sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O PAÇO DO MILHAFRE (Vitorino Nemésio)

       



O PAÇO DO MILHAFRE              
             

À beira de água fiz erguer meu Paço
De Rei-Saudade das distantes milhas:
Meus olhos, minha boca eram as ilhas;
Pranto e cantiga andavam no sargaço.

Atlântico, encontrei no meu regaço
Algas, corais, estranhas maravilhas!
Fiz das gaivotas minhas próprias filhas,
Tive pulmões nas fibras do mormaço.

Enchi infusas nas salgadas ondas
E oleiro fui que as lágrimas redondas
Por fora fiz de vidro e, dentro, de água.

Os vagalhões da noite me salvavam
E, com partes iguais de sal e mágoa,
Minhas altas janelas se lavavam.
       
Vitorino Nemésio, in Tríptico, nº 2 (1924)
O Bicho Harmonioso (1938)
    



     
TEXTO DE APOIO
    
[…] a «história» da casa resume-se nisto: «sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço, sentado numa pedra de memória».

Trata-se, pois, de dar expressão a uma realidade de valor metonímico que só tem existência no seu íntimo. Tal como o «Paço do Milhafre»: «O Paço do Milhafre não é ali, mas para mim lá fica o seu mistério. Nem sequer o Paço é paço, bem no sei! O Passo do Milhafre é um passo de passada e fica ao Paço da Areia, acima das de Entre-Muros» (p. 18). Mas o «mistério» do Passo/Paço não fica pelo jogo homofónico: para além do que possa ser entendido como puro ludismo verbal, estão as fluidas associações de imagens, os controles incoerentes de uma interioridade exilada, o real sublimado e tomado discurso, léxico significativo, mito, símbolo.
[…]
Vejamos o texto poético «O Paço do Milhafre» publicado n'Bicho Harmonioso.
[…]
Poema sem dúvida já profundamente marcado da insularidade açoriana da qual nunca se desligaria. Repare-se, antes de mais, no elevado número de termos da esfera marítima: «beira de água», «distantes milhas», «ilhas», «sargaço», «atlântico», «algas», «corais», «gaivotas», «mormaço», «salgadas ondas», «vagalhões», «sal». Mas Nemésio apodera-se da significação desse léxico, partindo para um plano de antropomorfização. A paisagem marítima cerca-o e invade-o, insinuando-se matéria constituinte do seu próprio ser: «Meus olhos, minha boca eram as ilhas», «Tive pulmões nas fibras do mormaço»; em suma, faz-se «atlântico».

A propósito deste livro diz Martins Garcia que a interioridade de Vitorino Nemésio, «[...], busca, na exterioridade, toda uma série de elementos da vida insular: conchas, algas, mar, poço, nuvem, barco, gaivota, estrela, lume, vento, sol, sal, etc. ‑ mas tudo isso como elementos da 'memória', à semelhança da 'pedra' onde se senta o cansaço do autor [...]» (José Martins Garcia, Vitorino Nemésio, a obra e o homem,Lisboa, Editora Arcádia, 1978, pp. 159-160). Nemésio, de resto, satura-se de reminiscências, refugia-se na reconversão fantástica. Então, confere maior espacialidade ao «regaço», heterogeneidade bizarra aos elementos que o habitam, encarnando preferencialmente alguns, todos tomando como parte vital da sua existência: «Atlântico, encontrei no meu regaço / Algas, corais, estranhas maravilhas! / Fiz das gaivotas minhas próprias filhas, / Tive pulmões nas fibras do mormaço». E é ainda a essa substância salgada que impetuosamente nele bate, a quem é devida a razão da sua subsistência: «Os vagalhões da noite me salvavam / [...] de sal e mágoa, / Minhas altas janelas se lavavam».

Aqui está, ou não, uma forte determinação, um indiscutível poder ‑ pois que faz erguer o seu «Paço / Da Rei- Saudade das distantes milhas»?

