«Há quase 600 anos que aqui estamos e, desde o início,
a evidência foi que, aqui, Portugal é diferente.
Nuns casos, por nós, noutros, por outros, aqui,
Portugal é diferente.
Não esquecemos de onde viemos, nem ignoramos onde
estamos.
Mas, sobretudo, sabemos quem somos.
A História e a Geografia deram-nos forma, mas é o
“intenso orgulho na palavra Açor”, nas palavras de Sophia de Mello Breyner, que
dá o sopro de vida a esta identidade que empunhamos.
E esse orgulho não é vão, nem é vazio.
É, desde logo, o orgulho que pode ter, é o orgulho que
tem quem aqui resiste.
A tempestades e a terramotos;
A vulcões e a piratas;
De quem já resistiu à fome, às pragas, à solidão e, em
alguns casos, ao esquecimento;
Resiste e persiste, reconstruindo, reerguendo,
refazendo.
Esse é o orgulho de quem tem uma aguda consciência de
si próprio.
E essa aguda consciência de nós próprios – talvez por
estarmos sós na vastidão do Atlântico ou, talvez, simplesmente, por em tantas
voltas da vida, termos estado simplesmente sós -, é, no fundo, quase como que a
chama eterna, o fogo sagrado que anima o Povo Açoriano.
E neste “intenso orgulho na palavra Açor” está também
o orgulho do que demos e do que damos pelo nosso País.
Demos Presidentes da República, cientistas e
militares;
Demos embaixadores, ministros e escritores;
Demos pensadores, políticos e poetas;
Demos Homens e Mulheres desconhecidos que, nas
Américas e não só, pelo seu suor e pelas suas lágrimas, afirmaram e afirmam
Portugal aí;
Demos guarida ao último reduto da nacionalidade e
fomos ponto de impulso para as batalhas pela modernidade;
Demos homens e demos jovens que, por Portugal,
deixaram a sua vida num qualquer campo de batalha, e que, mesmo quando aí não
deixaram a vida, em muitos casos, deixaram partes de si próprios, do corpo ou
do espírito.
E tudo isto fizemos sem nunca impormos condições nem
moedas de troca.
Tudo isto fizemos “com um intenso orgulho na palavra
Açor”.
E, se tudo isso demos no passado, hoje continuamos a
dar.
Os Açores são terra de mar.
Damos dimensão estratégica e damos importância pela
terra que temos e pelo mar que trazemos.
Nesta nova fronteira, que já suscita a cobiça de
muitos, Portugal é o que é, porque os Açores são o que são.
Damos empenho e damos território na construção de
pontes e parcerias para a paz, para a ciência e para o conhecimento.
Damos testemunho de uma Autonomia que foi, é e quer
mais ser por causa dos desafios que já venceu, mas, sobretudo, por causa dos
desafios que quer vencer.
Damos presença em áreas de vanguarda da exploração e
do conhecimento espacial, reforçando a importância e a mais valia de Portugal.
E é por tudo isto, e por tanto mais, que não podem
restar dúvidas que, aqui, Portugal é diferente.
E não queremos que deixe de ser Portugal, mas também
não queremos que deixe de ser diferente.
Porque esta nossa diferença não nos diminui em nada.
Porque, no fundo, é esta nossa diferença, do que somos
como Povo e como Região, que faz Portugal mais forte!
E é por tudo isto que hoje digo, que hoje podemos
dizer,
Vivam os Açores!
Viva Portugal!»
Intervenção do Presidente do Governo Regional
dos Açores, Vasco Cordeiro, proferida em 2018-06-09, em Ponta Delgada, na
receção ao Corpo Diplomático, no âmbito das Comemorações do Dia de Portugal, de
Camões e das Comunidades Portuguesas.
“Aqui Portugal é diferente” in Folha de Poesia, José
Carreiro. Portugal, 12-06-2018. Disponível em:https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/06/aqui-portugal-e-diferente.html
1.
