ÁRVORE DE DIANA
6
ela se desnuda
no paraíso
de sua memória
ela desconhece o feroz destino de suas
visões
ela tem medo de não saber
nomear
o que não existe
16
construíste tua casa
emplumaste teus pássaros
golpeaste o vento
com teus próprios ossos
.
terminaste sozinha
o que ninguém começou
.
20
disse que não sabe
do medo da morte do amor
disse que tem medo da morte do amor
disse que o amor
é morte é medo
disse que a morte é medo é amor
disse que não sabe
.
A Laura Bataillon
23
uma mirada a partir da sarjeta
pode ser uma visão do mundo
.
a rebelião consiste em olhar uma rosa
até pulverizar-se os olhos.
.
33
alguma vez
. alguma vez talvez
eu irei sem
ficar-me
. eu irei como quem se vai
A Ester Singer
OS TRABALHOS E AS NOITES
Encontro
Alguém entra no silêncio e me abandona.
Agora a solidão
não está a sós.
Tu falas como a noite.
Te anuncias como a sede.
.
Os trabalhos e a noite
para reconhecer na sede meu
emblema
para significar o único sonho
para não sustentar-me nunca de novo no amor
.
eu fui toda oferenda
um puro errar
de loba no bosque
na noite dos corpos
.
para dizer a palavra inocente
.
Mendiga voz
E ainda me atrevo a amar
o som da luz em uma hora morta,
a cor do tempo em um muro abandonado.
.
Em meu olhar eu perdi tudo.
É tão longe pedir. Tão perto saber que não há.
.
Quarto só
Se te atreves a surpreender
a verdade desta velha parede;
e sua fissuras, arranhaduras,
formando rostos, esfinges,
mãos, clepsidras,
seguramente virá
uma presença para tua sede,
provavelmente partirá
esta ausência
que te bebe.
Alejandra Pizarnik
Tradução de Davis Diniz
A história da poeta argentina
que queria viver só em seus textos
Alejandra Pizarnik, que se matou
aos 36 anos, será editada pela 1ª vez no Brasil
Resumo A
poeta argentina, até hoje inédita no Brasil, terá dois livros publicados em abril. Amiga de
Julio Cortázar e de Octavio Paz, ela se suicidou aos 36 anos e tem obra
marcada por silêncio, solidão e morte. No exterior, material revelado pela
Universidade de Princeton enseja novos lançamentos a seu respeito.
Morta há
45 anos, quando tinha apenas 36, a poeta argentina Alejandra Pizarnik
(1936-1972) passa por uma onda de descobrimento pelas novas gerações.
No
Brasil, saem pela editora Relicário, em abril, "Árvore de Diana"
(1962) e "Os Trabalhos e as Noites" (1965), dois de seus livros mais
conhecidos —fazendo justiça, ainda que tardia, a uma das principais poetas
do século 20, nascida num país vizinho.
No mundo,
uma parte até então desconhecida de sua obra começa a ser revelada em estudos e
edições feitas a partir de material inédito mantido a pedido da autora na
Universidade de Princeton, nos EUA.
"Estes
dois [livros que serão publicados no Brasil] são perfeitos para que um leitor
que não conhece Pizarnik seja introduzido à sua obra. Aí está a essência de
suas preocupações literárias e se pode perceber a excepcionalidade de sua
escrita", disse à Folha Cristina Piña, autora de "Alejandra Pizarnik:
una Biografía" (1991), ainda inédita no Brasil.
A
biógrafa acrescenta que a abertura do arquivo de Princeton revelou "uma
outra escritora, com outros 'eus literários', ao estilo de Fernando Pessoa
(1888-1935), de quem era fã, além de partes íntimas de sua vida e como viu os
meios literários que frequentou em Buenos Aires e Paris". Por causa dessas
novas informações, Piña está reescrevendo a biografia original e prevê
terminá-la ainda neste ano.
Pizarnik
nasceu em Avellaneda, subúrbio de Buenos Aires, filha de imigrantes judeus de origem
russa e
eslovaca, que fugiram para a Argentina no cenário pré-Segunda Guerra Mundial.
Os relatos
feitos
por seus parentes e por amigos de seus pais sobre os mortos em campos de
concentração
marcariam
a infância da escritora.
Devido à mistura de idiomas que ouvia em casa, Pizarnik
cresceu falando
um espanhol com forte sotaque. Tinha frustrações com seu corpo, que aparecem desde seus primeiros escritos: uma acne persistente e o fato de viver sempre um pouco acima do peso. Estava convencida de que sua família preferia a irmã, Myriam, que Pizarnik acreditava ser mais bonita e mais "normal" que ela própria — já que a irmã queria se casar e ter filhos,
o que ela mesma não desejava.