«Paço da Rei-Saudade», a personagem-narrador Mateus Queimado, várias outras como vimos, inclusive Margarida do Mau tempo no Canal, são, pois, projeções mais ou menos autónomas da personalidade Nemésio. «[...] nem o fingimento é o puro advento de pseudónimos, de protagonistas, de personagens, mas o cruzamento de seres em estado fantástico com seres de estado civil, meio por meio formados na reminiscência e na inventiva, ao mesmo tempo utópicos e moradores, convividos e sonhados» ‑ confessa o próprio autor (in «O problema do romance», Diário Popular, Lisboa, 1946-05-08). Há unidade nesta multiplicidade de vozes pelo facto de representarem uma atitude mental convertida em experiências literárias. Essa diversidade é, de resto, a prova provada do metaforismo de viagem na obra de Nemésio: em parte porque resposta à ubiquidade da Ilha Perdida; em parte devido ao carácter indefinido, em rumo e extensão, da(s) sua(s) viagen(s) mítica(s) (sobretudo na crónica, autêntica viagem de um navio [que está] no peito como se viu, isto é, uma «rota» de diário íntimo!).

Nemésio não quis, afinal, regressar à ilha Terceira nem ao tempo que lá passara. É certo que lhe é grato recordar factos, episódios vividos; mas nesta «volta atrás não avulta o tempo perdido (isso é só mau costume calculista, ponto de vista económico): [...]» (Vitorino Nemésio, «A cinza do charuto» in Jornal do observador, Lisboa, Editorial Verbo, 1974, p. 91). Se regressa fisicamente às ilhas, mesmo esporadicamente e por curto espaço de tempo, fica-lhe uma sensação de vazio, de falta interior quase hereditária: «[...] nada me falta ‑ senão o que sempre me faltou». «Quando se volta atrás ‑ continua na crónica do Jornal do observador ‑ levanta-se o passado criador, ingénuo pai do futuro. Pitoresco ou não, superficial ou profundo o que fizemos arranca dele» (sublinhados nossos).
             
Maria Margarida Maia Gouveia, A viagem em Vitorino Nemésio, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1986, pp. 124-126.
        
            


LEITURA ORIENTADA
     
1. Sem ler o poema, defina as expectativas que lhe cria o título.

2Leia o texto e recorra ao dicionário para esclarecer o sentido das palavras que desconheça, com particular atenção aos vocábulos «paço», «milhafre», «mormaço», «sargaço», «infusas», «oleiro», «vagalhões».

3. Indique os elementos marinhos que transformam e aproximam o corpo do «Rei-Saudade» das «ilhas» distantes.

4. Analise o valor expressivo da antítese presente no verso «Por fora fiz de vidro e, dentro, de água».

5. Tendo em conta a estrutura estrófica, classifique esta composição poética de Vitorino Nemésio.

6. Proceda à definição do seu esquema rimático, explicitando a relação de sentidos que se estabelecem entre as palavras que rimam.

7. Comente o sentido da estrofe final do poema.

8. Após a análise do texto, faça a interpretação do título e confronte-a com as suas expectativas iniciais.
    
Antologia. Português 10º Ano/Ensino Secundário, Ana Garrido, Cristina Duarte, Fátima Rodrigues, Fernanda Afonso e Lúcia Lemos, Lisboa Editora, 2007.
       

Saudade. Paulo Borges, Ponta Delgada, novembro de  2017

       
SUGESTÃO
      


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/08/31/POEMA.o.paco.do.milhafre.aspx]

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

NAVIO DE SAL (Vitorino Nemésio)


                   
              


             
NAVIO DE SAL          
                    
Quando eu era pequeno, vinha o navio de sal,
Era um acontecimento!
E meu tio António Machado ia sempre ao areal
Com o seu óculo de alcance desencanudado a barlavento.
Era um iate cheio de cordas e de velas,
Chamado Santo Amaro, Veloz ou o 
Diligente,

E, como trazia o sal, que é o sabor das panelas,
Era esperado tal qual como se fosse um ausente.
Na barra do horizonte era um ponto sozinho,
Mas crescia no vento a sua vela crua,
E o sol, ao morrer, tingia-lhe de vinho
A proa que vestia a pau a vaga nua.
Ali vinha, do Alto, sem sextante nem erro,
Enchendo devagar as previstas derrotas,
E plantava no fundo a sua raiz de ferro
Fazendo abrir no céu como flores as gaivotas.
As raparigas sãs da ribeira do mar,
Que traziam na pele um aroma silvestre,
Punham os olhos muito compridos, a cismar,
Nas cordas que secavam as roupas íntimas do Mestre.
Os pescadores mediam com a linha das pestanas
O tamanho do Audaz, a sua popa alceira:
Nunca tinha arribado àquelas praias insulanas
Tanto pano de verga, tanto oleado, tanta madeira!
Por isso a Vila, abrindo nas rochas duras
A branca humanidade das suas nocturnas casas,
Se encostava ao bater daquelas velas escuras
Como o corpo de um pássaro se deixa levar pelas asas.
………………………………………………………………...
Ah, se ele fosse salgar os caldos já tragados,
Tornar incorruptível a mocidade já verde,
Interessar o óculo do velho tio e os vidros suados
Da janela que ao longe este horizonte perde!
Se fosse encher de branco as paragens insossas,
Manter o gosto a vida aos dias moribundos,
Conservar as faces às moças
E o movimento aos mares profundos,
Então sim! levaria a porto e salvamento
A sua carga.
Na dúvida, Capitão, espera o vento,
Iça as velas e larga!
          

