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domingo, 12 de março de 2023

Ó retrato da Morte, ó Noite amiga, Bocage

 



Ó retrato da Morte, ó Noite amiga,
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha de meu pranto,
De meus desgostos secretária antiga!

Pois manda Amor que a ti somente os diga,
Dá-lhes pio1 agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel que a delirar me obriga.

E vós, ó cortesãos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!

Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade,
Quero fartar meu coração de horrores.

 

Bocage, Sonetos, Lisboa, Bertrand, s. d.

_________

1 pio: piedoso, compassivo.

 

 

Elabore um comentário do poema que integre o tratamento dos seguintes tópicos:

- modos de representação da Noite;

- relação entre a natureza representada e o estado emocional do sujeito poético;

- recursos estilísticos relevantes;

- traços característicos do Pré-Romantismo.

 

Explicitação de cenários de resposta:

Modos de representação da Noite

A Noite aparece como imagem («retrato») da Morte a que o «eu» aspira, como confidente («amiga», «testemunha», «secretária») e protetora («Dá-lhes pio agasalho no teu manto»), como rainha das trevas e dos seus habitantes (os «cortesãos da escuridade» ). Através da personificação, combinada com um conjunto de metáforas, a noite configura uma dupla alegoria: nas quadras, é a noite eterna e arquetípica, entidade maternal que envolve no seu piedoso «manto» os seres que sofrem; nos tercetos, é antes a noite terrível e infernal («horrores»), associada ao reino dos inimigos da claridade. Entre estas duas representações da Noite, ligadas pela omnipresença da Morte, estabelece-se uma relação de complementaridade.

 

Relação entre a natureza representada e o estado emocional do sujeito poético

A natureza é figurada como lugar de abrigo e de apaziguamento e também como locus horrendus, espelho do sofrimento amoroso do sujeito poético: uma paisagem noturna, tenebrosa, povoada de entidades hostis à luz do dia, com as quais o «eu» se identifica («Inimigos, como eu, da claridade»). Acompanha a expansão alegórica do simbolismo da Noite, atrás referida, um crescendo na expressão da dor. Essa expressão começa, em tom de lamento, pela metáfora inicial (vv. 1-2); transforma-se em súplica, quase numa prece (v. 6); irrompe em apelos aos «cortesãos da escuridade» (vv. 9-11 ); por fim, lança-se em invocações («Em bandos acudi aos meus clamores») dos «horrores» noturnos (vv. 12-14).

 

Recursos estilísticos relevantes

São relevantes, entre outros, os seguintes recursos estilísticos:

- metáfora: «retrato da Morte», «cortesãos da escuridade»;

- personificação: «Morte»; «Noite»; «Amor»;

- apóstrofe: «Ó retrato da Morte, ó Noite amiga»; «E vós, ó cortesãos da escuridade»;

- anáfora: «Quero» (v. 13) /«Quero» (v. 14);

- …

 

Traços característicos do Pré-Romantismo

- representação da natureza como locus horrendus;

- obsessão da morte;

- confessionalismo;

- veemência dos sentimentos;

- exacerbação passional;

- misticismo;

- …

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 637. Curso Complementar Licear Nocturno. Prova Escrita de Português (Índole Literária). Portugal, 2000, 1.ª Fase, 2.ª Chamada

 

 

ó Noite amiga, picsart.com 2023-03-08


 

Comentário do poema “Ó retrato da Morte, ó Noite amiga”, de Bocage

 

I- Introdução

 

O soneto «Ó retrato da Morte! Ó Noite amiga» é da autoria de Bocage, poeta pré-romântico do final do séc. XVIII.

II- Desenvolvimento:

tema e assunto

 

Nesta composição é abordado o tema do sofrimento por amor e, quanto ao assunto, comporta uma sucessão de apóstrofes a elementos noctívagos e medonhos, no sentido de só junto a estes o sujeito lírico conseguir algum alento para o seu desespero.

estrutura externa

Trata-se de um poema composto por duas quadras e dois tercetos, que se denomina soneto. Os versos são isométricos, sendo todos decassilábicos. O esquema rimático é o seguinte: abba/abba/cdc/dcd, havendo rima interpolada, emparelhada e cruzada, respectivamente, a, b, c e d. Todos os versos possuem rima grave e consoante. Apenas o grupo de versos 9, 11 e 13 contém rima completa; nos grupos de versos 2 e 3, 6 e 7, 10 e 12 a rima é rica, sendo pobre nos outros casos. Todas as rimas são perfeitas.

estrutura interna

e enunciado descritivo

 