Caracterize as relações entre
Camões e o Paço referidas no poema (vv. 1-3 e 14-16).
2.
Apresente uma leitura possível
para a expressão «ousou seu ser inteiramente» (v. 9).
3.
Explicite o sentido das metáforas
presentes nos versos 12 e 13.
4.
Comente, na sua dimensão
simbólica, este retrato de Camões.
Cenários de respostas
1. A característica principal dessas
relações é a dependência, pois Camões precisa da tença que lhe é paga pelo Paço
para sobreviver, embora ela seja escassa e paga com dificuldade. Associados a
essa dependência estão a humilhação e o desconforto, dado que a tença não é um
reconhecimento do seu talento de poeta, mas uma esmola pela qual o fazem
esperar.
2. A expressão «ousou seu ser
inteiramente» (v. 9) pode, por exemplo, remeter para uma das seguintes
leituras:
– a figura do poeta que cantou a pátria
nos feitos gloriosos das suas viagens marítimas, mas também arriscou viajar
pelo mesmo mundo que essas viagens descobriram;
– a corajosa aventura que constituiu a
vida do poeta, por oposição aos que ficaram «curvados e dobrados» (v. 11),
alimentando «Calúnias desamor inveja ardente» (v. 7);
– a independência total com que o poeta
escreveu, sem patronos nem protetores que lhe assegurassem a subsistência e lhe
condicionassem o discurso.
3. Os versos «Pela paciência cuja mão de
cinza / Tinha apagado os olhos no seu rosto» (vv. 12-13) contêm uma sequência
de duas metáforas: a primeira é «mão de cinza», significando a indiferença ou o
entristecimento a que essa paciência acaba por conduzir, e a segunda é «Tinha
apagado os olhos no seu rosto», significando, nomeadamente, a perda da lucidez
e da consciência crítica.
4. Este poema oferece um retrato dos
últimos anos de vida de Camões. Um elemento especialmente importante da sua
dimensão simbólica é formulado por um verso que não só se encontra repetido
como é aquele que termina o poema: «Este país te mata lentamente» (vv. 3 e 16).
Por ele se exprime a ideia de que a devoção, o empenho e o génio do poeta foram
sistematicamente incompreendidos e desprezados por «Calúnias desamor inveja»
(v. 7) dos seus contemporâneos. A condição do homem que é capaz do «canto» (v.
15) mais elevado – mas a quem só pedem «paciência» (v. 15) – é, então, marcada
pela impotência e pela desilusão.
Prova Escrita de Literatura
Portuguesa - 10.º e 11.º Anos de Escolaridade. Prova 734/2.ª Fase (Exame Nacional do Ensino Secundário, Decreto-Lei
n.º 74/2004, de 26 de março).
GAVE, 2011
POEMA PARA LUÍS DE
CAMÕES
A terra basta onde o caminho pára,
Na figura do corpo está a escala do mundo.
Olho cansado as mãos, o meu trabalho,
E sei, se tanto um homem sabe,
As veredas mais fundas da palavra
E do espaço maior que, por trás dela,
São as terras da alma.
E também sei da luz e da memória,
Das correntes do sangue o desafio
Por cima da fronteira e da diferença.
Meu amigo, meu espanto, meu
convívio,
Quem pudera dizer-te estas
grandezas,
Que eu não falo do mar, e o céu é
nada
Se nos olhos me cabe.
A terra basta onde o caminho pára,
Na figura do corpo está a escala do
mundo.
Olho cansado as mãos, o meu
trabalho,
E sei, se tanto um homem sabe,
As veredas mais fundas da palavra
E do espaço maior que, por trás
dela,
São as terras da alma.
E também sei da luz e da memória,
Das correntes do sangue o desafio
Por cima da fronteira e da
diferença.
E a ardência das pedras, a dura
combustão
Dos corpos percutidos como sílex,
E as grutas do pavor, onde as
sombras
De peixes irreais entram as portas
Da última razão, que se esconde
Sob a névoa confusa do discurso.