Vitorino Nemésio, O Bicho Harmonioso (1938)



     
     
LINHAS DE LEITURA
     

Observe, no poema, as seguintes linhas de leitura:

 a memória da infância;

 a representação de um mundo concreto, de raiz marítima;

 o carácter descritivo/narrativo da 1ª parte do poema; o carácter expressivo da 2ª parte;

 sal: agente e símbolo da conservação (dos alimentos, da memória);

 a linguagem metafórica; outros recursos estilísticos;

 a utilização livre da métrica e da rima.

         
Plural 12, E. Costa, V. Baptista, A. Gomes, Lisboa Editora, 1999.
       


       
SUGESTÃO
      


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/08/30/navio.de.sal.aspx]

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

LIÇÃO DE COISAS (Vitorino Nemésio)

      
Vitorino Nemésio, última lição recordada no CCB


        
LIÇÃO DE COISAS            
               
A exatidão serena de uma flor
Aconselha-me em vão
A encher de paz e sem amor
O revolto e impreciso coração.

Ó luz tão verdadeira,
Que dás o verde tenro e o branco puro,
Eu dava a vida inteira
Para ser monte ou muro!

Mas ao homem não valem
Desejos minerais:
Aves, flores, que se calem!
Hei-de ser como os mais.

Nem florido no orvalho como a rosa,
Nem azul como o monte arredondado.
Ó imaginação, só tu és dolorosa!
O maior mal ainda é o imaginado.
    

Vitorino Nemésio, Nem Toda a Noite a Vida, Lisboa, Ática, 1953
   



   
    
EXPLORAÇÃO DO POEMA «LIÇÃO DE COISAS»
    