As duas quadras pertencem à tentativa de contacto que o Eu estabelece com a noite, contendo a caracterização desta (amiga, escura, testemunha, confidente, protetora), assim como o pedido explícito que lhe é dirigido (compreensão, apoio, companhia); os tercetos correspondem igualmente a uma tentativa de contacto, sendo os recetores os «cortesãos da escuridade», seguindo-se a mesma estrutura: caracterização destes (assustadores, sombrios) e apelo que lhes é enviado (compreensão, companhia). Assim sendo, as estrofes pares, por serem apelativas, distinguem-se das ímpares, onde o poeta estabelece a identificação entre si e o ambiente noturno.

análise e interpretação:

importância do 1.º v. na mensagem do poema

 

O primeiro verso assume grande importância dentro da mensagem do poema, pois revela a presença de uma entidade abstrata («Noite») que adquire uma força concreta e humana, tendo papel de destaque dentro das relações do sujeito («amiga») – note-se a personificação – e fazendo a maiúscula inicial adivinhar o seu protagonismo. Conduz a uma identificação da noite com a morte – note-se a metáfora – o que deixa antever uma situação de sofrimento/desespero por parte do sujeito poético, pela invocação de duas entidades ligadas à escuridão, à solidão, à fuga; sugere o estado de pessimismo, dramatismo em que o Eu se encontra.

papel da noite

 

O facto de este ansiar pelo momento da noite deve-se à sua vontade de estar só, isolado e afastado daquela que perturba o seu estado de espírito («[] a cruel que a delirar me obriga», v. 8), à necessidade de encontrar a tranquilidade e a acalmia próprias da noite, propícias à introspeção, à intenção de pretender refletir e analisar os seus sentimentos («meu pranto», v. 3; «[] meus desgostos []», v. 4) e de desejar conviver com elementos noturnos («Fantasmas vagos, mochos piadores», v. 10) que, pelo seu aspeto assustador e sombrio, não convivem com elementos diurnos, o que os torna recetores para quem não deseja ver os seus sentimentos divulgados (v. 3).

função apelativa

 

Regista-se a função apelativa da linguagem nas estrofes pares na medida em que o sujeito lírico apela a alguém/algo, neste caso à «Noite amiga», por incumbência de «Amor», aqui também personificado, para que o ampare, deixando-o desabafar na sua presença («Dá-lhes pio agasalho[]», v. 6, «Ouve-os», «ouve», v. 7), bem como aos elementos da noite, pedindo-lhes que o deixem fazer parte do seu grupo para com eles exteriorizar a sua mágoa («Em bandos acudi aos meus clamores», v. 12). Usa, assim, num tom pesaroso, nesta situação, um discurso apelativo, cujas formas verbais estão no imperativo; o discurso é de 2ª pessoa, uma vez que é direcionado para o destinatário das palavras proferidas.

causa do sofrimento

 

Para além da repetição retórica do verbo ouvir no v. 7, o tom lamentoso é acentuado com o uso do vocábulo «pio» que vitimiza o sujeito perante «a cruel». A angústia do sujeito poético ocorre em simultâneo com a tranquilidade, despreocupação da amada («delirar» vs. «dorme»), aqui apresentada com o convencional traço da típica mulher fatal. Note-se a ambiguidade existente no verbo dormir que é sinónimo de sossego para um e desassossego para outro, surgindo reforçado pela expressão «me obriga» – não é voluntário, não é pacífico, não é indolor. Note-se, ainda, que a forma verbal «dorme» pode referir-se também à própria morte ou ausência da amada.

masoquismo

 

 

 


 

ultrarromantismo

 

Pode considerar-se masoquista o conteúdo dos dois últimos versos, nos quais o sujeito manifesta o desejo de se encontrar no meio de fantasmas e mochos, apesar de ter consciência do carácter horrível e mórbido que lhes é inerente: «Quero a vossa medonha sociedade» (v. 13). Na base deste masoquismo, está o desejo de se flagelar, talvez numa tentativa de exteriorizar a sua revolta, a sua angústia ou até de acabar com o sofrimento («Quero fartar meu coração de horrores», v. 14). O sujeito deseja castigar o seu coração, provavelmente por se ter deixado envolver numa relação que o desiludiu e arruinou psicologicamente ou que abruptamente foi quebrada (pela morte/ausência). Hernâni Cidade, a este propósito, afirma que «o último verso deste soneto ultrapassa as medidas românticas, chega aos excessos do ultrarromantismo, de cuja poesia podia ser adotado como legenda».

pré-romantismo

 

