quarta-feira, 9 de abril de 2014

CAMILO PESSANHA (1867-1926)


 



Leitura orientada de Clepsidra

e outros poemas

de Camilo Pessanha

 

POEMAS

INCIPIT

Água morrente

Meus olhos apagados,

Ao longe os barcos de flores

Só, incessante, um som de flauta chora,

Branco e vermelho

A dor, forte e imprevista,

Caminho

I - Tenho sonhos cruéis: n'alma doente
II - Encontraste-me um dia no caminho
III - Fez-nos bem, muito bem, esta demora:

Canção da partida

Ao meu coração um peso de ferro

Castelo de Óbidos

Quando se erguerão as seteiras?

Crepuscular

Há no ambiente um murmúrio de queixume,

Depois da luta e depois da conquista

Depois da luta e depois da conquista

Desce em folhedos tenros a colina

Desce em folhedos tenros a colina

Em um retrato

De sob o cômoro quadrangular

Estátua

Cansei-me de tentar o teu segredo:

Esvelta surge!

Esvelta surge! Vem das águas, nua,

Floriram por engano as rosas bravas

Floriram por engano as rosas bravas

Foi um dia de inúteis agonias

Foi um dia de inúteis agonias

Fonógrafo

Vai declamando um cómico defunto.

Imagens que passais pela retina

Imagens que passais pela retina

Inscrição

Eu vi a luz em um país perdido.

Interrogação

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,

Madalena

Ó Madalena, ó cabelos de rastos,

Na cadeia

Na cadeia os bandidos presos!

No claustro de Celas

Eis quanto resta do idílio acabado,

O meu coração desce

O meu coração desce

Olvido

Desce por fim sobre o meu coração

Paisagens de inverno

I - Ó meu coração, torna para trás.
II - Passou o outono já, já torna o frio...

Poema final

Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas,

Porque o melhor, enfim.

Porque o melhor, enfim,

Quando voltei encontrei os meus passos

Quando voltei encontrei os meus passos

Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho

Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho

Roteiro da vida

I – Enfim, levantou ferro.
II – Nesgas agudas do areal
III – Cristalizações salinas,

San Gabriel

I – Inútil! Calmaria. Já colheram
II ‑ Vem conduzir as naus, as caravelas,

Soneto de gelo

Ingénuo sonhador — as crenças d'oiro

Vénus

I À flor da vaga, o seu cabelo verde,
II
Singra o navio. Sob a água clara

Viola chinesa

Ao longo da viola morosa

Violoncelo

Chorai arcadas

Voz débil que passas

Voz débil que passas

 

 

 



Ser em Português 12 A. Coord. A. Veríssimo. Porto, Areal Editores, 1999



A poesia de Camilo Pessanha


Linhas temáticas:

- O afastamento do confessionalismo romântico

- A efemeridade de tudo

- A perda, a inutilidade do esforço, de tudo o que se faz ou vive

- A conceção do tempo como ilusão

- A poesia de desfibramento pessoal em agonia

- O receio ou a náusea pela consumação dos desejos

- A apatia contemplativa

- A abulia da indecisão

- O tom de pessimismo e resignação

- A perspetivação da realidade como ambígua (imagens, miragens, sonhos)

- O cruzamento de traços de significação

- A dicotomia existencial marcada pelo desejo de fruir e pela saudade antecipada do que se perde

- A intensidade da sugestão

- As imagens fugidias e multívocas

- As associações subtis de sentimentos e sensações

- O ambiente dispersivo e a atmosfera misteriosa, onírica

- A omnipresença do símbolo da água, metáfora do passar do tempo

 

O estilo e a linguagem:

- Arte meticulosa no tratamento musical e evocativo do verso

- Influência da música e da musicalidade

- Ausência de inflexões previsíveis da expressão sentimental

- Jogos de palavras destinados a produzir evocações

- Equilíbrio fonético do verso

- Recurso a imagens e símbolos subtis e fugidios

- Diluição da sintaxe-padrão, centrada no verbo

- Forma meticulosa, equilibrada e rigorosa 

(Fonte: Escola Virtual)






Fonte:

LUSOFONIA - PLATAFORMA DE APOIO AO ESTUDO A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO.

Projeto concebido por José Carreiro

1.ª edição: http://lusofonia.com.sapo.pt/literatura_portuguesa/pessanha.htm, 2014.

2.ª edição: http://lusofonia.x10.mx/literatura_portuguesa/pessanha.htm, 2016-2018.

3.ª edição:  https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/Camilo_Pessanha, 2021.


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