segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Açorianus maximus (Manuel Leal)

Manuel Leal

Os presuntivos constituintes cognitivos no conteúdo da ideação da açorianidade de Vitorino Nemésio (1980) foram elementos dinâmicos da identidade individual e do grupo.
O autor de Mau Tempo no Canal não expressava apenas a sua perceção, mas o despertar da convergência arquipelágica no discurso em que se tomou consciência do sentido latente de identidade do povo açoriano. A literatura fez-se espelho da realidade que a precedeu. Depois, foi Onésimo Teotónio Almeida que lhe deu voz na academia para além do espaço insular.
A influência de Miguel Unamuno (2005) teria decerto encaminhado Nemésio para a condição arquipelágica, com importantes implicações históricas e existenciais. A açorianidade com Nemésio assumiu-se como manifestação vaga e quiçá figurativa. Nominal na aparência, incubaria uma ideia mais íntima e complexa, porém, que não era novel nem desconhecida no espaço físico do arquipélago. Expressava na narrativa existencial da vivência ilhoa uma comunidade quase imaginada naquela época, construída como uma metáfora por conveniência.
E até, quiçá, insegurança em termos de consequências políticas na ameaça sempre oculta e ubíqua do governo autoritário a partir de 1933. Formou-a na investigação introspetiva do sentido de pertença do indivíduo na sua sociedade.
Nemésio não podia experienciar a açorianidade sem a diferenciação no contraste identitário com outra entidade em competição pelo seu afeto e sentido de participação na sua essência. As identidades não se adquirem nem tomam forma num vácuo. Não o fazia entre ilhas porque no seu conjunto constituíam o todo inseparável do seu imaginário como um gestalt, o padrão comparativo. Ele deu nome à açorianidade, como entidade afetiva e cultural, que depois tentaria evidenciar, cautelosamente, para não ferir a personalidade prescrita do homem açoriano, prostrado na peripeteia profunda do pathos lusíada. A decadência nacional manifestava-se na corrupção do tecido político nacional, agitado pela descrença do período do pós-guerra. A subalternização das Ilhas, omnipresente na sua história, acentuara-se no desgaste da situação social e económica da gente açoriana, cuja condição pesava na convergência solidária do Arquipélago.
As particularidades do momento histórico promovem ou cerram a visão dos povos, como do indivíduo aos estímulos do zeitgeist na dimensão geográfica do pensamento. A teoria do Grande Homem, por outro lado, fez salvadores de pátrias exaustas e céticas da elevação da pessoa na individualidade do esforço coletivo. Teria criado até Einstein no domínio da ciência. Mas não se coaduna com a realidade biológica da espécie ou da evolução cultural. Cada geração beneficia do produto do conhecimento das que lhes precederam.
A cultura, como a define a ciência social, assemelha-se ao curso de um rio em relação a um ponto estático nas margens. A tecnologia do Grande Acelerador de Hadrões inaugurado na Suíça em 2008 teve a sua origem no conceito da organização da matéria de um filósofo grego da antiguidade. No mesmo contexto, a narrativa existencial, como a modernidade ou a ideia do progresso, desenvolve-se de maneira que cada instante experiencial se diria uma fotografia na corrente múltipla de imagens distintas que nos dão a ilusão de movimento.
Onésimo Teotónio Almeida (1989) prosseguiu o trabalho de Vitorino Nemésio, fazendo coalescer no seu volume Açores, Açorianos, Açorianidade as ideias que a ausência da casa materna e do rincão natal, talvez, lhe trouxera enquanto residia, sucessivamente, na Terceira, onde frequentou o seminário, depois Lisboa para se licenciar e por fim os Estados Unidos.
Neste país, na Universidade Brown, obteve um mestrado e o doutorado e ingressou no quadro docente em que já funcionava como adjunto.
Na análise académica, ao modo intelectual de Unamuno, Onésimo deduz o papel do apego psicológico como experiência individual. Mas deixa à associação cognitiva dos seus muitos leitores a interpretação da individualização afetiva da açorianidade para além das implicações históricas e literárias do processo evolucionário na convergência das memórias em ideologia étnica.
Não deixa dúvidas, porém, de que a vive na sua irredutibilidade afetiva, se aqui posso usar a expressão de Unamuno (2005), sentindo-a na “carne da alma”.
A açorianidade não é, porém, de algum modo, apenas a paisagem e naturalidade, um legado genético, uma tradição religiosa, uma história, ou o processo de adaptação da cultura e da língua portuguesas num quadro específico de configuração geográfica. A voz de avós, as carícias da mãe, a reminiscência dos amigos.
E até um modo de pensar a existência e de ser humano, como modo de socialização. É tudo isto, na realidade, mas transcende o indivíduo no perfil de um povo com passado, presente e uma promessa de futuro.
Há na afirmação de Onésimo de ser e sentir-se açoriano um muro conceptual, contudo, que ele não ultrapassa para se reter remoto, mas não alheio, à esterilidade política, quiçá, na definição da condição trágica do povo açoriano.
Este “açorianus maximus” na diáspora e, parafraseando Camões em Os Lusíadas, no mundo que os açorianos criaram na sua comunidade afetiva pluricontinental, conserva-se consistente nesta posição de aparente neutralidade fora do sua aglutinação introspetiva. A redutibilidade da açorianidade de Onésimo não poderia consumar-se sem consequências na sua aceção. Teve, assim, de impor a si mesmo uma disciplina de conduta que obedece ao rigor da ética do seu múnus universitário.
A açorianidade como identidade define-o, mas não o separa nas polaridades entre as quais se constituiu. Neste comportamento, o Onésimo único e multímodo de João Maurício Brás (2015) tem-se mantido fiel à sua própria noção, há muitos anos declarada, de que não cabe à diáspora a participação distante na minúcia e no confronto entreílhas de interesses do processo político no arquipélago. Não é a ausência que o detém. A distância física não o inibe de cruzar o Atlântico numa frequência que para outros dá a impressão de que nunca dos Açores saiu.
No entanto, no seu trabalho de divulgar e investigar a açorianidade revela-se uma aderência ideológica, latente na identidade de que é talvez o seu mais alto expoente na transmissão ideacional. Onésimo tornou-se numa referência obrigatória na temática da açorianidade pelo que ele escreve e pelo que se diria subentender.
O paralelismo com Nemésio não pode passar despercebido.