E depois o silêncio, e a gravidade
Das estátuas jazentes, repousando,
Não mortas, não geladas, devolvidas
À vida inesperada, descoberta.
E depois, verticais, as labaredas
Ateadas nas frontes como espadas,
E os corpos levantados, as mãos
presas,
E o instante dos olhos que se
fundem
Na lágrima comum. Assim o caos
Devagar se ordenou entre as
estrelas.
Eram estas as grandezas que dizia
Ou diria o meu espanto, se dizê-las
Já não fosse este canto.
José Saramago, Poemas Possíveis, 1966 e Provavelmente Alegria, 1970
QUE FAREI COM ESTE LIVRO?
Palácio do conde de Vidigueira. D.
Vasco da Gama1, a condessa D. Maria de Ataíde, Luís de Camões,
frei Manuel da Encarnação, aias, moços de câmara.
CONDE DE VIDIGUEIRA
(A quem um criado veio dar um recado em voz baixa)
Trá-lo cá. (Para a condessa.) Vem aí Luís Vaz de Camões saber a resposta à sua carta. (Para os outros.) Não vos retireis, que o negócio é de pouca monta2 e nenhum
segredo...
LUÍS DE CAMÕES
(À entrada)
Senhor conde... (Faz vénia,
depois repete-a na direção da condessa.) Senhora condessa...
CONDE DE VIDIGUEIRA
Entrai, senhor Luís Vaz.
LUÍS DE CAMÕES
Recebi o vosso recado, senhor conde. Vossa Mercê
mandou-me chamar, aqui estou... Posso esperar que tenhais lido a minha carta e
as oitavas que juntei?
CONDE DE VIDIGUEIRA
Li a carta e os mais papéis que vieram com ela.
Dizei por claro o que pretendeis.
LUÍS DE CAMÕES
Senhor conde, a carta pedia a vossa proteção para
as oitavas que por cópia estão em vossas mãos e para as irmãs delas que em
minha casa ficaram. Disse-vos que é uma obra composta sobre os feitos dos
portugueses e a navegação para a Índia, em que esteve vosso avô como
capitão-mor.
CONDE DE VIDIGUEIRA
Decerto não quereis contar-me a história da minha
família. (Risos das aias.)
LUÍS DE CAMÕES
Não poderia ser essa a minha intenção. Vossa Mercê
mandou que por claro me explicasse.
CONDE DE VIDIGUEIRA
Mas não para vos ouvir repetir a carta nem os
versos. Abreviemos.
LUÍS DE CAMÕES
Espero a resposta de Vossa Mercê.
CONDE DE VIDIGUEIRA
Por escrito a receberíeis, mas em atenção à memória
de meu avô e de meu pai, a quem sucedi nesta casa da Vidigueira, mandei-vos
chamar. Pedis proteção na vossa carta. Que proteção é a que esperais?
LUÍS DE CAMÕES
A que for justa para a minha obra e digna da
memória do vosso antepassado.
1 D. Vasco da Gama – terceiro conde de Vidigueira, neto do navegador Vasco da Gama.
2 monta – importância.
Questionário
1. Identifica as personagens referidas na indicação cénica «(Para os outros.)» (linhas 5 e 6).
2. Indica a que se refere Luís de Camões com as expressões «oitavas» (linha
18) e «obra composta sobre os feitos dos portugueses e a navegação para a
Índia» (linhas 19 e 20).
Justifica a tua resposta.
3. Relê as linhas 17 a 20.
Indica a razão pela qual Luís de Camões
dirige ao conde de Vidigueira o pedido de proteção.
4. Na sua quarta fala, o conde de Vidigueira afirma: «Decerto não quereis
contar-me a história da minha família.» (linha 22).
Explica estas palavras do conde,
evidenciando a sua intenção ao proferi-las.
5. Lê o comentário seguinte.
Pela leitura
das falas do conde de Vidigueira, percebe-se que ele não vai conceder a
proteção pedida por Luís de Camões.
