sábado, 3 de julho de 2010

CERNUDA

    
    
“[…] para o próprio Cernuda nunca houve, em última instância, realidade paradisíaca alguma, só houve fantasia: «Eu bem sei que esta imagem / sempre fixa em minha mente / não és tu mas só a sombra / do amor que existe em mim.»”
    
Álvaro Pombo, Contra-Natura. Lisboa, Minotauro, 2009
     
         
      
       
      
     
     
Luis Cernuda

     
     



SOMBRA DE MÍ
   
Bien sé yo que esta imagen
Fija siempre en la mente
No eres tú, sino sombra
Del amor que en mí existe
Antes que el tiempo acabe.
     
Mi amor así visible me pareces,
Por mí dotado de esa gracia misma
Que me hace sufrir, llorar, desesperarme
De todo a veces, mientras otras
Me levanta hasta el cielo en nuestra vida,
Sintiendo las dulzuras que se guardan
Sólo a los elegidos tras el mundo.
    
Y aunque conozco eso, luego pienso
Que sin ti, sin el raro
Pretexto que me diste,
Mi amor, que afuera está con su ternura,
Allá dentro de mí hoy seguiría
Dormido todavía y a la espera
De alguien que, a su llamada,
Le hiciera al fin latir gozosamente.
    
Entonces te doy gracias y te digo:
Para esto vine al mundo, y a esperarte;
Para vivir por ti, como tú vives
Por mí, aunque no lo sepas,
Por este amor tan hondo que te tengo.
          
       

Luis Cernuda (Sevilha, 1902 - Cidade do México,1963)
Vivir sin estar viviendo, 1949






Bien sé yo que...
   
El símbolo de la sombra aparecía ya con profusión en Un Río, un Amor y Los Placeres Prohibidos, pero ahora se ha invertido por completo su significado: lejos de ser el símbolo de un mundo sin sentido por falta de luz, ahora la sombra expresa la proyección de la luz – del Deseo.
    
Mi amor...
    
Esta vez se distingue expresamente entre el “tu” más o menos autónomo y la “imagen” que ele amante forja del él, que es una proyección, una sombra “del afán”. Lo que el “cuerpo hermoso” nos brinda es la posibilidad de encarnar ese afán, de hacer visible y propiamente vivible la energía del Deseo.
     
Y aunque conozco eso...
    
No menos claro queda es la interpretación privilegiada del amante la que otorga esa gracia especial, esa capacidad de enaltecernos o de hundirnos. Y sin embargo ello no debe derivar en un solipsismo masturbatorio, sino que invita por el contrario a reconocer a reconocer y agradecer el rol crucial, sine qua non, que aporta y juega el otro.
      
Entonces te doy gracias...
   
Los versos últimos son de una hermosura clásica, perfecta, plena. “Para esto vine al mundo” debe entenderse como una respuesta, definitiva y concluyente, a poemas anteriores como “He venido para ver” y “La escarcha”. La doble anáfora acumulativa de las preposiciones “para” y “por” sirve precisamente para subrayar la doble función, causal y final, de la segunda: no cabe afirmación más contundente de la fuerza del amor, del valor vitalista del Deseo. Decir que el amado vive, sin saberlo, por mí, no deja de inclinar de nuevo la balanza hacia el subjetivismo, pero el poema explica suficientemente estos asertos y reconoce el papel que juega el cuerpo del amado. Que un yo poético al que las constricciones sociales han condenado reiteradamente a vivir la experiencia del Deseo como exclusivamente individual reduzca (o tienda a reducir) al amado a pretexto de esta experiencia no debe sorprendernos.
     
Ibon Zubiaur, La construcción de la experiencia en la poesía de Luis Cernuda
Reichenberger, Kassel, 2002



[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2010/07/03/cernuda.aspx]

domingo, 20 de junho de 2010

RENÉ CHAR: ALLÉGEANCE



  
    
    
ALLEGEANCE
    
Dans les rues de la ville il y a mon amour. Peu importe où il va dans le temps divisé. Il n'est plus mon amour, chacun peut lui parler. Il ne se souvient plus; qui au juste l'aima? 
    