Manuel Leal, Diário dos Açores, 2015-09-05.

Bibliografia:
Almeida, O. T. (1989). Açores, Açorianos, Açorianidade -- um espaço cultural. Ponta Delgada: Signo.
Brás, J. M. (2015). Onésimo, único e multímodo. Guimarães: Opera Omnia.
Unamuno, M. (2005). Tragic sense of life. (J. E. Futch, Trad.) New York: Cosimo Classics.
Nemésio, V. (1980). Mau tempo no canal: romance (ed. 6ª). Lisboa: Bertrand.


domingo, 6 de setembro de 2015

Dói-me Portugal (por José Pacheco Pereira)


OPINIÃO

Dói-me Portugal

Não é este o meu Portugal. Não lhes tenho respeito. Uns fazem por si, outros fazem pelos outros.


O poema de Antonio Machado intitulado Españolito é, como muitos poemas seus, intraduzível.
Eugénio de Andrade dava os poemas de Antonio Machado como exemplo da impossibilidade, no caso da poesia, de encontrar noutra língua, não as palavras certas, o que ainda era possível, mas a “música” do poema, o modo como fluía o som dessas palavras. Por isso, aqui vai no original:
Ya hay un español que quiere
vivir y a vivir empieza,
entre una España que muere
y otra España que bosteza.
Españolito que vienes
al mundo te guarde Dios.
una de las dos Españas
ha de helarte el corazón.

          É um poema sinistro tanto quanto pode ser um poema. Estamos a caminho da ferocidade da guerra civil espanhola: “uma das duas Espanhas / há-de gelar-te o coração”. Não é hipotético, é certo. Morrerás em breve por uma ou por outra dessas “duas Espanhas”. Como Machado, enterrado junto da Espanha mas do lado francês, para onde fugiu quando a guerra estava perdida para a República.