Apresenta dois argumentos a favor deste
comentário, considerando as falas do conde ao longo do texto.
Cenários
de respostas
1. Identifica frei Manuel da Encarnação,
aias e moços de câmara.
2. Indica que Luís de Camões se refere a Os
Lusíadas e justifica, afirmando que é uma obra escrita em estrofes de oito
versos, que tem como matéria os feitos dos portugueses e a viagem para a Índia.
3.Indica que
Luís de Camões dirige ao conde de Vidigueira o seu pedido, uma vez que há uma
relação de parentesco entre o conde e Vasco da Gama, personagem da obra para a
qual Camões pede proteção.
4.Explica que o conde quer
mostrar a Luís de Camões que este não pode ter a pretensão de lhe contar a
história da sua própria família e refere que a intenção do conde é menosprezar
Luís de Camões.
5.Argumenta
que as falas do conde de Vidigueira indiciam que ele não vai conceder a
proteção pedida, por um lado, por não considerar o assunto importante – «o
negócio é de pouca monta» (linha 6) – e, por outro, por manifestar impaciência
em falas como «Decerto não quereis contar-me a história da minha família.»
(linha 22) ou «Abreviemos.» (linha 26).
Prova Escrita de Língua
Portuguesa - 3.º Ciclo do Ensino Básico. Prova 22/1.ª Chamada (Exame
Nacional do Ensino Secundário, Decreto-Lei
n.º 6/2001, de 18 de janeiro). GAVE, 2011
Lisboa, Mouraria, casa de Luís de Camões, princípio
de maio de 1570.
Diogo do Couto (Falando de fora) – Luís Vaz mora nesta
casa?
Ana de Sá (Abrindo a porta) – Nesta
mesma. Vós, quem sois?
Diogo do Couto – Diogo do
Couto, amigo e companheiro de vosso filho, para vos servir.
Ana de Sá – Vós sois
Diogo do Couto? Entrai. E não repareis na pobreza da casa, que é de mulher
velha e viúva. E, se não fica mal dizer, só desde há duas semanas mãe outra vez.
Diogo do Couto – Senhora,
de casas pobres falais com homem de muita experiência que não viveu em palácios, ou quando
neles habitou não foi em salas e aposentos principais. Tal como
vosso filho.
Ana de Sá –
Sentai-vos, sentai-vos. Deixai que olhe bem o rosto do amigo do meu Luís.
Diogo do Couto – Outros tem.
Ana de Sá – Mas
nenhum melhor do que vós. (Outro tom) Porém não devo ser injusta para quantos,
com tão grande generosidade, restituíram o filho aos braços de sua mãe ao cabo de dezassete anos. Dezassete
anos que esperei aqui por ele, sem notícias, ou tão poucas, pensando
se estaria morto, se por lá me teria ficado, nessas terras estranhas donde nenhum bem nos veio nunca, e já
não virá.
Diogo do Couto – Não
gostais da Índia?
Ana de Sá – Que é a
Índia?
Diogo do Couto – Senhora,
que pergunta a vossa. Não cuidava eu, quando desembarquei, que alguém me
pusesse em Lisboa questão de tanta dificuldade. Que resposta vos hei de dar?
Ana de Sá – Vós o sabereis.
Diogo do Couto – Sei o
que é a Índia agora. Vem de lá a especiaria, a seda, todas essas riquezas que
chegam ao reino.
Ana de Sá – Da Índia
sabeis certamente muito mais do que isso.
Diogo do Couto – Tendes
razão. A Índia será, ou cuido que já o é, uma doença de Portugal. Queira Deus
que não mortal doença.
Ana de Sá – Senhor
Diogo do Couto, eu não sei ler. Luís Vaz trouxe aí muitos papéis...
Diogo do Couto – Papéis ilustres, que os
conheço.