Bocage é um autor de transição, assumindo a sua obra e este texto também características neoclássicas e românticas: por um lado, a forma poética (o soneto); a presença da mitologia («Amor»); as alegorias maiusculadas que correspondem à personificação dos conceitos de «Morte» e «Noite»; o hipérbato e quiasmo («Calada testemunha de meu pranto/ De meus desgostos secretária antiga»); as repetições retóricas («Ouve-os, como costumas, ouve []»); a adjetivação e substantivação convencional («calada testemunha», «secretária antiga», «pio agasalho», «cruel»). Por outro lado, a predileção pelos elementos noctívagos, soturnos, fantasmagóricos e inspiradores de medo e horror («locus horrendus») está em clara evidência ao longo de quase todos os versos do soneto (por exemplo, vv. 9-14); o sofrimento advindo de desgosto amoroso é também uma temática frequente da produção desta corrente estética. Este conduz a estados de solidão, isolamento, os quais são propícios a reflexão, a introspeção, canalizando a atenção para si, para ao seu estado de espírito e sentimentos; note-se, por exemplo, a presença no poema de cinco formas verbais e seis pronomes/determinantes na 1.ª pessoa do singular («suspiro», v. 2; «diga», v. 5; «obriga», v. 8; «Quero», vv.13-14; «meu», v.3; «meus», v. 4; «me», v. 8; «eu», v. 11; «meus», v. 12; «meu», v. 14).

III - Conclusão

 

 

O sujeito poético encontra-se em estado de espírito de profunda angústia e desilusão, daí a obsessão pela morte, solução derradeira para os seus problemas.

(Adaptação de: Sugestões de análise com propostas de resolução de textos líricos, Dulce Teixeira e Lurdes Trilho, Porto Ed., 1999)

 


sábado, 11 de março de 2023

Olha, Marília, as flautas dos pastores, Bocage


Olha, Marília, as flautas dos pastores
Que bem que soam, como estão cadentes1!
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes
Os Zéfiros2 brincar por entre as flores?

Vê como ali, beijando-se, os Amores3
Incitam nossos ósculos4 ardentes;
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores;

Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folhas a abelhinha para,
Ora nos ares, sussurrando, gira.

Que alegre campo! Que manhã tão clara!
Mas ah! Tudo o que vês, se eu te não vira
Mais tristeza que a noite me causara.

 

Bocage, Obra Completa – Volume I, edição de Daniel Pires, 2.ª ed., Porto, Caixotim, 2008, p. 37

 

__________

1 cadentes (verso 2) – harmoniosas.

2 Zéfiros (verso 4) – divindades gregas que correspondem aos ventos do ocidente; ventos suaves e agradáveis.

3 Amores (verso 5) – divindades subordinadas a Vénus e a Cupido.

4 ósculos (verso 6) – beijos.

 

I - Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Identifique quatro dos traços caracterizadores da paisagem descrita no poema.

2. Refira dois dos sentidos através dos quais Marília perceciona o espaço físico envolvente, justificando a resposta com citações do texto.

3. Explicite dois dos valores expressivos produzidos pelo uso da personificação no terceiro verso.

4. Analise o efeito que a presença de Marília causa no estado de espírito do sujeito poético.

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Identifica, adequadamente, quatro dos traços caracterizadores da paisagem descrita no poema.

A paisagem, perfeita e idealizada, descrita no poema caracteriza-se, nomeadamente, como:

− bucólica («as flautas dos pastores» – v. 1);

− harmoniosa («Que bem que soam, como estão cadentes!» – v. 2);

− ribeirinha («o Tejo» – v. 3);

− florida («flores» – v. 4);

− colorida («borboletas de mil cores» – v. 8);

− animada pelo movimento dos seres da natureza («Ei-las de planta em planta as inocentes, / As vagas borboletas de mil cores» – vv. 7-8; «a abelhinha para, […] gira» – vv. 10-11) e pelos comportamentos quer das entidades mitológicas («Os Zéfiros brincar por entre as flores» – v. 4; «beijando-se, os Amores» – v. 5), quer do «rouxinol» que «suspira» (v. 9);

− campestre («campo» – v. 12);

− luminosa («Que manhã tão clara!» – v. 12);

− «alegre», refletindo a felicidade do «eu» («Que alegre campo!» – v. 12).

2. Refere dois dos sentidos através dos quais Marília perceciona o espaço físico envolvente, justificando, adequadamente, a resposta com citações do texto.

Os sentidos através dos quais a figura feminina perceciona o espaço físico envolvente são os seguintes:

− a visão, que se revela o modo de perceção predominante, permitindo a Marília captar a diversidade do «alegre campo» (v. 12): «Olha» (vv. 1 e 3); «Vê» (v. 5); «Tudo o que vês» (v. 13);

− a audição, tornando percetível a beleza e a variedade dos sons campestres: «as flautas dos pastores /Que bem que soam» (vv. 1-2); «o rouxinol suspira» (v. 9); «a abelhinha […] / sussurrando» (vv. 10-11);

− o tato, implícito na referência à brisa suave que sopra: «não sentes / Os Zéfiros brincar» (vv. 3-4).

3. Explicita, adequadamente, dois dos valores expressivos produzidos pelo uso da personificação no terceiro verso.

Os valores expressivos da personificação presente no verso 3 («o Tejo a sorrir-se») são, entre outros, os

seguintes:

− atribuir a um elemento da natureza uma emoção própria do ser humano;

− conferir ao rio Tejo o sentimento do «eu» enamorado, alegre pela presença da sua amada;

− representar a natureza como reflexo do estado de alma do sujeito poético, de acordo com os princípios do locus amoenus.