O poeta que tanto interesse nos mereceu pela extraordinária originalidade de muitos dos seus poemas que afirmam a sua vasta cultura e uma apurada sensibilidade, mesmo neste breve e menos hermético poema, se revela um pensador curioso.
O poema é formado por quatro quadras, com rima cruzada, mas de métrica muito irregular e, portanto, com um ritmo variável; ligeiro nos versos curtos (binário, em geral), em especial na 2.ª e na 3.ª quadras; mais lento nos versos mais longos, como acontece na última quadra (e, portanto, ternário, com evidência). A rima é consoante e são agudos os da 1.ª e os 2.º e 3.º versos da 3.ª Todos os mais são graves.
Não há aliterações significativas a nível fónico, o transporte observa-se nos três primeiros versos da 1.ª quadra, no 3.º da 2.ª e no 1.º da 3.ª Em todos os outros há pausas predominantemente fortes marcadas pelo ponto final, pelos dois pontos e pelo ponto de exclamação ‑ três vezes, muito oportunos dentro do sentido da poesia. Sentimos abundantes os sons nasais (a exprimir um certo fechamento no desencanto) onde, excluindo o u, aparecem todas, com predomínio do em (en) que se combina mesmo com o e fechado em verde tenro e aparece proximamente repetido em homemvalem. Também o som on em monte arredondado e com as quatro dentais vincam a forma do monte.
Observemos o poema, a nível de linguagem e de conteúdo.
As coisas que, segundo o título, transmitem uma lição ao poeta são: uma floraluz, aaves, principalmente.
Olhando para uma flor, ele verifica a sua exatidão serena (personificando-a) que oaconselha (de novo a animização), mas inutilmente: «A encher de paz e sem amor / O revolto e impreciso o coração.» Algumas considerações nos sugerem estes dois versos. Como pode o poeta encher de paz o coração, sem amor? ‑ primeiro momento negativo. Ora a flor aconselha a paz ao poeta porque tem revolto impreciso o coração. Qualquer dos adjetivos justificam a necessidade de paz que o poeta não tem, pois o coração não só é revolto, não pacífico, como é também impreciso ‑ não sabe o que quer. É precisamente esta imprecisão que vai justificar os desejos absurdos formulados nos dois últimos versos da 2.ª quadra: «Eu dava a vida inteira / Para ser monte ou muro!» ‑ desejo que lhe é suscitado pela luz: «Ó luz tão verdadeira, / Que dás o verde tenro e o branco puro.» À flor classificou-a de exata serena, à luz classifica-a de verdadeira,adjetivo animizante superlativado pelo advérbio tão; e é verdadeira porque não falseia as coisas, neste caso, as cores: o verde tenro e o branco puro. Realçamos os adjetivos porque nos parecem muito significativos ‑ verde tenro ‑ constitui uma sinestesia visual e táctil, mas ambas as expressões são de sentido concreto; branco puro, já não oferece uma sinestesia e o substantivo concreto está qualificado por um adjetivo de sentido abstrato - puro → pureza, embora puro possa significar a superlativação de branco → branco, branco.
Referimos os desejos absurdos do poeta desejando ser monte ou muro. Para o primeiro serviria o verde tenro; para o 2.°, o branco puro. O que nos parece, porém, é que o poeta podia dar a vida inteira por alguma coisa de mais válido do que um muro. Mas a imaginação é tola.
E, agora, o temos na 3.ª quadra a lamentar a insensatez do homem que concebe desejos minerais, ele que pertence ao reino animal. A opositiva mas deita por terra o inconcebível desejo formulado na 2.ª quadra, apesar do conselho que recebe daexatidão serena de uma flor e da consciência de verdade que lhe é dada pela luz. Por isso surge uma frase exclamativa, carregada de autoridade, a sugerir como que um protesto, uma rejeição: «Aves, flores, que se calem!» Não está expresso o verbo declarativo mas ele está subjacente à oração: «que se calem!». Por isso digo que se calem ‑, aves e flores. As aves surgem pela primeira vez neste conjunto de coisas que lhe servem de lição. Mas o poeta não se conforma com essa lição e a frase exclamativa com o conjuntivo tem sentido imperativo ‑ ele não aceita a lição. «Hei-de ser como os mais.» Não foge à vulgaridade, apesar das lições que as coisas lhe dão, e a forma perifrástica é uma afirmação da intenção que o move: hei-de ser.
Mas é na última quadra que o poeta condensa o que de mais significativo nos sugere o poema. Se há-de ser como os mais, se não foge à vulgaridade, se tem de seguir o seu destino, lamentavelmente, apesar das suas ambições, não será nada, como sugere nas frases paralelas anafóricas que constituem os dois primeiros versos da quadra: «Nem florido no orvalho como a rosa, / nem azul como o monte arredondado.» Duas coisas lhe servem de comparação relativamente aos seus anseios: a rosa ‑ flor, o montearredondado. Embora ele só tivesse referido desejos minerais ‑ como impossíveis ao homem, embora ele tivesse dito que «... dava a vida inteira / Para ser monte ou muro!», a verdade é que o primeiro verso da última quadra passa pelo reino vegetal. O poeta pertence ao reino animal, mas, no seu sonho impossível, desejaria pertencer a outro reino. No vegetal, é a flor, mais particularmente, a rosa que o atrai ‑ cor, perfume, forma até, talvez, os espinhos, justificarão esta preferência? No mineral é o monte que, à distância, tem um tom azulado. E monte, porquê? Pela vastidão que ele, poeta limitado, não possui? Pela força latente, que faz brotar a floresta? Pela altura, que lhe permite uma maior distanciação do rasteiro, do mesquinho em direção ao infinito? Ao absoluto? E, quando diz arredondado, não será para significar (ultrapassando a rima) a ausência de arestas, de escarpas que tornam difícil o acesso e, portanto, transpondo, para o mundo do homem, desejar que este seja acessível, tratável, como tal monte?
O pensamento do poeta, a partir das coisas, divagou, concebeu desejos, sonhou irrealidades. E aí o temos, nos dois últimos versos do poema, a culpar a sua imaginação desenfreada que o arrasta voluptuosamente e tanto o faz sofrer! De facto, ao longo da poesia de Nemésio foi-nos possível verificar a facilidade com que o poeta transita através das ideias, parando aqui, saltando acolá, mas sempre conseguindo prender a nossa atenção, surpreendida e curiosa, mas firme para não se perder nos meandros do seu pensamento. Foi essa a impressão que nos ofereceu nos programas televisivos em que se revelou um cavaqueador curioso, dispersivo, por vezes, mas nunca incómodo. Ora a leitura mais vasta e profunda dos seus poemas completou essa visão agradável, completou e, até, superlativou o apreço em que o tínhamos, pois, na verdade, não é fácil um humanista como ele, manobrar com tanta exatidão e com tanto à-vontade, assuntos que são do domínio da ciência, como vimos em Limite de Idade.
Compreendem-se bem os dois últimos versos deste poema, depois desse contacto mais profundo com a sua obra. Afinal, divagou em pensamentos que classificámos de absurdos numa personalidade tão multifacetada como foi a de Nemésio. Mas o final do poema justifica convenientemente a causa da evasão que nos revelou: «Ó imaginação, só tu és dolorosa! / O maior mal ainda é o imaginado!» Neste desabafo sentimos uma reminiscência muito acentuada de Fernando Pessoa ‑ Álvaro de Campos ‑ como aliás a sentimos ao longo da poesia. Este desencanto, que leva a sonhos irreais, é muito característico do heterónimo indicado. Para ele o maior mal era o ter nascido, para Nemésio é o imaginado. A imaginação desregrada é a causadora do grande sofrimento daqueles que não vivem com os pés na terra. E este é um caso evidente.
Na estrutura do poema, consideramos três momentos: ‑ no primeiro constituído pelas duas primeiras quadras temos a apresentação: das coisas e dos anseios do poeta. No segundo momento constituído pela 3.ª quadra e pelos dois primeiros versos da 4.ª temos o desenvolvimento das desencantadas conclusões a que chegou, e o negativismo é anunciado logo na opositiva. Mas que inicia a 3.ª quadra e pelas formas negativas não valem, Nem florido, Nem azul. No terceiro momento, constituído pelos dois últimos versos, temos a conclusão.
O poema resulta da comparação, do confronto do eu com o não-eu o qual leva o poeta a exprimi r um desejo impossível e impensável. Mas, ao terminar, o eu regressa ao seu mundo, para concluir que a causa do seu desencanto, da sua frustração estava em si próprio, na imaginação prodigiosa que possuía. Nemésio confirma, assim, o esquema típico de um poema, conforme dizemos em Literatura Prática – vol. I, pág. 51: No poema cruzam-se dois mundos: o mundo do poeta ‑o mundo do eu e o mundo que lhe é exterior ‑, o do não-eu, que acaba por se fundir, consubstanciar com o do poeta (sujeito → objeto → sujeito). E não foi isto que vimos nesta breve exploração do poema?
Literatura Prática (sécs. XIX-XX) 11º AnoLilaz Carriço, Porto Ed., 1986 (4ª ed.), pp. 499-501.
            