Ana de Sá – Aí se
senta os dias a corrigir, a ler em voz alta. Muito do que diz não sei entender, é tudo um falar de deuses e
deusas, nomes de terras e mares desconhecidos, prodígios, coisas
nunca vistas, quem, neste bairro da Mouraria, seria capaz de imaginar o mundo assim?
Diogo do Couto – O mundo tem ainda muito mais que ver
e admirar.
Ana de Sá – Há dias
pedi-lhe que me lesse uma passagem mais clara, que pudesse chegar melhor ao meu
entendimento, e ele pôs-se a olhar para mim com um ar muito grave1, e depois de procurar leu-me a fala do velho2
que esteve na partida das naus para a Índia. Estais lembrado?
Diogo do Couto – Como do
meu próprio nome. Ó glória de mandar, ó vã cobiça dessa vaidade a que chamamos fama...3
Ana de Sá – Esses
versos escreveu-os Luís Vaz na Índia, não foi?
Diogo do Couto – Decerto.
Ana de Sá – Então,
quando vós dizeis que a Índia será uma doença de Portugal, estais declarando
doutro modo aquilo que meu filho disse nas oitavas que me leu. É assim que eu entendo.
Diogo do couto – Discreta sois.
Ana de Sá – Zombais
de uma pobre velha ignorante. Tive tempo para pensar no meu filho, nessas
terras e nessas viagens. Dezassete anos a pensar são muitos pensamentos. Outra
vez vos digo obrigada, senhor Diogo do Couto, por mo terdes trazido.
José
Saramago, Que
Farei com Este Livro?, Lisboa, Caminho, 1999, pp. 47-51. (Texto
com supressões)
NOTAS
1 grave – sério. 2 velho – referência ao Velho do Restelo, figura que, em Os Lusíadas, se
dirige aos navegadores no momento da partida da armada de Vasco da Gama para a
Índia. 3 Ó glória de mandar, ó vã cobiça dessa
vaidade a que chamamos fama... –
referência ao início da fala do Velho do Restelo em Os Lusíadas.
QUESTIONÁRIO:
1. Assinala todas
as alíneas que, de acordo com o texto, correspondem
a informações sobre a personagem Luís de Camões.
A – Vivia com a mãe no início de maio de 1570.
B – Fez segredo da sua amizade com Diogo do
Couto.
C – Viveu em espaços humildes durante a sua vida.
D – Regressou à pátria graças às diligências da
mãe.
E – Partilhou
os seus escritos com Diogo do Couto.
2. «só desde
há duas semanas mãe outra vez»
Explicita
o sentido destas palavras de Ana de Sá, tendo em conta as suas afirmações ao
longo da conversa com Diogo do Couto.
3. Diogo do
Couto e Ana de Sá usam diferentes expressões para se referirem à epopeia Os Lusíadas, nomeadamente:
«Papéis ilustres» e «oitavas».
Completa
os espaços em branco para explicitares duas informações sobre Os Lusíadas a partir destas
expressões.
A referência às «oitavas» permite-nos saber que as estrofes
de Os Lusíadas têm (A) ……………………….
Já na expressão «Papéis ilustres», o adjetivo
destaca (B) ………………………. da obra.
4. Ao longo
do texto, surgem ideias contrastantes sobre a Índia.
Explica em que consiste esse contraste.
5. Relê as
linhas desde “Ana de Sá – Então, quando vós dizeis (…) até “Diogo do couto – Discreta sois.”
Assinala a opção que,
de acordo com o texto, completa a frase seguinte.
O comentário
que Ana de Sá faz aos versos de Os Lusíadas permite a
Diogo do Couto concluir que ela é
A – reservada.
B – cautelosa.
C – ingénua.
D – perspicaz.
6. Imagina
que eras o encenador desta peça e que estavas com os atores a ensaiar esta
cena.
Que
conselho darias à atriz que iria desempenhar o papel de Ana de Sá para a
auxiliar a representar a mudança de tom prevista na indicação cénica «Outro tom»?
Justifica a tua opção, tendo em conta o
contexto em que surge a indicação cénica.