4. Analisa, adequadamente, o efeito que a presença de Marília causa no estado de espírito do sujeito poético.

O efeito que Marília causa no sujeito poético é muito intenso, dado que a presença dela determina o sentimento eufórico do «eu» e, consequentemente, o modo como ele visualiza a natureza. Na verdade, a beleza e a harmonia da paisagem descrita são valorizadas apenas quando o sujeito poético contempla a amada e se sente, por isso, feliz («Que alegre campo!» – v. 12). Ele, de resto, considera que na ausência dela tudo se desvaneceria, dando lugar à dor («Mas ah! Tudo o que vês, se eu te não vira / Mais tristeza que a noite me causara.» – vv. 13-14). A presença da figura feminina tem, pois, o poder de transformar o estado emocional do «eu».

 

Fonte: Exame Final Nacional do Ensino Secundário n.º 734 - 11.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). Prova Escrita de Literatura Portuguesa, Lisboa, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2015, 2.ª Fase

 


 

II - Comentário de texto

Elabore um comentário do poema «Olha, Marília, as flautas dos pastores», de Bocage, que integre o tratamento dos seguintes tópicos:

- partes lógicas constitutivas do texto;

- processos usados na descrição da paisagem;

- relação entre a representação da natureza e o estado emocional do sujeito;

- marcas da estética arcádica.

 

Explicitação de cenários de resposta:

Partes lógicas constitutivas do texto

O poema divide-se em duas partes, correspondendo a primeira aos vv. 1 -12 e a segunda aos vv. 13-14, separadas pela conjunção adversativa «Mas», que introduz uma mudança no discurso.

Na primeira parte, o sujeito poético convida Marília a deleitar-se com os encantos da paisagem, que lhe descreve. Na segunda parte, ao imaginar a natureza na ausência hipotética de Marília, o sujeito é levado a desvalorizar a beleza do cenário: sem a presença da mulher amada, a visão da natureza causar-lhe-ia «mais tristeza que a morte».

 

Processos usados na descrição da paisagem

A descrição da paisagem é, toda ela, uma oferenda a Marília, chamada, por meio de imperativos («Olha», «Vê») e do vocativo inicial, a comprazer-se na sua contemplação.

Nos vv. 1-11, a descrição realiza-se pelo processo de enumeração dos elementos que compõem o cenário («flautas», «Tejo», «Zéfiros», «Amores», «borboletas», «rouxinol», «abelhinha»), caracterizados por verbos («soam», «sorrir-se», «brincar»... ) e por adjetivos («cadentes», «inocentes», «vagas»). Essa enumeração analítica dá lugar, no v. 12, à síntese («campo», «manhã») que contém, resumindo-os, os elementos antes especificados. A dupla conclusiva que encerra a descrição põe em evidência os atributos gerais da natureza: alegria e claridade.

Os elementos paisagísticos surgem quase todos dotados de vida. Para isso contribuem as prosopopeias («o Tejo a sorrir-se», «beijando-se, os Amores», «o rouxinol suspira»... ) e as sugestões luminosas («Que manhã tão clara!»), cromáticas («flores», «borboletas de mil cores»... ), sonoras («as flautas dos pastores», o sussurrar da «abelhinha»...) e de movimento (as borboletas «de planta em planta», a «abelhinha» que ora pára, ora gira…).

 

Relação entre a representação da natureza e o estado emocional do sujeito

A paisagem é descrita como locus amoenus, um ambiente bucólico, pastoril, em que tudo se combina de modo a criar um cenário propício ao deleite e à contemplação. Dos processos descritivos acima mencionados, resulta a evocação de uma natureza alegre e cheia de vida, que apela à fruição através dos sentidos: visão («Olha o Tejo a sorrir-se»... ), audição («as flautas», «o rouxinol», o sussurrar da «abelhinha»), tato («não sentes/ os Zéfiros brincar por entre as fl0res?»).

Os elementos naturais, plenos de força anímica e simbolicamente carregados de sensualidade, manifestam-se em toda a sua exuberância primaveril; a natureza enamorada torna-se alegoria do idílio amoroso. A euforia ambiente harmoniza-se com o estado emocional do sujeito, feliz graças à presença de Marília.

Na segunda parte do poema, sobre a felicidade do sujeito apaixonado perpassa, trazida pela imaginação, uma nuvem de adversidade que o leva a conceber a paisagem na ausência da mulher amada. Todavia, sendo essa ausência puramente retórica, a sombra da morte não é suficiente para obscurecer a luz clara da manhã nem a alegria do sujeito poético.