            

QUESTIONÁRIO INTERPRETATIVO
    
1. O poema pode dividir-se em duas partes lógicas.

1.1. Identifique-as.

1.2. Resuma o conteúdo de cada uma delas.

1.3. Refira o valor do conector que as separa.

2. Repare no título do poema.

2.1. Explique de que coisas poderia o sujeito poético aprender uma lição de vida.

2.2. Indique as razões pelas quais o "conselho" da "flor" é "em vão".

2.3. Sublinhe os versos em que o sujeito poético exprime um desejo quase panteísta de identificação com os elementos naturais.

2.4. Interprete a "lição" que o sujeito poético considera que poderia aprender.

3. Ao longo do poema, coração identifica-se com imaginação e paz com ausência de sentimentos. Prove a veracidade desta afirmação.
   

   
CHAVE DE CORREÇÃO
    
1. As duas partes são separadas pela conjunção adversativa Mas.
Na primeira, o sujeito poético exprime um profundo desejo de identificação com a natureza, para assim, despojado de sentimentos, encontrar a paz.
Na segunda, afirma a impossibilidade de aprender esta lição pois a imaginação ‑ a sua capacidade de pensar, de sentir e, portanto, de sofrer ‑ impedem-no de tal.
     
     
Entre Margens. Língua Portuguesa 10º Ano, 
Olga Magalhães e Fernanda Costa, Porto Editora, 2003.
       
       


PODE TAMBÉM GOSTAR DE LER:
      
     


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/08/29/licao.de.coisas.aspx]