás a dizer a verdade. Eu menti.
·         Fui eu. Eu fiz isso.
·         Tu não tens culpa nenhuma.
·         Por favor, perdoa-me.
·         Tens razão em estares zangado pelo que eu acabei de fazer.

    


CARREIRO, José. “O sentimento de culpa”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 19-03-2007. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2007/03/o-sentimento-de-culpa.html (2.ª edição) (1.ª edição: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2007/03/19/culpa.aspx)


sábado, 10 de março de 2007

O SENTIMENTO DO TEMPO

    
        
O grande mistério não é termos sido lançados aqui ao acaso, entre a profusão da matéria e das estrelas: é que, da nossa própria prisão, de dentro de nós mesmos, conseguimos extrair imagens suficientemente poderosas para negar a nossa insignificância.
     
André Malraux (1901-1976), A Condição Humana (1933)
    
    
    
    
    
O Pensador (1880), Auguste Rodin (1840-1917)





A UMA RAPARIGA
  
Somos assim aos dezassete.
Sabemos lá que a vida é ruim!
A tudo amamos, tudo cremos.
Aos dezassete eu fui assim.
Depois, Acilda, os livros dizem,
Dizem os velhos, dizem todos:
“A Vida é triste! A Vida leva,
a um e um, todos os sonhos.”
  
Deixá-los lá falar os velhos,
Deixá-los lá... A Vida é ruim?
Aos vinte e seis eu amo, eu creio.
Aos vinte e seis eu sou assim.
  
Sebastião da Gama (1924-1952)
Pelo sonho é que vamos (1953)
  
  


  
Complex Presentiment: Half-Figure in a Yellow Shirt  (1928-32)
Kasimir Malevich
Oil on canvas; State Russian Museum, St. Petersburg




    
    
    
AOS CINQUENTA ANOS...
  
Aos cinquenta anos sou um ser perplexo,
não como aos vinte, aos trinta, ou aos quarenta,
mas radicalmente perplexo. Não sei
se amo a vida ou a detesto. Se desejo
ou não desejo continuar vivendo.
Se amo ou não amo aqueles que amo,
se odeio ou não odeio os que detesto.
Se me quero patriarca, pai de família, como acabei sendo,
ou se me quero livre pelas ruas nocturnas
como quando não acabei de descobri-las
em décadas de andá-las, perseguindo
sequer o amor mas corpos, corpos, corpos.
Sou de Europa ou de América? De Portugal
ou Brasil? Desejo que toda a humanidade
seja feliz como queira, ou quero que ela morra
do cogumelo atómico prometido e possível?
Não sei. Definitivamente, não sei.
Julgas que estou deitado num leito de rosas?
— perguntava ao companheiro de tortura Cuauhtemoc(1).
Mas, mesmo destituído, preso e torturado,
ele era o Imperador, descendente dos deuses.
Eu não descendo dos deuses. O corpo dói-me,
que envelhece. O espírito dói-me de um cansaço físico.
As belezas de alma, seja de quem forem, deixaram de interessar-me.
Resta a poesia que me enoja nos outros
a não ser antigos, limpos agora do esterco
de terem vivido. E eu vivi tanto
que me parece tão pouco. E hei-de morrer
desesperado por não ter vivido. Aos 50 anos
nem sequer a raiva dos outros ainda me sustenta
o gosto e a paciência de estar vivo.
Outros que tentem e descubram:
que digam ou não digam é-me indiferente.
  15/06/1970
Jorge de Sena (1919-1978)
40 Anos de Servidão
  
______________________
(1) Cuauhtemoc tornou-se, em 1520, no 11º e último imperador dos Astecas, após a morte do sucessor de Montezuma II. Ambos simbolizam o fim de uma civilização, em virtude das conquistas expansionistas castelhanas de que Hernán Cortés foi um dos agentes, ao aprisioná-los.
  
   



Il cervello del bambino (1914), Giorgio de Chirico 
  
  


SOU UMA CRIATURA
 
de São Miguel
assim fria
assim dura
assim enxuta
assim refractária
assim totalmente
desanimada
 
é o meu pranto
que não se vê
 
desconta-se
vivendo
  

Como esta pedra
Como esta pedra
A morte
Giuseppe Ungaretti (1888-1970)
Sentimento do Tempo (1933)
trad. de Orlando de Carvalho
Lisboa, Dom Quixote, 1971 (Cadernos de poesia ; 17)
    


    
    
Hands [1954], Paul Strand (1890-1976)

    
    
    
INSCRIÇÃO
  
Os velhos deixam o mundo
felizes
o seu peso
os filhos descansam do cuidado
e imaginam a partida
choram a finitude quando ainda os sentem
no leito de morte
na dor quotidiana dos últimos dias
amam a distância das horas fugidias
  
por vezes os mortos pensam as flores
oferecidas
grinaldas coroas
e vão sublimes em direcção à terra condividida
cósmica.
  