O tema das “duas Espanhas” é muito antigo e não é alheio também ao pensamento português contemporâneo desde o século XIX. A ideia de que há “dois Portugais” também por cá circulou, mas sem a dramaticidade e a fronteira talhada à faca, com que existiu em Espanha. Houve sempre por cá mais mistura, mesmo nos momentos em que “um Portugal” defrontou o “outro”, nas lutas liberais, na República e na longa ditadura que preencheu metade do século XX português. A essa mistura Salazar chamava a “brandura dos nossos costumes”, uma enorme mentira em que os poderosos desejam acreditar e nem ele acreditava. Também ele era capaz de, com o seu enorme cinismo, agradecer aos portugueses terem sido tão “pacíficos” durante a crise.
Hoje, “dois Portugais” existem e vão a eleições. Um está à vista todos os dias, outro tornou-se invisível, mas está cá. Como é que é possível ele ter desaparecido de modo tão conveniente neste ano eleitoral? É conspiração dos media, é censura induzida, é habilidade de um dos “Portugais”, é apatia, resignação do outro “Portugal”, é incapacidade do sistema político representar ambos, ou só um, é o efeito daquilo que os marxistas chamavam “ideologia dominante”`? É, porque já não há dois, mas apenas um só, e este é o Portugal feliz, redimido dos seus vícios passados, empreendedor, cheio de esperança no futuro, deixando a “crise” para trás, virado para o “Portugal para a frente”? É tudo junto, menos a última razão.
Um dos “Portugais” está de facto invisível nestas eleições. Quem devia falar por ele, não fala e quem fala não é ouvido. Criou-se uma barreira de silêncio onde apenas se ouve a propaganda. Vejam-se as miraculosas estatísticas. Começa porque há as estatísticas de primeira e as de segunda, as que valem tudo e as que não valem nada. As “económicas” são de primeira, as “sociais” são de segunda. Das primeiras fala-se, as segundas ocultam-se.
As estatísticas “da recuperação económica”, escolhidas a dedo e trabalhadas a dedo, são comparadas com os anos que mais convém, umas vezes 2000, outras 2008, outras 2010, outras 2011, outras 2012, outras 2013, etc.. Todas a subir, pouco mas a subir, com “tendência” para subir. Os “do contra” ainda dizem que são tão milimétricas essas subidas e tão condicionadas pelo bater no fundo, tão longe do que seria necessário, tão dependentes de factores externos, que, ao mais pequenão abanão, o castelo de cartas ruirá. Como, para não ir mais longe, se vê com a venda do Novo Banco, o “bom”. (Embora suspeite que mesmo a pior das vendas vai ser apresentada como um excelente resultado, comparada com qualquer hipotética operação mais ruinosa, que “poderia ter acontecido”, mas nunca existiu. É uma das técnicas habituais apresentar sempre o mal como o mal menor.)
Quem é que quer saber, destes pequenos incidentes? Até às eleições servem bem, no dia seguinte, se os seus criativos autores ganharem, voltam a ler com toda a atenção os relatórios do FMI para justificar a continuação da austeridade. Ver-se-á como o défice vai subir, vai-se ver como as coisas são piores do que se apresentou neste ano eleitoral, mas já é passado, não conta.
Há mais de um milhão de desempregados, “desencorajados”, desempregados de longa duração que desapareceram das estatísticas, falsos estagiários, e pessoas que só não estão nas listas do desemprego porque emigraram. Porque queriam? Não. Porque não tinham alternativa e ainda faziam parte daqueles que podiam emigrar. Se estão felizes é por mérito da Suíça, da Grã-Bretanha, da Alemanha, da França e das competências e conhecimentos que ganharam em Portugal, imperfeitos que fossem, antes de 2008. O Portugal que lhe deu essas competências também já está a encolher, a acabar. Estamos a falar de várias centenas de milhares de pessoas. É muito português.