CENÁRIO DE RESPOSTAS:
1.A; C; E.
2.Explicita, de forma completa, o sentido das
palavras de Ana de Sá, referindo os três elementos previstos:
– o facto de o filho de Ana
de Sá ter regressado (para junto de si, o que a leva a sentir-se mãe de novo);
– o facto de esta ter tido
poucas ou nenhumas notícias do filho / não saber se o filho estava vivo ou
morto; / o facto de o filho ter estado muito longe;
– o longo período de ausência
do filho.
(Exemplo de resposta completa: Ana
de Sá sente-se mãe outra vez, porque esteve muitos anos sem ter notícias do
filho e agora ele voltou para junto de si.)
3.
(A) oito versos; (B) o valor / a
excecionalidade.
4.Explica, de forma completa, em que consiste o
contraste na caracterização da Índia, explicitando as duas perceções:
– uma perceção positiva da
Índia, enquanto fonte de riquezas;
– uma perceção negativa da
Índia, enquanto local de onde não vem nenhum bem / enquanto símbolo de vaidade
e de cobiça.
(Dois
exemplos de respostas completas:
a No texto, a Índia é fonte de riquezas
que chegam ao reino; no entanto, é também referida como um local de onde não
vem nenhum bem.
a Diogo do Couto refere a Índia como um
local de onde vêm muitas riquezas. No entanto, também refere que esta é uma
doença de Portugal, que poderá até ser mortal.)
5.D
6. Explicita o
conselho a dar à atriz e justifica-o, de forma completa, tendo em conta o
contexto em que surge a indicação cénica. Na resposta, deve referir-se:
– em que
consiste a alteração de tom prevista na indicação cénica;
– uma justificação coerente
com a alteração proposta, que tenha em conta o contexto em que surge a
indicação cénica.
(Dois
exemplos de respostas completas:
a Se estivesse a encenar esta peça, diria
à atriz para usar um tom mais humilde, uma vez que a personagem estava
envergonhada por não valorizar o esforço dos outros amigos de Camões, que
também o ajudaram a regressar.
a Terás de usar um tom forte, pois a personagem
está a reconhecer que seria injusta ao não ter em conta que os outros amigos do
filho foram determinantes para o seu regresso.)
Fonte: Prova Final de Português
- 3.º Ciclo do Ensino Básico. Prova 91 (9.º Ano
de Escolaridade. Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de
julho). IAVE – Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2011
Tipografia de António Gonçalves, outubro de 1571. Luís de
Camões, António Gonçalves, Servente.
LUÍS DE CAMÕES: (Entrando.) Guarde-vos Deus, mestre
António Gonçalves.
ANTÓNIO GONÇALVES: Boa seja a vinda de Vossa Mercê.
LUÍS DE CAMÕES: Já saberei se foi a vinda boa ou má, consoante
as notícias que aí tiverdes para me dar. Tirastes as contas do meu livro?
Podeis-me dizer agora quanto custará a imprimissão1, e as mais
despesas?
ANTÓNIO GONÇALVES: Nenhum outro livreiro de Lisboa vos faria
melhor preço, senhor Luís de Camões.
LUÍS DE CAMÕES: Estais-vos louvando antes do tempo, mestre
Gonçalves. Mau é já isso.
ANTÓNIO GONÇALVES: Tranquilizai-vos. Tenho aqui apontadas
todas as verbas, o papel, a tinta, o meu ganho e de quem me ajuda, enfim,
compor, imprimir, dobrar e coser trezentos volumes, Vossa mercê haverá de pagar
quarenta mil réis.
LUÍS DE CAMÕES: Quarenta mil réis?
ANTÓNIO GONÇALVES: E creia Vossa Mercê que não é exagerado.
LUÍS DE CAMÕES: E vós sabeis se tenho quarenta mil réis?