Il cherche son pareil dans le voeu des regards. L'espace qu'il parcourt est ma fidélité. Il dessine l'espoir et léger l'éconduit. Il est prépondérant sans qu'il y prenne part. 
    
Je vis au fond de lui comme une épave heureuse. A son insu, ma solitude est son trésor. Dans le grand méridien où s'inscrit son essor, ma liberté le creuse. 
    
Dans les rues de la ville il y a mon amour. Peu importe où il va dans le temps divisé. Il n'est plus mon amour, chacun peut lui parler. Il ne se souvient plus; qui au juste l'aima et l'éclaire de loin pour qu'il ne tombe pas?
    
René Char
(L'Isle-sur-la-sorgue - Vaucluse, 1907 - Paris, 1988)
Fureur et Mystère (1948)
     
    
     
      
      
OBSERVÂNCIA
    
Nas ruas da cidade está o meu amor. Pouco importa a onde vai no tempo dividido. Já não é o meu amor, qualquer um pode falar-lhe. Ele já não se lembra; quem ao certo o amou?
    
Procura o seu par no desejo dos olhares. O espaço que percorre é a minha fidelidade. Ele desenha a esperança e ligeiro despede-a. Ele é preponderante sem tomar parte em nada.
    
Vivo no fundo de si como um destroço feliz. Sem que ele saiba, a minha solidão é o seu tesouro. No grande meridiano onde inscreve o seu curso, é a minha liberdade que o escava.
    
Nas ruas da cidade está o meu amor. Pouco importa a onde vai no tempo dividido. Já não é o meu amor, qualquer um pode falar-lhe. Ele já não se lembra; quem ao certo o amou e o ilumina de longe para que não caia?
     
René Char
    
    
      
    [Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2010/06/20/allegeance.aspx]

segunda-feira, 14 de junho de 2010

I HAVE BEEN HERE BEFORE (Dante Gabriel Rossetti)

Autorretrato, Dante Gabriel Rossetti

 



    

SUDDEN LIGHT


I have been here before,

But when or how I cannot tell:

I know the grass beyond the door,

The sweet keen smell,

The sighing sound, the lights around the shore.

        

You have been mine before,—

How long ago I may not know:

But just when at that swallow’s soar

Your neck turn’d so,

Some veil did fall,— I knew it all of yore.

        

Has this been thus before?

And shall not thus time’s eddying flight

Still with our lives our love restore

In death’s despite,

 

And day and night yield one delight once more?


Dante Gabriel Rossetti (1828-1882)









[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2010/06/14/Sudden.Light.aspx]   

terça-feira, 8 de junho de 2010

JOHN KEATS: A THING OF BEAUTY IS A JOY FOR EVER

    
John Keats, por Joseph Severn, 1819

   
   
    
A thing of beauty is a joy for ever: 
Its loveliness increases; it will never
Pass into nothingness; but still will keep
A bower quiet for us, and a sleep
Full of sweet dreams, and health, and quiet breathing.
Therefore, on every morrow, are we wreathing
A flowery band to bind us to the earth,
Spite of despondence, of the inhuman dearth
Of noble natures, of the gloomy days,
Of all the unhealthy and o'er-darkened ways
Made for our searching: yes, in spite of all,
Some shape of beauty moves away the pall
From our dark spirits. Such the sun, the moon,
Trees old and young, sprouting a shady boon
For simple sheep; and such are daffodils
With the green world they live in; and clear rills
That for themselves a cooling covert make
'Gainst the hot season; the mid forest brake,
Rich with a sprinkling of fair musk-rose blooms:
And such too is the grandeur of the dooms
We have imagined for the mighty dead;
All lovely tales that we have heard or read:
An endless fountain of immortal drink,
Pouring unto us from the heaven's brink.
Nor do we merely feel these essences
For one short hour; no, even as the trees
That whisper round a temple become soon
Dear as the temple's self, so does the moon,
The passion poesy, glories infinite,
Haunt us till they become a cheering light
Unto our souls, and bound to us so fast,
That, whether there be shine, or gloom o'ercast;
They always must be with us, or we die.
     