Voltemos aos desempregados que, ó céus!, também não deixaram de existir. São muitas centenas de milhares de pessoas, à volta de um milhão se somarmos, como devemos somar, várias parcelas de pessoas que não tem emprego. Não é sequer emprego sem direitos, é que não tem emprego. Ponto. Por muita imaginação que se possa ter, é suposto que não estejam felizes com a sua vida. Nem eles, nem as suas famílias. É muito português.
Depois, mais um número que se sobrepõe aos outros, uma em cada cinco pessoas é pobre, dois milhões de portugueses. Onde estão eles que não se vêem? Depois de uma overdose pontual de miséria nos anos mais agudos da crise, despareceram as pessoas que vivem mal de Portugal. Não são boa televisão a não ser como “casos humanos” extremos – a idosa sem pleno uso das suas faculdades mentais que vive imersa na sujidade e na miséria mais extrema numa casa sem vidros, nem água, nem luz – e não é disso que estou a falar. Estou a falar da pobreza que é estrutural, da que recuou dez anos para trás, mas que, neste recuo enorme em termos sociais, perdeu qualquer esperança, aquela que ainda podiam ter no início da década de 2000. 
E aqueles a quem cortaram a magra pensão na velhice e a reforma com que pensavam viver os últimos anos, também estão felizes, a aplaudir o PAF? E aqueles que não eram pobres ou tinham deixado de ser pobres depois do 25 de Abril e que agora estão a escorregar para esse “estado” de que já não vão sair até morrerem? Estão felizes e contentes, perdido o emprego, a pequena empresa, o carro, a casa? Sim, as estatísticas de segunda, as sociais, revelam as penhoras, as devoluções, as humilhações, o esconder de uma vida sem esperança, ou seja desesperança. É muito português.
O discurso oficial, o do “outro” Portugal, diz que tudo isto é “miserabilismo”. Diz-nos que apenas o crescimento da “economia”, daquilo que eles chamam “economia”, pode resolver as malditas estatísticas “sociais”. Outra conveniente ilusão, porque, a não haver mecanismos de distribuição, a não haver equilíbrio nas relações laborais, a não haver reforço dos mecanismos sociais do estado – tudo profundamente afectado pela parte do programa da troika que eles cumpriram com mais vigor e rapidez – o “crescimento” de que falam tem apenas um efeito: agravar as desigualdades sociais. Como se vê.
No grosso das notícias, ministros e secretários de estado pavoneiam-se com grupos de empresários em posição de vénia, por feiras, colóquios dos jornais económicos, encontros liofilizados para que não haja o mínimo risco e, quando abrem a boca, é apenas para fazer propaganda eleitoral, a mais enganadora da qual se faz falando do “estado” redentor do país que agora já “pode mudar”. Eles falam do lado do poder, do poder que aparece nas listas dos jornais económicos, os novos “donos disto tudo”, chineses, angolanos, profissionais das “jotas” alcandorados a governantes, advogados de negócios e facilitadores, gestores, empresários de sucesso, a nova elite que deve envergonhar a mais velha gente do dinheiro, que o fez de outra maneira. O “outro” Portugal, o que é tão visível que até cega, com todas as cores, luzes a laser, aplausos de casting, feérico e feliz.
Não é este o meu Portugal. Não lhes tenho respeito. Uns fazem por si, outros fazem pelos outros. Conheço-os bem de mais. Não gostam dos de “baixo”. Acham que eles são feios, porcos e maus. Querem receber sem trabalhar. Querem viver à custa dos outros, deles. Se estão pobres é porque a culpa é sua. Se estão desempregados é porque não sabem trabalhar. Se se lamentam da sua sorte, são piegas. Deviam amochar disciplinadamente para serem bons portugueses. Não. “Há-de gelar-te o coração”.
Direi pois, como o velho Unamuno, “me duele España”, dói-me Portugal.
 http://www.publico.pt/politica/noticia/doime-portugal-1706884?page=-1