ANTÓNIO GONÇALVES: Vossa Mercê perdoará. Nem Vossa Mercê mo
disse quando veio aqui perguntar quanto lhe custaria o livro, nem eu fui tão
atrevido que o quisesse averiguar de vós ou de outrem.
LUÍS DE CAMÕES: Perdoai-me antes vós, mestre António
Gonçalves. Todas as coisas neste mundo têm o seu preço. Fico sabendo quanto
vale o vosso trabalho, porém assim não chegarei a saber quanto vale o meu.
ANTÓNIO GONÇALVES: Sabereis, quando tiverdes vendido os
livros. De mais, tendes o privilégio de venda por dez anos, é o que está
escrito no alvará2 de el-rei.
LUÍS DE CAMÕES: Para vender, é preciso ter o quê. E eu, por
enquanto, o que tenho é saber que haverei de pagar quarenta mil réis, se quiser
que tantos anos gastos a compor o meu livro deem seus frutos em obra impressa.
ANTÓNIO GONÇALVES: É este o costume. Não podemos mudar o
mundo. Eu não posso. Vossa Mercê traz-me o livro para imprimir, paga-me a minha
despesa e o meu ganho, e eu imprimo. É como ir comprar sardinhas à Ribeira.
Dinheiro nesta mão, pescado na outra. Figure-se Vossa Mercê que isto não é
negócio de livros, mas que eu sou pescador, fui ao mar e trouxe peixe.
LUÍS DE CAMÕES: Gentil é a comparação. Dizei-me, mestre:
quando fostes ao mar, não vistes por lá um náufrago? Esse era eu.
[…]
LUÍS DE CAMÕES: Dai-me cá esses desgraçados papéis, que a
vontade me está vindo de os lançar ao mar, por onde já andaram. Melhor seria se
lá tivessem ficado, mais quem os escreveu.
ANTÓNIO GONÇALVES: Pecado seria.
LUÍS DE CAMÕES: Descansai. Mais fácil seria lançar-me eu às
águas. Se tal vos vierem dizer que aconteceu, ide ao lugar e encontrareis o meu
livro na praia, debaixo duma pedra, à vossa espera. Quero crer que então vos
não recusaríeis a imprimi-lo.
ANTÓNIO GONÇALVES: Bom desenfado3 é o vosso.
LUÍS DE CAMÕES: Será. Mestre António Gonçalves, cá vos deixo.
Quem sabe se nos voltaremos a ver?
ANTÓNIO GONÇALVES: Quem sabe? (Sai Luís de Camões.)
SERVENTE: Mestre, que queria o senhor Luís de Camões dizer com
aquelas palavras tão graves?
ANTÓNIO GONÇALVES: Talvez nem ele o saiba. Está calado, e trabalha.
José Saramago, Que Farei com Este
Livro?, Lisboa, Caminho,1980 (texto com supressões)
__________
1 imprimissão – ato ou efeito de imprimir.
2 alvará – antigo documento assinado pelo rei sobre
negócios de interesse público ou particular.
3 Desenfado – 1. alívio do enfado; distração; divertimento.
2. serenidade do espírito.
Para responderes a cada item, seleciona a
opção mais adequada ao conteúdo do texto.
1. A segunda intervenção do mestre António Gonçalves revela um
sentimento de
a)
altruísmo.
b)
presunção.
c)
apatia.
d) condescendência.
2. Luís de Camões, na sua intervenção entre as linhas 19 e 21,
pretende introduzir a ideia de que o valor do seu trabalho, quando comparado
com o do mestre António Gonçalves, está numa situação de
a)
igualdade.
b)
superioridade.
c)
indefinição.
d) inferioridade.
3. A palavra «náufrago» (linha 34), no contexto em que
ocorre, é uma
a)
metáfora.
b)
hipérbole.
c)
ironia.
d) comparação.
4. Luís de Camões, na sua penúltima intervenção textual, em
situação de hipotético suicídio, lançando-se às águas,
a)
insinua que jamais deixaria o seu livro ao mestre António Gonçalves, para que
este o imprimisse.
b)
sugere que a sua vida é menos importante do que a sua obra.
c)
explica que a obra e o seu autor são um todo indissociável.
d) faz uma crítica ao país, que, no seu
entender, nunca o reconheceria em vida.