 

Marcas da estética arcádica

  •  temáticas

- locus amoenus

- idealização da mulher

- …

  •  formais

- soneto

- personificação alegórica da natureza

- léxico greco-latino

- …

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 637. Curso Complementar Licear Nocturno. Prova Escrita de Português (Índole Literária). Portugal, 1998, 1.ª Fase, 2.ª Chamada

 

 

sexta-feira, 10 de março de 2023

Camões, grande Camões, quão semelhante acho teu fado ao meu (Bocage)


 


Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo1!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar2 c'o sacrílego Gigante3;

Como tu, junto ao Ganges4 sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo,
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante;

Ludíbrio5, como tu, da Sorte dura,
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Modelo meu tu és, mas... oh tristeza!
Se te imito nos transes6 da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.

 

Bocage, Obra Completa. Sonetos, Porto, Edições Caixotim, 2004

 

____________

1 cotejo (v. 2): comparo.

2 Arrostar (v. 4): enfrentar, afrontar, suportar.

3 sacrílego Gigante (v. 4): gigante Adamastor.

4 Ganges (v. 5): rio da Índia.

5 Ludíbrio (v. 9): joguete, objeto de engano, ou de desprezo.

6 transes (v. 13): momentos difíceis e geradores de angústia.

 


Questionário sobre o poema “Camões, grande Camões, quão semelhante”, de Bocage.


1. Divida o poema nas partes lógicas que o compõem, justificando a sua resposta.

2. Analise o modo como, nas três primeiras estrofes, se estabelece a comparação entre o sujeito poético e Camões.

3. Indique os motivos que impedem a identificação total entre o «eu» e o modelo invocado.

4. Mencione dois dos recursos estilísticos presentes no texto e os efeitos de sentido por eles produzidos.

5. Identifique, no poema, dois traços característicos da estética arcádica.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. O texto é constituído por duas partes lógicas. Na primeira, o sujeito poético faz a enumeração das semelhanças entre a sua vida e a de Luís de Camões, com a qual se identifica: «Camões, grande Camões […] Modelo meu tu és…» (vv. 1-12). Na segunda, conclui que só no infortúnio se assemelha ao seu modelo, pois em talento não pode comparar-se com ele: «Mas, oh tristeza!... […] nos dons da Natureza» (vv. 12-14). É a conjunção adversativa «Mas» que define uma oposição entre a relação de identidade expressa na primeira parte e a impossibilidade de imitação de Camões no plano poético, referida na segunda parte.

2. A comparação desenvolve-se em dois momentos. No primeiro (vv. 1-2), o sujeito poético declara julgar o seu destino («fado») idêntico ao de Camões. No segundo (vv. 3-11), enumera uma série de analogias biográficas que visam demonstrar a verdade dessa semelhança: um e outro, pelo mesmo motivo, tiveram de abandonar a pátria («perdendo o Tejo») e, enfrentando os perigos da viagem («o sacrílego gigante»), partir para a Índia, onde se viram na maior pobreza («penúria cruel»); ambos o sofrimento e os desgostos amorosos levaram a desejar a morte.

3. Ao processo de identificação desenvolvido nas quadras e no primeiro terceto, opõe-se, no segundo terceto, a verificação da diferença que separa o sujeito poético do modelo invocado: «Se te imito nos transes da Ventura / Não te imito nos dons da Natureza». Ao proclamar Camões como seu ideal - «Modelo meu tu és» -, o «eu» lamenta («oh tristeza!...») só ter em comum com ele a infelicidade («transe da Ventura»), pois em talento poético («dons da Natureza») não se lhe pode comparar.

4. Recursos estilísticos

- comparação: «quão semelhante», «igual causa», «Como tu»

- adjetivação: «grande Camões», «sacrílego gigante», «Ganges sussurrante»

- metáfora: «perdendo o Tejo», «arrostar co’o sacrílego gigante», «dons da Natureza»

- personificação: «Ganges sussurrante», «penúria cruel», «Sorte dura»

- antítese: «imito (v. 13) / «Não te imito» (v. 14)

- …

O examinando deverá referir-se aos dois efeitos de sentido produzidos pelos dois recursos estilísticos selecionados. Por exemplo:

- a antítese sublinha a oposição entre aquilo que liga o sujeito poético a Camões – o infortúnio («transes da Ventura») – e o que os separa – a diferença de talento poético («dons da Natureza»);

- a metáfora «perdendo o Tejo» expressa a tristeza, a saudade e a sensação de perda causadas pelo exílio.

5. Traços característicos da estética arcádica

- soneto, forma neoclássica

- hipérbato («Da penúria cruel no horror me vejo»)

- personificações e alegorias abstratas («Sorte», «Céu», «Ventura», «Natureza»)

- imitação de Camões

- …

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 537. Cursos Complementares Noturnos - Liceal e Técnicos. Prova Escrita de Português (Índole Científica). Portugal, 1998, 2.ª fase



 



Outro questionário sobre o poema “Camões, grande Camões, quão semelhante”, de Bocage.