PACHECO PEREIRA E OS DOIS PORTUGAIS

Ainda bem que o José Pacheco Pereira regressou. Fazia falta na imprensa ou na televisão, onde a lucidez do seu pensamento e a acutilância da sua crítica é que nos permitem (tome bem nota, Paulo Rangel) respirar melhor. Na apatia crítica que tolhe o país -- poucos dão atenção a este défice de cidadania! --, no silêncio que envolve grandes questões nacionais (ver "Portugal, o Medo de Existir", de José Gil), no charco de águas podres que envolvem o quotidiano da política, a realidade é todos os dias desfocada, as problemáticas incómodas (mais a mais em tempo eleitoral) são atiradas para debaixo do tapete do esquecimento.
Pensar Portugal tem sido a tarefa de Pacheco Pereira, na consolidação de um pensamento autónomo e livre sobre o país, na pesquisa do tempo histórico português, com os seus tiques e os seus traumas, num importante contributo para a decifração da história contemporânea portuguesa- É, porventura, o lastro da investigação histórica, que lhe dá o lastro para uma crítica que rasga horizontes fechados.
Este sábado, no "Público" regressou a sua coluna, que tem sido uma coluna de combate contra a mistificação política. O título, aliás, é sugestivo: "Dói-me Portugal". Essa patologia, estarmos doentes do país e da Europa, é hoje comum e colectiva e as dores sobre o país que temos ampliam-se todos os dias. É por isso que a voz de Pacheco Pereira é importante para ajudar a cauterizar essas dores.
No longo artigo que escreveuele mostra como em Portugal há "dois Portugais" e como há realidades invisíveis, numa opacidade em que não faltam cumplicidades.
"Houve sempre por cá mais mistura (ele falara antes da Espanha e de António Machado) mesmo nos momentos em que “um Portugal” defrontou o “outro”, nas lutas liberais, na República e na longa ditadura que preencheu metade do século XX português", escreve Pacheco Pereira, acrescentando que "a essa mistura Salazar chamava a “brandura dos nossos costumes”, uma enorme mentira em que os poderosos desejam acreditar e nem ele acreditava. Também ele era capaz de, com o seu enorme cinismo, agradecer aos portugueses terem sido tão “pacíficos” durante a crise".
Vale a pena atentar na descrição do historiador:
"Hoje, “dois Portugais” existem e vão a eleições. Um está à vista todos os dias, outro tornou-se invisível, mas está cá. Como é que é possível ele ter desaparecido de modo tão conveniente neste ano eleitoral? É conspiração dos media, é censura induzida, é habilidade de um dos “Portugais”, é apatia, resignação do outro “Portugal”, é incapacidade do sistema político representar ambos, ou só um, é o efeito daquilo que os marxistas chamavam “ideologia dominante”`? É, porque já não há dois, mas apenas um só, e este é o Portugal feliz, redimido dos seus vícios passados, empreendedor, cheio de esperança no futuro, deixando a “crise” para trás, virado para o “Portugal para a frente”?
É tudo junto, menos a última razão. "Um dos “Portugais” está de facto invisível nestas eleições. Quem devia falar por ele, não fala e quem fala não é ouvido. Criou-se uma barreira de silêncio onde apenas se ouve a propaganda. Vejam-se as miraculosas estatísticas. Começa porque há as estatísticas de primeira e as de segunda, as que valem tudo e as que não valem nada. As “económicas” são de primeira, as “sociais” são de segunda. Das primeiras fala-se, as segundas ocultam-se".
Na caracterização desta estranha dicotomia, Pacheco Pereira explica:
"As estatísticas “da recuperação económica”, escolhidas a dedo e trabalhadas a dedo, são comparadas com os anos que mais convém, umas vezes 2000, outras 2008, outras 2010, outras 2011, outras 2012, outras 2013, etc.. Todas a subir, pouco mas a subir, com “tendência” para subir. Os “do contra” ainda dizem que são tão milimétricas essas subidas e tão condicionadas pelo bater no fundo, tão longe do que seria necessário, tão dependentes de factores externos, que, ao mais pequeno abanão, o castelo de cartas ruirá. Como, para não ir mais longe, se vê com a venda do Novo Banco, o “bom”. (Embora suspeite que mesmo a pior das vendas vai ser apresentada como um excelente resultado, comparada com qualquer hipotética operação mais ruinosa, que “poderia ter acontecido”, mas nunca existiu. É uma das técnicas habituais apresentar sempre o mal como o mal menor.)