A teatralização de personalidades
exemplares da história literária (...) oscila entre a narrativa biográfica,
mais ou menos fiel, mais ou menos fantasiada, e uma finalidade didáctica que
extrai da luta do artista com o meio social que foi o seu, a matéria-prima para
o ensinamento que se propõe. Na intersecção destas duas linhas se situa,
precisamente, a peça de Saramago, que no entanto evita com superior
inteligência os escolhos inerentes a uma e outra: nem o rigor histórico se
dilui numa ilusória fidelidade arqueológica ou no recurso fácil de
anacronismos, nem a invenção poética abdica dos seus direitos sem deles todavia
nunca abusar, nem a lição que a obra se desprende («a moral da fábula»,
diríamos antes) é posta em regras que, à maneira dum catecismo, o aluno/espectador
deverá decorar...
Luiz Francisco Rebello
Que Farei
com Este Livro?, publicado em 1980, poderá consistir numa homenagem a Camões, já
que é toda a problemática da publicação de Os Lusíadas que
aqui se dramatiza: o desinteresse do rei e da corte, a miserável situação
material do poeta e da sua mãe, as relações com a Inquisição, o negócio do
impressor. No entanto, a força extraordinária que esta peça adquire, no seu
respeito pela situação histórica (política, social e linguística), é a de
justamente pode ultrapassá-la para constituir um libelo contra a situação
desprotegida do escritor, que é de todos os tempos mas porventura mais nossa,
mais atentos que deveríamos ter-nos tronado às relações de produção no meio
cultural, nomeadamente no literário - e essa intenção torna-se mais sensível
através da proeminência que na acção se dá a personagens como as de Diogo Couto
e Damião de Góis, que alargam a simbologia do escritor-poeta à liberdade de pensamento
e de contestação. No entanto, não se pode já falar aqui de corpos colectivos,
como na peça anterior, embora o meio intelectual e o cortesão estejam bem
marcados; trata-se, de preferência, de uma relação entre o indivíduo e o tempo
em que vive, inóspito, opressor, indigno - e da relação deceptiva daqui
decorrente. Aliás, a peste e o nevoeiro (figurando, respectivamente, a
ambiência criada pela Inquisição e a mentalidade confusa do jovem rei D.
Sebastião) são motivos alusivos recorrentes deste argumento negativo, onde só
as ideias dos intelectuais podem ganhar raiz, amparadas pelo amor, por laivos
de espírito de tolerância e pelo sacrifício maior da fidelidade à criação
mediante a perda de tudo o mais. A visão que se dá do poeta sustenta-se em toda
a força evocativa do seu tempo mas não é uma visão histórica, antes uma visão
fabular, porque o destino de Camões inspira ao leitor pena, o de Damião de Góis
admiração - e talvez que só a presença marginal, mas insistente, de Diogo do
Couto reconduza o tempo aos seus próprios limites, porque decide abandonar a
pátria regressando à Índia («Na Índia, não somos mais alegres, é verdade, mas a
terra é outra, não terei mais obrigações para com ela, apenas viver», 122) e
porque enuncia o programa trans-histórico verdadeiramente construtivo («Os
melhores sonhos são os que se fazem com os olhos abertos, não os da cegueira»,
52)."
Maria Alzira Seixo, O Essencial
sobre José Saramago, Lisboa, Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 1987, págs.
34-35.
LIGAÇÕES EXTERNAS
Sobre o poema "Camões e a Tença", de Sophia Andresen:
“Camões e a Tença
ou Que farei(s) com este livro?” in Folha
de Poesia, José Carreiro. Portugal, 10-06-2018 (última atualização: 22-09-2022). Disponível em:https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/06/camoes-e-tenca-ou-que-fareis-com-este.html