Esse conjunto de elementos fez com que
fosse marginalizada pelos
colegas da escola, e o refúgio na literatura acabou sendo sua salvação —e se tornaria sua perdição.
Pizarnik entrou em algumas faculdades (filosofia, letras e jornalismo), mas largou todas por
desinteresse. "Mas tinha
uma capacidade de organização para estudar e trabalhar
fora do comum. Podia estar desorganizada mentalmente, ou sob
efeito dos remédios
psiquiátricos dos quais
foi cada vez abusando mais,
mas mesmo assim
se organizava para trabalhar de uma maneira surpreendente.
Lia e escrevia com voracidade
desde cedo", conta Piña.
Suas grandes influências ao longo da vida foram Proust, Rimbaud, Baudelaire, Apollinaire, Breton e Artaud —e Pizarnik
estudou francês para poder ler esses autores no idioma
original. Outro favorito
foi Franz Kafka (1883-1924).
CARREIRA
Aos 19 anos, em 1955, ela lança seu primeiro livro de poemas,
"La Tierra Más Ajena" (a terra mais estrangeira), e, no mesmo ano, "Un
Signo en Tu Sombra" (um sinal em sua sombra). Pizarnik
considerava as duas obras meras experimentações adolescentes e as renegaria, depois, como trabalhos secundários.
Somente seu terceiro livro, "La Última Inocencia" (a última inocência), de 1956, viria a lhe dar mais confiança. É também nessa época que começa a fazer psicanálise e descobre que seu verdadeiro tema seria seu próprio mistério interior, a solidão, o silêncio e a morte, com os quais só podia se relacionar
escrevendo.
A partir daí, vem "Las Aventuras Perdidas" (as aventuras perdidas) (1958), "Árvore de Diana"
(1962) e "Os Trabalhos
e as Noites" (1965) —que terão lançamento brasileiro—
e mais seis livros até sua morte, incluindo Poseídos entre lilas
(possuídos entre lilás) (1969), escrito para teatro.
Em seus
diários, publicados em 2013 pela editora espanhola Lumen, Pizarnik escreve: "Nada me prende à vida. Quero anular-me a ponto de existir
apenas no que escrevo". Variações sobre essa ideia de se transformar em literatura, anotando seus sonhos, pensamentos e sentimentos, aparecem ao longo das mais de mil páginas
em que relata seus dias e suas preocupações. "Sonho com o isolamento. Eu sozinha, perto do mar. Sozinha. Absolutamente sozinha. Esta é minha imagem de felicidade."
"Diarios" (2013) e "Nueva Correspondencia (1955-1972)" —publicado pela mesma editora em 2012— são volumes parrudos que mostram duas faces distintas da autora.
Se os diários mostram
a viagem desalentadora
de Pizarnik em busca de si mesma, até cometer suicídio, nas cartas ela surge divertida, com uma verve humorística pouco conhecida do público. Afetuosa com amigos e amantes, ela usa uma linguagem mordaz que não está em sua poesia e fala de sua bissexualidade e das orgias de que participava.
As correspondências também mostram quão variadas
eram as amizades da escritora. Há missivas corriqueiras, em que narra intimidades, joga com palavras, faz ironias com os amigos; mas também cartas estritamente literárias, que trocava com Silvina Ocampo (1903-93),
Manuel Mujica Láinez (1910-84) e Adolfo Bioy Casares (1914-99), entre outros grandes autores argentinos de seu tempo.
Segundo a biógrafa, os novos documentos arquivados nos EUA permitem entender que "o que pensávamos que para ela tinha sido uma festa seu período em Paris, de 1960 e 1964, havia sido na verdade um tempo muito sofrido, sem dinheiro, fazendo trabalhos que não queria fazer".
Piña reconhece, porém, que foram anos fundamentais que fizeram dela a primeira poeta latino-americana publicada na França. Ali refinou seu francês a ponto de escrever e publicar nessa língua.
ATÉ O SUICÍDIO
De volta à Argentina, ela iria novamente para o exterior depois de alguns anos: agraciada com uma bolsa de estudos Guggenheim em 1969, Pizarnik
passa um ano em Nova York. Na cidade, a escritora trava mais amizades literárias, inclusive aquela que lhe traria grande projeção, com o mexicano Octavio Paz (1914-1998), vencedor do Prêmio Nobel e que viria a escrever prólogos para alguns dos trabalhos
da argentina.