Quem é que quer saber, destes pequenos incidentes? Até às eleições servem bem, no dia seguinte, se os seus criativos autores ganharem, voltam a ler com toda a atenção os relatórios do FMI para justificar a continuação da austeridade. Ver-se-á como o défice vai subir, vai-se ver como as coisas são piores do que se apresentou neste ano eleitoral, mas já é passado, não conta. Há mais de um milhão de desempregados, “desencorajados”, desempregados de longa duração que desapareceram das estatísticas, falsos estagiários, e pessoas que só não estão nas listas do desemprego porque emigraram. Porque queriam? Não. Porque não tinham alternativa e ainda faziam parte daqueles que podiam emigrar. Se estão felizes é por mérito da Suíça, da Grã-Bretanha, da Alemanha, da França e das competências e conhecimentos que ganharam em Portugal, imperfeitos que fossem, antes de 2008. O Portugal que lhe deu essas competências também já está a encolher, a acabar. Estamos a falar de várias centenas de milhares de pessoas. É muito português".
São interrogações pertinentes, mas ele não deixa de dar expressão a uma perplexidade que mostra bem a desumanidade e como há uma invisibilidade, na informação e na retórica, que traduz a a menoridade cívica e política que caracteriza a sociedade portuguesa. Ora, leiam:
"Voltemos aos desempregados que, ó céus!, também não deixaram de existir. São muitas centenas de milhares de pessoas, à volta de um milhão se somarmos, como devemos somar, várias parcelas de pessoas que não tem emprego. Não é sequer emprego sem direitos, é que não tem emprego. Ponto. Por muita imaginação que se possa ter, é suposto que não estejam felizes com a sua vida. Nem eles, nem as suas famílias. É muito português. Depois, mais um número que se sobrepõe aos outros, uma em cada cinco pessoas é pobre, dois milhões de portugueses. Onde estão eles que não se vêem? Depois de uma overdose pontual de miséria nos anos mais agudos da crise, despareceram as pessoas que vivem mal de Portugal. Não são boa televisão a não ser como “casos humanos” extremos – a idosa sem pleno uso das suas faculdades mentais que vive imersa na sujidade e na miséria mais extrema numa casa sem vidros, nem água, nem luz – e não é disso que estou a falar.
Estou a falar da pobreza que é estrutural, da que recuou dez anos para trás, mas que, neste recuo enorme em termos sociais, perdeu qualquer esperança, aquela que ainda podiam ter no início da década de 2000. E aqueles a quem cortaram a magra pensão na velhice e a reforma com que pensavam viver os últimos anos, também estão felizes, a aplaudir o PAF? E aqueles que não eram pobres ou tinham deixado de ser pobres depois do 25 de Abril e que agora estão a escorregar para esse “estado” de que já não vão sair até morrerem? Estão felizes e contentes, perdido o emprego, a pequena empresa, o carro, a casa? Sim, as estatísticas de segunda, as sociais, revelam as penhoras, as devoluções, as humilhações, o esconder de uma vida sem esperança, ou seja desesperança. É muito português.
O discurso oficial, o do “outro” Portugal, diz que tudo isto é “miserabilismo”. Diz-nos que apenas o crescimento da “economia”, daquilo que eles chamam “economia”, pode resolver as malditas estatísticas “sociais”. Outra conveniente ilusão, porque, a não haver mecanismos de distribuição, a não haver equilíbrio nas relações laborais, a não haver reforço dos mecanismos sociais do estado – tudo profundamente afectado pela parte do programa da troika que eles cumpriram com mais vigor e rapidez – o “crescimento” de que falam tem apenas um efeito: agravar as desigualdades sociais. Como se vê. No grosso das notícias, ministros e secretários de estado pavoneiam-se com grupos de empresários em posição de vénia, por feiras, colóquios dos jornais económicos, encontros liofilizados para que não haja o mínimo risco e, quando abrem a boca, é apenas para fazer propaganda eleitoral, a mais enganadora da qual se faz falando do “estado” redentor do país que agora já “pode mudar”. Eles falam do lado do poder, do poder que aparece nas listas dos jornais económicos, os novos “donos disto tudo”, chineses, angolanos, profissionais das “jotas” alcandorados a governantes, advogados de negócios e facilitadores, gestores, empresários de sucesso, a nova elite que deve envergonhar a mais velha gente do dinheiro, que o fez de outra maneira.
O “outro” Portugal, o que é tão visível que até cega, com todas as cores, luzes a laser, aplausos de casting feérico e feliz. Não é este o meu Portugal. Não lhes tenho respeito. Uns fazem por si, outros fazem pelos outros. Conheço-os bem de mais. Não gostam dos de “baixo”. Acham que eles são feios, porcos e maus. Querem receber sem trabalhar. Querem viver à custa dos outros, deles. Se estão pobres é porque a culpa é sua. Se estão desempregados é porque não sabem trabalhar. Se se lamentam da sua sorte, são piegas. Deviam amochar disciplinadamente para serem bons portugueses. Não. “Há-de gelar-te o coração”. Direi pois, como o velho Unamuno, “me duele España”, dói-me Portugal".
Publicada por Fernando Paulouro Neves à(s) 02:31, 2015-09-06, https://www.facebook.com/rui.mendes.568/posts/1002491283126167