John Keats (Londres, 31 de outubro de 1795 - Roma, 23 de fevereiro de 1821)
Endymion: A Poetic Romance, Londres, Taylor and Hessey, 1818
    



     
A BELEZA EM CADA SER É UMA ALEGRIA ETERNA
     
A beleza em cada ser é uma alegria eterna:
o seu encanto torna-se maior e nunca se há-de perder
no nada; reservar-nos-á ainda um refúgio
de paz, onde adormeceremos, habitados por sonhos
suaves, uma íntima plenitude, uma respiração branda.
Comecemos, assim, a tecer em cada manhã
uma grinalda de flores para nos unirmos à terra,
apesar do desalento, da ausência daqueles
cuja nobreza amávamos, dos dias cheios de escuridão,
de todos os caminhos insalubres e misteriosos,
abertos para os nossos anseios; sim, apesar de tudo,
uma forma de beleza afasta o sudário
das nossas almas sombrias. Assim é o sol, a lua,
as antigas ou novas árvores cuja bênção faz germinar
a sombra sobre os humildes rebanhos; os narcisos
e o mundo verdejante que os cerca; e os límpidos rios
que para si criam um dossel de frescura
durante as estações ardentes; os silvados do bosque
enriquecidos pelo belo, nascente esplendor das rosas;
e, também, a magnificência do destino
que imaginamos para os mortos poderosos;
e as histórias encantadoras que lemos ou escutamos:
fonte inesgotável duma imortal bebida,
que vem do limiar do céu e para nós se derrama.
    
E não é apenas durante algumas horas breves
que ficamos presos a estas essências; assim como as árvores
murmurando à volta dum templo logo se tornam
tão amadas como o próprio templo, também a lua
e a paixão da poesia, glórias inifinitas, tantas vezes
nos assombram, até serem uma luz vivificadora
para a alma, e tão estreitamente nos cingem
que, fique a brilhar o sol ou se apaguem os céus,
para sempre hão-de existir em nós, ou morreremos.
    
John Keats, “A thing of beauty is a joy for ever”
Tradução de Fernando Guimarães
Poesia Romântica Inglesa, Relógio D'Água, 1992
     
    
Morgan Library: manuscrito de “A thing of beauty is a joy for ever”, ENDYMION: A POETIC ROMANCE, John Keats 


    [Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2010/06/08/keats.aspx]

terça-feira, 1 de junho de 2010

LOUISE BOURGEOIS & HILDA HILST (OU AS “OBSCENAS SENHORAS D”)





Hilda Hilst
Louise Bourgeois

(Paris, 1911 - Nova Iorque, 2010)

Mapplethorpe Gallery Photo

(São Paulo, 1930 - 2004)
    




eu quero ficar
que se deite aqui e sinta comigo os murmúrios, palavras que deslizam numa teia
   
  
São Paulo, Massao Ohno/Roswitha Kempf/Editores, 1982
    
   
    
Louise Bourgeois, ARANHA, 1997 
Louise Bourgeois, Spider, 1997
   
  
  
  
  
Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.
   
Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.   
Que este amor só me veja de partida.
   
  
Hilda HilstCantares do sem nome e de partidas
São Paulo, Massao Ohno, 1995
Disponível em: https://musadopoeta.files.wordpress.com/2016/01/poesia-completa-hilda-hilst.pdf
   
   
   
   

Louise Bourgeois, A FAMÍLIA, 2008   
Louise Bourgeois, The Family, 2008
   
   
   
Para poder morrer
Guardo insultos e agulhas
Entre as sedas do luto.
   
Para poder morrer
Desarmo as armadilhas
Me estendo entre as paredes
Derruídas.
   
Para poder morrer
Visto as cambraias
E apascento os olhos
Para novas vidas.
    
Para poder morrer apetecida
Me cubro de promessas
Da memória.
    
Porque assim é preciso
Para que tu vivas.
   
   

    
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2010/06/01/Bourgeois_2600_Hilst.aspx]

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