José Maria de Aguiar Carreiro

Chuva de Época, Ponta Delgada, 2005..
  



  
  
A Condição Humana I   (1933), René Magritte (1898-1967)
  
    
        
O PODADOR
  
Devagar a tesoura poda o arbusto
tornando-o de realidade em desejo
da forma. O que me atrai, a flor,
a folha de fuligem, os troncos curvos
para os pardais escuros e ocultos.
  
Devagar os ramos caem e os que o
podador despreza vão entrar na gé-
nese da nova terra. É inevitável
que tudo isto me crie nostalgia.
Não há um estalido simples, corte só,
  
nem morte só, a morte daqueles
ramos estendidos pelo gradeamento
a viver naturalmente entretanto.
  
O podador escolhe assim a aparên-
cia da obra que devagar executa,
  
na ordem e no capricho da folhagem
para sempre jovem e ágil.
   
Fiama Hasse Pais Brandão (1938-2007)
Três Rostos, Lisboa, Assírio & Alvim, 1989
    



    
A EQUAÇÃO
        
O sentido e o rumo do futuro estão inscritos no que fazemos agora. No presente. É a nossa intenção que põe ordem no futuro. Fabricamos uma perspectiva em que nós somos o centro. Não é a perspectiva da pintura. Não, isso é assunto de arte ou de artifício. Existe num quadro para constatar a mudança de planos. Esta perspectiva de que falo é a que gera a ideia de tempo.
        
Quando se passa do prazer à dor sentimo-nos em mudança. Mesmo quando não somos capazes de estabelecer uma relação entre os dois termos da mudança. Na sua origem, o curso do tempo é a distinção entre o que se quer, entre o que se deseja e o que se possui. Reduz-se, assim, à intenção seguida por um sentimento. Não se sente, senão, por instantes. O sentimento do tempo, a duração, não é homogénea. É feita da poeira de instantes. Deve-se a um grupo de instantes que ficam rigidamente ligados pela perspectiva. Pelo traçado da memória humana.O sentimento do tempo, de duração, é o da ordem das lembranças. A sua representação deve-se a uma arte: a memória.
        
É à nossa consciência que cabe tecer uma teia, urdir uma trama com instantes. E com ambas, fabricar o tecido que nos dá a sensação continuada de ser. De existir. É este tecido que sustenta o leito do tempo.
        
Nele vogamos com a rapidez do devir. Com ideia e acção não descobrimos o que é quietude. Com ideia e acção não descobriremos, alguma vez, o que é o silêncio.
        
Por isso, talvez não haja tempo fora dos desejos e das lembranças. Talvez não haja tempo fora das imagens que se sobrepõem aos objectos que as invocam. Talvez seja esta sincronicidade, esta coincidência, que constrói a aparência do tempo e do espaço.
        
O sentimento do tempo, a espera e o desespero, nascem da nossa perspectiva. Talvez, um dia, possamos saber a operação, o modo, para distinguir planos neste novo tipo de espaço: o tempo.
        
Queremos ver, hoje, nesse operador o mecanismo que faz passar do sentimento do tempo para a ideia de tempo. Queremos atribuir-lhe a capacidade de estabelecer a duração real. Inventámos o relógio. O símbolo que representa o tempo no espaço. É pela posição no espaço dos ponteiros que dizemos estar a medir o tempo real.
        
    
O Relógio Astronómico na Praça da Cidade Velha, de Praga, feito pelo relojoeiro Mikulas de Kadan e Jan Sindel



       
É no espaço o modo natural de representar as sensações. As simultâneas. As vindas de todos os lados do corpo e da alma. É no espaço, o modo natural, de armar o leito do tempo. Não admira, portanto, que o espaço e o tempo dependam da velocidade com que neles nos representamos. A esta representação chamamos teoria da relatividade. O curso do tempo é, então, a percepção de diferenças entre sensações que se parecem. A sua sucessão é a abstracção do movimento no espaço. Quando consciente, torna-se numa intenção. Da intenção, pouco a pouco consciente de si e dos seus efeitos sairá uma direcção. Uma extensão. Amarrou-nos a tempo, ao tempo. A forma abstracta de representar as mudanças no universo. Foi lá no nada e no caos, que a eternidade aconteceu. Connosco sucedeu uma intenção. Ordenou as sensações, os sentimentos e os pensamentos. Com a ordem, aprendemos a contar até dez!
[…]


       
       
    
Salvador Dali, A Persistência da Memória (1931)


    
Salvador Dali, "A Desintegração da Persistência da Memória" (1952-1954)
Salvador Dali, A Desintegração da Persistência da Memória (1952-1954)





CARREIRO, José. “O Sentimento do Tempo”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 10-03-2007. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2007/03/o-sentimento-do-tempo.html (2.ª edição) (1.ª edição: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2007/03/10/tempo.aspx)