Poderá também gostar:

Los temas principales de la poesía de Antonio Machado son los característicos de su tiempo, el Modernismo, y de la Literatura del Siglo XX:
1. El problema existencial.-
a. Sentido de la vida.
b. Melancolía y tristeza.
c. El paso del tiempo y la muerte.
d. La angustia de vivir.
e. El problema amoroso (su ausencia).
f. La ética, el comportamiento vital.
2. El problema social. El problema de España.
a. Castilla de la muerte. Visión negativa del paisaje castellano y las gentes que lo pueblan. Castilla como símbolo de decadencia.
b. La cuestión política. Pasado, presente y futuro de España.
3. El problema religioso.
a. Búsqueda de Dios para dar sentido a la vida: “Siempre buscando a Dios entre la niebla”.
b. Su concepto religioso choca con el tradicional: La Saeta.
4. El problema literario.
a. La función del poeta.
b. El proceso de creación.

Antonio Machado somete desde sus inicios poéticos su estilo a un proceso de depuración en busca de la esencialidad, hecho que explica que partiendo del Modernismo Canónico esteticista llegue a una poesía sencilla, breve y concisa.
Algunos de los recursos técnicos más corrientes en sus poemas pueden ser los que siguen:
• Los símbolos. Empleará dos tipos: los monosémicos (encierran un solo significado) y los disémicos, que serán los más característicos de sus poemas (aquellos que poseen varias significaciones).
• Alusión a un objeto por algunas de sus características: "¡El muro blanco y el ciprés erguido!" (cementerio, muerte).
• Muchos poemas adoptan disposición dialogada, bien con personas, con objetos, con elementos de la naturaleza o consigo mismo.
• Suele comenzar sus poemas situándolos en un tiempo determinado.
• Es corriente que termine con una exclamación o epifonema.
• La superposición de tiempos (pasado y presente) es corriente en su obra, así como la superposición de lugares (Soria y Baeza, por ejemplo).
• Suele usar mucho el estilo nominal (ausencia de verbos), sobre todo, como es lógico, cuando describe el paisaje.

Ler mais: La Poesía de Antonio Machado Tema a Tema. 4º de ESO. IES Carmen Laffón. José Maria González.-Serna. URL: http://www.auladeletras.net/material/machado_textos.pdf

sábado, 5 de setembro de 2015

Leitura de poemas e outros textos com ÁgoraGaia

Propostas de trabalho de texto



Estes pequenos vídeos, com leituras de poemas e alguns textos mais, foram produzidos para apoiarem o projecto «Escrita, uma forma de multiplicar os sentidos».
Muitos dos poemas que propomos não foram escritos para crianças. Mas são poemas sem idade, óptimos para dar a conhecer os seus autores. E se tivermos a habilidade de ensinar as crianças a gostar deles, desde cedo, evitando estragá-los com perguntas de interpretação que não vão além da extracção do acontecimento, talvez, mais tarde, voltem a estes autores à procura do mesmo entusiasmo [LER>>>]. Até porque, propostas de leituras dirigidas, essencialmente, às crianças, não faltam em muitos sítios da web.
Para a teorização destas propostas, consultar » » »
AFONSO CRUZ
  • Os livros que devoraram o meu pai >>>
  • O que cresce no Deserto >>>
  • "A contradição humana>>>
  • Livro do ano >>>
  • Livro do Ano II >>>
  