Apresente, de forma bem estruturada, as respostas aos itens.

1. Proceda a uma divisão fundamentada do poema nas partes lógicas que o constituem.

2. Indique três traços comuns a Camões e ao sujeito poético, com base nas duas quadras e no

primeiro terceto.

3. Refira dois dos efeitos de sentido produzidos pela anáfora presente na segunda estrofe.

4. Analise a importância do último terceto na construção do sentido global do poema.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. O poema pode dividir-se nas seguintes partes constitutivas:

– primeira parte (vv. 1-2) – exposição de uma afirmação geral: semelhança existente entre o «fado» do «eu» e o de Camões, quando comparados;

– segunda parte (vv. 3-4, segunda quadra e primeiro terceto) – desenvolvimento: fundamentação da ideia anterior, através do paralelismo existente entre a figura de Camões e o «eu»;

– terceira parte (segundo terceto) – conclusão: infelicidade do «eu», dada a impossibilidade de uma identificação total entre si e o modelo invocado, perante a superioridade do talento poético de Camões.

Nota – É considerada válida qualquer outra divisão do texto em partes lógicas, desde que devidamente fundamentada.

2. O sujeito poético considera o seu «fado» «semelhante» ao de Camões, dadas as coincidências de episódios e de circunstâncias vividos por ambos. Assim, são comuns aos dois sujeitos os seguintes aspetos:

– o abandono da pátria pelo mesmo motivo («Igual causa nos fez, perdendo o Tejo» – v. 3), levando-os a enfrentar o temível mundo desconhecido, simbolizado pelo mito camoniano do gigante Adamastor («Arrostar c’o sacrílego Gigante» – v. 4);

– o período relativo à vida na Índia, no Oriente («junto ao Ganges sussurrante» – v. 5), marcado pelo «horror» de uma pobreza extrema («Da penúria cruel» – v. 6);

– as paixões infelizes, resultantes de amores impossíveis, irrealizáveis e recordados à distância («gostos vãos, que em vão desejo» – v. 7);

– a condição de «saudoso amante» (v. 8), chorando («carpindo» – v. 8) a ausência do objeto amado;

– o sofrimento, como consequência dos enganos e das desditas provocados pelo destino cruel («Ludíbrio, como tu, da Sorte dura» – v. 9), conduzindo o «eu» ao desejo da morte e da «paz na sepultura» (v. 11).

3. A anáfora «Como tu» (v. 5 e v. 7) tem, entre outros, os seguintes efeitos de sentido:

– enfatizar o processo de comparação («cotejo») realizado pelo sujeito poético, como se enuncia nos versos 1 e 2;

– acentuar, pelo paralelismo formal, a proximidade biográfica existente entre o sujeito e a figura do «grande Camões»;

– intensificar a visão que o «eu» tem de Camões, como alguém a quem gostaria de imitar, ou seja, como seu modelo;

– …

4. O último terceto, chave do soneto, assume particular relevo na construção global do sentido do texto, na medida em que permite uma reinterpretação das estrofes anteriores e, em particular, da afirmação inicial do sujeito poético acerca da semelhança existente entre si e o «grande Camões» (vv. 1-2). Com efeito, no último terceto, restringe-se o paralelismo traçado pelo sujeito poético entre si e Camões («quão semelhante» – v. 1), já que:

– se sublinha a «tristeza» do «eu» perante a certeza de que a similitude com o seu «Modelo» se limita ao plano biográfico («Se te imito nos transes da Ventura» – v. 13);

– se demonstra que o sujeito poético está consciente da sua distância, em génio poético, relativamente a Camões («Não te imito nos dons da Natureza» – v. 14).

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734 - 11.º e 12.º Anos de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Literatura Portuguesa, Lisboa, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2008, 2.ª Fase

 


quinta-feira, 9 de março de 2023

Já sobre o coche de ébano estrelado (poema "Insónia", de Bocage)

 

Insónia

 

Já sobre o coche de ébano1 estrelado
Deu meio giro a noite escura e feia;
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro2 abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso3 rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, às trevas costumado.

Só eu velo4, só eu, pedindo à sorte
Que o fio, com que está minha alma presa
À vil6 matéria lânguida7, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a morte
No silêncio total da natureza.

 

Poesias de Bocage, edição de Margarida Barahona, Lisboa, Seara Nova, 1978

___________

1 ébano (verso 1) – madeira exótica de cor escura.

2 Zéfiro (verso 5) – vento oeste, na mitologia grega; vento brando.

3 mavioso (verso 7) – harmonioso; que, no canto, é agradável ao ouvido.

4 velo (verso 9) – permaneço acordado.

5 vil (verso 11) – desprezível.

6 matéria lânguida (verso 11) – corpo débil, decadente.

 

 


I - Das hipóteses apresentadas (A, B, C e D), assinala a correta.