Depois disso, porém, não tem mais recursos
para seguir no exterior e volta a Buenos Aires, cheia de nostalgia pelos meios literários que frequentou no exterior e especialmente pela relação de carinho e amizade com o conterrâneo Julio Cortázar (1914-1984), que seguia vivendo em Paris. Ela passava horas do dia trabalhando [em seu apartamento], ou ia a um café da esquina. Não viveu a cidade, não lhe interessava o que ocorria na Argentina.
Estava sempre em seu mundo particular, diz Piña.
A porta de entrada para seu mundo
privado está, sem dúvidas, nos "Diarios", cuja leitura revela a viagem por meio da qual Pizarnik alimentou e arquitetou, física e mentalmente, seu próprio suicídio.
Os
diários haviam sido editados por uma amiga da escritora, Ana Becciú, que
preparou, agora, nova edição com mais entradas de pastas e cadernos que
encontrou com outra amiga de Pizarnik, Olga Orozco que havia sido escolhida
pela escritora, em vida, para organizar seu legado. Esse novo material permitiu
completar os diários inicialmente publicados especialmente com os primeiros meses
da escritora na França.
Em entrevista à Folha,
Becciú disse
acreditar que os diários
foram escritos com a intenção de uma publicação póstuma: "Alejandra dizia que queria uma edição similar à que Leonard
Woolf fez com os diários de Virginia. E em vida demonstrava grande admiração por diários de escritores, considerava- os um gênero literário à parte".
De facto, os diários
têm partes reescritas e corrigidas, é uma obra retrabalhada a exemplo do
que fez um de seus ídolos, Kafka.
O material
narra sua vontade obstinada de se converter em sua própria
literatura: "Às vezes gostaria de me registrar por escrito, em corpo e em alma,
explicar como é minha
respiração, a minha
tosse, o meu cansaço, mas de uma maneira alarmantemente exata, que faça com que seja possível me ouvir respirar, tossir, chorar, se eu pudesse chorar."
Mas, antes de mais nada,
o conteúdo sombrio
dos diários revela o namoro constante da poeta com a ideia de suicídio.
Pizarnik tenta se matar duas vezes —viria
a morrer na terceira— usando altas doses
de remédios psiquiátricos, para exasperação dos amigos, que
lhe escrevem, a visitam e alertam.
Cortázar chega a mandar uma carta de Paris, enfurecido, ao saber da segunda tentativa, feita em 1971: "Só te aceito viva, só assim te quero, Alejandra. Escreva-me, porra, e perdoa-me o tom."
O desespero dos amigos, porém, não consegue fazê-la mudar de ideia. Alguns meses antes de morrer,
um ano depois da segunda tentativa de se matar, ela escreve um poema dedicado à cantora Janis Joplin
(1943-70), que começa assim:
"A cantar dulce
y a morirse luego" (a cantar docemente e
morrer em seguida).
Na manhã de 25 de setembro de 1972,
na grande lousa que
mantinha em seu apartamento —ela gostava de ver os versos escritos ali, para depois passá-los para o papel—, Pizarnik
escreveu: "Não quero ir/ nada mais/
que até o fundo."
Nesse mesmo dia, ingeriu 50
pastilhas de Seconal
Sódico —barbitúrico cuja
dose letal ela passou dias estudando— e morreu.
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também gostar de ler:
- ALEJANDRA PIZARNIK. Poesía Completa (1955-1972), http://sergiomansilla.com/revista/descargar/pizarnik__alejandra_-_poesia_completa.pdf
- “Alejandra Pizarnik” [Presentación; Biografía; Cronología; Obra; Poética; Acerca de Pizarnik; Bibliografía.] https://cvc.cervantes.es/literatura/escritores/pizarnik/default.htm
- “Alejandra Pizarnik: textos de locura y suicídio”, Carlos D. Perez,
setembro de 2009 https://www.topia.com.ar/articulos/alejandra-pizarnik-textos-de-locura-y-suicidio
- “ALEJANDRA
PIZARNIK, una muñeca de huesos de pájaro. PALABRAS PRELIMINARES, https://www.poeticas.com.ar/poemarios/alejandra-pizarnik-poemas/
- “Alejandra Pizarnik”, http://amediavoz.com/pizarnik.htm
- “La poeta que
fue al fondo de todo”, https://www.pagina12.com.ar/diario/espectaculos/6-1000-2002-01-20.html
- “Noites, pássaros e gaiolas - Alejandra Pizarnik”, tradução de Virna Teixeira
e Carlos Machado in http://www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet233.htm
- “Maldita Alejandra
Pizarnik”, https://sites.google.com/site/escritoresmalditos/alejandrapizarnik