AGOSTINHO GOMES
  • E tudo ficou só e triste >>>
  • Perdida música >>>

ALBERTO PIMENTA
  • Exercício demonstrativo >>>
  • Todos os dias >>>
ALEXANDRE O'NEILL
  • Mar >>>
  • Gato >>>
  • A História da Moral >>>

ÁLVARO MAGALHÃES
  • Fala a preguiça >>>
  • Limpa Palavras >>>
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
  • No meio do caminho >>>
  • A palavra mágica >>>

CESÁRIO VERDE
  • Sentimento de um ocidental >>>

CECÍLIA MEIRELES
  • Todas as coisas têm nome >>>
  • O mosquito escreve >>>
  • O menino azul >>>
DANIEL FARIA
  • A Porta >>>
  • Explicação das árvores e de outros animais >>>

EUGÉNIO DE ANDRADE
  • Verão >>>
  • A sílaba >>>
  • Aquela nuvem >>>
  • Faz de conta >>>
  • Frutos >>>
  • Encosta a face à melancolia >>>
GONÇALO M. TAVARES
  • Mistério >>>
  • A prova na poesia >>>
  • Os braços >>>

JORGE DE SENA
  • Quem a tem  >>>
  • Epígrafe para a arte de furtar >>>

JORGE SOUSA BRAGA
  • O horizonte desapareceu >>>
  • Montanha >>>
  • A sensitiva >>>
  • Nuvem >>>
  • Cabril >>>
FERNANDO PESSOA
  • Natal >>>
  • Levava eu um jarrinho >>>
  • Deixa passar o vento >>
  • Para além da curva da estrada >>>
    JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA
    • Ele está sentado e olha para a folha vazia >>>
    • O Verão está no fim >>>

    MANUEL ANTÓNIO PINA
    • Uma história de dividir [Manuel António Pina]  >>>
    • Todas as palavras [Manuel António Pina]  >>>
    • O Livro >>>
    • A revolução das letras >>>
    • O país das pessoas de pernas para o ar >>>
    • Abdulum & Abduldois >>>
    • Gigões e Anantes >>>
    • A floresta das adivinhas >>>
    • O Têpluquê >>>

    MANUEL BANDEIRA
    • Poema tirado de uma notícia de jornal >>>
    • A onda >>>

    MARIA ALBERTA MENÉRES
    • As pedras >>>
    • Direcção >>>
    MÁRIO-HENRIQUE LEIRIA
    • Cata-vento >>>
    • Rifão quotidiano >>>

    MIGUEL TORGA
    • Segredo >>>
    • O brinquedo >>>

    NUNO JÚDICE

    • As cores do mar >>>
    • O que é a poesia >>>
    • Sem data >>>

    RUY BELO

    • Cinco palavras cinco pedras >>>
    • O valor do vento >>>
    • Algumas preposições com pássaros >>>

    SIDÓNIO MURALHA

    • Eu tenho um cão [>>>
    • Boa Noite >>>
    • A caminhada >>>

    SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

    • Inscrição >>>
    • Atlântico >>>

    OUTROS
    • POEMAS DE ABRIL>>>
    • António Nobre: Na praia lá da Boa Nova >>>
    • Antero de Quental: As fadas >>>
    • António Torrado: Bolacha Maria >>>
    • Bertolt Brecht: O tanque >>>
    • Carlos de Oliveira: Infância >>>
    • Cristina Malaquias: A ovelha negra >>>
    • E. M. Melo e Castro: Poesia visual >>>
    • Jacques Prévert: Para fazer o retrato de um pássaro >>>
    • João de Deus - A cigarra e a formiga>>>
    • José Eduardo Águalusa: A girafa que comia estrelas >>>
    • José Jorge Letria: O céu de chocolate >>>
    • José Tolentino Mendonça: Silêncio >>>
    • Luís de Camões: o dia em que nasci >>>
    • Mário de Sá-Carneiro: Quasi >>>
    • Matilde Rosa Araújo: Deveres >>>
    • Paulo Leminsky: Razão de ser >>>
    • Pedro Dinis: Vozes dos animais >>>
    • Pedro Oom: O coelhinho que nasceu numa couve >>>
    • Reinaldo Ferreira: Quero um cavalo >>>
    • Sebastião da Gama: Pequeno Poema >>>
    • Boletim Meteorológico >>>