1 - 

O texto transcrito é um soneto. Em que século é que esta forma poética foi introduzida em Portugal?

A) XVIII.

B) XVI.

C) XVII.

D) XIV.


2 - 

Quem pela 1.ª vez cultivou esta forma poética em Portugal?

A) Bernardim Ribeiro.

B) Bocage.

C) Sá de Miranda.

D) Camões.


3 - 

Do ponto de vista do seu enquadramento estético-literário, como considera Bocage?

A) Um poeta pré-romântico.

B) Um poeta romântico.

C) Um poeta clássico.

D) Um poeta neoclássico.


4 - 

Para além da sua faceta lírica, Bocage revelou também grandes dotes como:

A) poeta dramático.

B) poeta épico.

C) poeta bucólico.

D) poeta satírico.


5 - 

Qual o tema geral do soneto transcrito?

A) A saudade da mulher amada.

B) O desejo da morte.

C) A não correspondência amorosa.

D) A angústia existencial.


6 - 

O tema indicado na questão anterior predomina em que estética literária?

A) Realismo.

B) Modernismo.

C) Renascimento.

D) Romantismo.


7 - 

Qual é o recurso de estilo que enforma os dois primeiros versos?

A) Hipérbole.

B) Perífrase.

C) Enumeração.

D) Comparação.


8 - 

Que ideia procura o poeta expressar através desse recurso?

A) Terminou a tempestade.

B) A noite é pesada.

C) Está a entardecer.

D) Começou o amanhecer.


9 - 

A 1.ª quadra termina com uma frase exclamativa. Que sentimento exprime o eu?

A) Receio.

B) Satisfação.

C) Desgosto.

D) Indiferença.


10 - 

Zéfiro é uma entidade mitológica que representa o quê?

A) Os ventos calmos.

B) A chuva.

C) O sol.

D) Os ventos furiosos.


11 - 

Que função sintática exerce o sintagma Zéfiro abafado?

A) Complemento direto.

B) Vocativo.

C) Predicativo do sujeito.

D) Sujeito.


12 - 

Entre os recursos de estilo indicados, qual está presente no 2.º verso da 2.ª quadra?

A) Hipérbole.

B) Perífrase.

C) Enumeração.

D) Personificação.


13 - 

Que substantivo abstrato poderá traduzir a sensação geral que predomina na 2.ª quadra?

A) Escuridão.

B) Frio.

C) Silêncio.

D) Névoa.


14 - 

"Que o fio ...". Qual a categoria morfológica da palavra destacada?

A) Pronome relativo.

B) Conjunção subordinativa causal.

C) Conjunção subordinativa consecutiva.

D) Conjunção subordinativa integrante.


15 - 

"Só eu velo,..". O que significa a forma verbal destacada?

A) Durmo.

B) Penso.

C) Sonho.

D) Estou acordado.


16 - 

O que é a vil matéria lânguida (v. 11)?

A) A terra.

B) O céu.

C) O corpo.

D) O sentimento.


17 - 

A palavra silêncio é acentuada porque:

A) É uma palavra aguda terminada em o.

B) É uma palavra esdrúxula.

C) Senão, poderia confundir-se com silencio.

D) Porque é uma palavra grave terminada em o.


18 - 

No último terceto, o sujeito poético revela-se romântico. Porquê?

A) Lamenta o presente.

B) Chora o bem passado.

C) Despreza a razão.

D) Compraz-se no locus horrendus.


19 - 

Qual destas características se pode considerar neoclássica?

A) A presença de entidades mitológicas.

B) O locus horrendus.

C) A referência às aves noturnas.

D) O desejo da morte.


20 - 

Os versos que constituem este soneto são:

A) Eneassílabos.

B) Alexandrinos.

C) Octossílabos.

D) Decassílabos.

 

Chave de correção: 1-B, 2-C, 3-A, 4-D, 5-B, 6-D, 7-B, 8-D, 9-B, 10-A, 11-D, 12-D, 13-C, 14-D, 15-D, 16-C, 17-B, 18-D, 19-A, 20-D.

Fonte: http://www.profareal.pt/testes/doc.asp?tema_id=756 (consultado em 11-02-1999)


 


II - Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem sobre o poema “Insónia”, de Bocage.


1. Indique a importância do espaço descrito no poema.

2. Descreva o modo como o sujeito poético a si mesmo se representa.

3. Comente o sentido da expressão paradoxal «Consola-me este horror» (verso 12).

4. Analise a relação existente, ao longo do soneto, entre a insónia e a temática da morte.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. Através das referências a um bosque «deserto» (v. 4), a um rio, a uma noite escura sob um céu estrelado, o poema sublinha o silêncio do ambiente e o adormecimento dos elementos da natureza, construindo um cenário de sossego total em que o sujeito poético pressente a morte.

