Monumento ao Emigrante Açoriano, Ponta Delgada |
Fátima Sequeira Dias, Ponta Delgada, Publiçor, janeiro 2011 (1ª edição)
São conhecidos por calafões ou calafonas (emigrantes da Califórnia ou de qualquer outra parte da América). Durante as férias exibem os sinais de riqueza, avivando deste modo o desejo de emigrar entre os que nunca o fizeram, criando um efeito de mimetismo. Aliás, a caminho de Santa Maria, quando o avião se aprestava para aterrar e aos passageiros era pedido que apertassem os cintos de segurança, observei como um calafona retirava, apressadamente, de uma caixa, que o marido nervosamente segurava nas mãos, vários cordões de ouro, que, apressadamente, enrolou ao pescoço, e grossos anéis, que, com precipitação, distribuiu pelos dedos. Só depois, enfim, instigada pela hospedeira de bordo, se preocupou em apertar o cinto de segurança. Calafões ou calafonas induzem um fenómeno importante na dinâmica de prestígio e das relações sociais da ilha. Em Vila do Porto é ostensiva a forma como se passeiam, denotando todo o seu porte conspícuo — as passadas largas e lentas, a barriga avultada, os bonés americanos, as pernas bronzeadas que o uso de curtos calções deixa a descoberto —, signos de quem «venceu na vida».
José Machado Pais, “Aventuras, desventuras e amores na ilha de Santa Maria dos Açores”, in Análise Social, vol. XXVIII (l23-l24),1993 3 (4.0-5.0), 1011-10
A procura de melhores condições de vida, a guerra colonial e provavelmente o espírito de aventura, levaram muitos dos porto formosenses a rumar principalmente aos Estados Unidos e Canadá, deixando para trás uma aldeia cada vez mais despovoada.
No início, o contraste entre o emigrante que voltava a Porto Formoso em férias e os que lá tinham ficado era muito expressivo, mas a progressiva melhoria de condições de vida na ilha, e os processos de globalização e homogeneização de hábitos têm vindo a atenuar as diferenças ao ponto de haver agora habitantes que afirmam existir um contraste no sentido inverso. Vejam-se alguns testemunhos deixados no blogue “A casa da Mosca”50
Quando perguntamos aos emigrantes que nos visitam o que é que eles acham do Porto Formoso, normalmente as opiniões são unânimes: "Esta terra esta muito melhor", "Vocês já tem tudo ca", "Já estão como na América...", "Já não precisamos de mandar roupa e chinchelarias nas barricas" (Cavalete51 | 8/3/06 16:06)
Antigamente quando um "calafão" vinha das Américas notávamos nele uma evolução que ainda faltara em nós cá. Hoje o caso inverte-se, somos nós que apresentamos uma nítida evolução quer na informação, no vestuário, no tipo de conversa etc. A internet e consequente globalização reflete-se mais em nós de cá do que os de lá que um dia nasceram cá. gnussen52 | 9/3/06 06:54
Amaya Sumpsi Langreo, Apanhados na rede. Considerações acerca das noções de progresso e modernidade na comunidade piscatória de Porto Formoso. Lisboa, FCSH da Universidade Nova de Lisboa, 2012
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50 Nalguns casos, foi possível aceder a informação sobre os usuários do blogue, por estes usarem o seu nome como nickname, ou por assumirem publicamente a sua identidade por trás da alcunha. Em qualquer caso, e dado a natureza do blogue, nestes casos opta-se por indicar apenas a informação básica e relevante para esta tese, omitindo a identidade. O mesmo não acontece nos testemunhos recolhidos e filmados diretamente por mim, pois nestes casos as pessoas não tiveram nenhum problema em assumir a identidade no filme e no trabalho (sendo este um requisito indispensável para serem filmados).
51 Homem de 36 anos natural de Porto Formoso. Viveu lá até se casar, e atualmente reside em Ponta Delgada, onde trabalha como professor universitário.
52 Jovem de 31 anos, natural de Porto Formoso e amigo de infância do Bruno Raposo (Regedor), é aficionado à leitura e escreve poesia desde jovem.
Into his own crevass
Until the sound of rotten planks reached us
And up came the awful shower
—Tibias , ribs, an empty skull—
Tainted by the smell ofmoths.
"Time to remove old Calafona,”
Our friend, the digger said, heaxvy with thoughts.
Seven years dead; came back with sacks
Of gold, bought a cow and fed the village.
A vow to Our Lady. Laughed, winked at the girls,
Grew fat and died one day.
That's the way it is, when you're old." (52—53)
Se sou calafona
pois assim o quero
ou shoa que ir à ilha
é bom p'ra um gud time
mas ver Tê-Vê
não há melhor como cá
I mean, you não!
as coisas lá são okay
mas só para visitar
dou-me bem com os
calafonas portuguêses
dos meus velhos lugares
agora sou migrante
nesta nova nação
daqui é que já ninguém me tira
e as dólas
é a minha nova moeda
é o meu melhor pão.
“Calafões e Calafonas” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 25-06-2019. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2019/06/calafonas.html