2. O sujeito poético apresenta-se como um indivíduo isolado, que, naquele quadro de trevas e de quietude, mantém a consciência desperta. Além disso, há nele uma atitude de identificação com o «silêncio total da natureza» (v. 14) e uma vontade de libertação da «vil matéria lânguida» (v. 11).

3. A noite «escura e feia» (v. 2) que rodeia o sujeito poético aparece-lhe como promessa de uma morte libertadora. Assim, esse «horror» (v. 12) pode oferecer-lhe o consolo de prenunciar a concretização de um desejo.

4. A insónia vivida, causada pela inquietação e pelo sofrimento, contrasta com o silêncio e a quietude exteriores, tal como o «coche de ébano estrelado» (v. 1) contrasta com a ausência de luz na terra. Assim, a insónia aparece associada ao desejo de morte, pressentida pelo sujeito poético no «silêncio total da natureza» (v. 14).

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734 (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Literatura Portuguesa (10.º e 11.º Anos de Escolaridade), Lisboa, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2012, 2.ª Fase

 

 


III - Outro questionário sobre o poema “Insónia”, de Bocage


1. Divida o poema em partes lógicas e indique o assunto de cada uma.

2. Analise o modo de relacionamento do sujeito poético com a natureza.

3. Estão, entre outras, realizadas no texto as seguintes figuras de estilo: perífrase e personificação.

3.1. Transcreva as expressões que as identificam e explique o seu sentido.

4. Sendo esta uma composição tipicamente pré-romântica, identifique:

4.1. as marcas características do gosto (neo)clássico;

4.2. as marcas características do gosto romântico.

 

Proposta de resolução do questionário:

1. Divisão do poema em partes lógicas e indicação do assunto de cada uma:

1.ª parte - Quadras: Descrição do cenário que envolve o sujeito poético, sendo o silêncio a nota dominante – Natureza sombria.

2.ª parte - Tercetos: Apresentação do estado de espírito do sujeito poético, comungando a sua tristeza com a da Noite, que prefigura a Morte libertadora.

2. Análise do modo de relacionamento do sujeito poético com a natureza:

O poeta serve-se da Natureza para descrever o seu estado de espírito. Assim, estando próximo da morte («Porque a meus olhos se afigura a morte»), apresenta escura a Natureza («A Noite escura», «Neste deserto bosque à luz vedado»), triste e silenciosa («Que profundo silêncio me rodeia», « Nem o mavioso rouxinol gorjeia, / Nem pia o mocho»). Toda a paisagem é descrita como parada («O Tejo adormeceu na lisa areia»), o que lhe dá um ar melancólico. Assim, único ser vigilante, quando, alta noite, tudo dorme, o sujeito poético deseja a morte que se confunde com o silêncio profundo da Natureza.

3.1. PERÍFRASE: vv. 10 e 11 – uso de muitas palavras para traduzir o desejo de que a Sorte o mate.

PERSONIFICAÇÃO: a Noite é feia, v.2; o Zéfiro jaz, v. 5; o Tejo adormeceu, v. 6 – a personificação da Natureza combina com o estado de alma do sujeito poético, que se revê nela como num espelho.

4.1. as marcas características do gosto (neo)clássico:

a nível formal:

- Alegorias mitológicas e personificação de conceitos: Morte, Sorte.

- Perífrases arrastada nos dois primeiros versos para designar o firmamento.

- Repetição retórica: «só eu velo, só eu», v. 9.

- Vocabulário convencional do «locus amoenus»: Zéfiro, rouxinol.

- Equilíbrio formal do soneto: metro e rima.

a nível de conteúdo:

- «Locus amoenus»: Zéfiro, rouxinol.

- Recurso à mitologia greco-latina para expressar ideias.

4.2. as marcas características do gosto romântico.

a nível formal:

- Uso abundante de pronomes de 1ª pessoa (que traduz a afirmação do indivíduo e um monólogo interior e confessional): eu, eu, minha, me, me, meus.

- Escolha vocabular do «locus horrendus»: «Noite escura e feia», «deserto bosque», «mocho», «trevas»; os próprios elementos do «locus amoenus» estão submetidos à influência da Noite romântica: Zéfiro «jaz», «o Tejo adormeceu», o rouxinol não gorjeia.

a nível de conteúdo:

- A paisagem noturna e tenebrosa do «locus horrendus» («Noite escura e feia», «deserto bosque», «mocho», «trevas»; os próprios elementos do «locus amoenus» estão submetidos à influência da Noite romântica: Zéfiro «jaz», «o Tejo adormeceu», o rouxinol não gorjeia) a refletir o estado de alma do sujeito poético.

- Comprazimento na dor, hiperbolização do sofrimento em que o poeta se sente bem: «Consola-me este horror, esta tristeza», v. 12.

- Linguagem do fatalismo: pede à «Sorte» que lhe «corte» «o fio» que o prende à vida, vv. 9-11.

- A morte como libertação: «Consola-me […] a Morte», vv. 12-14.