quinta-feira, 18 de julho de 2013

NO MEU PAÍS HÁ UMA PALAVRA PROIBIDA (Manuel Alegre)



         
No meu país há uma palavra proibida.
Mil vezes a prenderam mil vezes cresceu.
E pulsa em nós como o pulsar da própria vida
sabe ao sal deste mar tem a cor deste céu
no meu país há uma palavra proibida.
No meu país há uma palavra que se diz
com a mesma ternura da palavra irmã.
Palavra quente como o sol do meu país
palavra clara como é cada manhã
apesar da tristeza lá no meu país.
No meu país há uma palavra que se escreve
sobre os muros à pressa pela noite dentro.
Uma palavra assim nenhuma língua a teve
tão ausência-presença tão feita de vento
tão impossível de apagá-la onde se escreve.
No meu país há uma palavra onde se guarda
tudo o que se não teve tudo o que não foi.
Por ela a humilhação fabrica uma espingarda
e há um tempo de luta no tempo que dói
nessa palavra que nos guia que nos guarda.
Palavra que murmura nos verdes pinheiros
o recado que o mar vem escrever nas areias.
Se já em nós morreram velhos marinheiros
há uma palavra que semeia em nossas veias
um país que murmura nos verdes pinheiros.
No meu país em cada homem há uma palavra
que rasga as trevas e as prisões: palavra-chave
capaz de transformar em asa a mão que lavra.
E é inútil prenderem-na que é luz e ave
no meu país em cada homem essa palavra.
Palavra feita de montanhas praias vento.
De verde pinho e mar azul. De sol. De sal.
Não vale a pena proibirem o pensamento.
Há uma palavra clandestina em Portugal
que se escreve com todas as harpas do vento.
         
Manuel Alegre, O Canto e As Armas, 1967

            


Todos os que não eram coniventes com os ideais do Estado [Novo], que não permaneceram alheados das atrocidades infligidas à população, acabavam por ser silenciados nas celas das prisões. Porém, muitos escritores, como é o caso de Manuel Alegre, optaram por referir metaforicamente aqueles que estavam incumbidos dessa tarefa: eles são os “fantasmas”, os que não são corpóreos e invadem o sono de cada prisioneiro:
«Os fantasmas tinham entrado no meu sono, invadiram a minha casa no cimo da ternura; os fantasmas eram donos do país. E se eles viessem de repente, a meio da noite, e eu chamasse:
- Mãe!
a voz (tão calma) de minha mãe já nada poderia contra eles. Era um trabalho para mim, uma tarefa para todos aqueles que não podem suportar a sujeição. Eu nunca pude suportar a sujeição. Acaso poderia ter escolhido outro caminho?
Por isso, em maio de 1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto.» (Manuel Alegre, Praça da Canção/O Canto e As Armas, 1.ª ed. de bolso, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2000, pág. 19-20)
             
Todos os textos eram alvo de uma depuração linguística com o único objetivo de os tornar úteis ao regime ou, pelo menos, inofensivos. Tal situação fez com que o material linguístico dos autores fosse reduzido a um determinado número de vocábulos.
A pré-seleção do material linguístico pelo aparelho de Estado é também evidenciada no poema de Manuel Alegre “No Meu País Há Uma Palavra Proibida”.
Nesse poema, Manuel Alegre não procurou camuflar as suas intenções, razão pela qual mais facilmente se deteta a crítica ao regime, à forma como ele silenciava certas palavras, neste caso a palavra liberdade.
Apesar de nunca ser, de facto, escrita, as referências que são utilizadas facilmente são associadas a ela: é “uma palavra proibida”, foi presa “mil vezes” e outras tantas cresceu, existe dentro de cada ser como a “própria vida”, “sabe ao sal deste mar tem a cor deste céu”, é dita com a mesma “ternura da palavra irmã”, é “quente” e “clara”, é escrita nos muros de noite e à pressa, não é possível apagá-la e é simultaneamente “ausência-presença”, é o símbolo de tudo “o que não se teve tudo o que não foi”, é o motor que permite superar a “humilhação” e guiar os homens, ela é constituída por toda a essência de Portugal e, por isso mesmo, não é possível rasurá-la nem omiti-la do pensamento porque este é inviolável. Ao unir-se ao próprio destino português, essa inaudível palavra aparece associada a diversos referentes históricos: a época dos descobrimentos, visível nos “verdes pinheiros”, no “mar”, no “sal” e nos “velhos marinheiros” que morreram. Imbuída desse espírito, ela ergue-se “espingarda” num tempo de luta e dor e apesar das tentativas de a aprisionarem, ela persiste “clandestina” a incentivar a hora em que todos poderão usá-la.
           
Portugal sob a égide da ditadura: o rosto metamorfoseado das palavrasTese de mestrado de Paula Fernanda da Silva Morais. Universidade do Minho – Instituto de Letras e Ciências Humanas, julho de 2005.
           

PODERÁ TAMBÉM GOSTAR DE LER:

           

  Poesia útil e literatura de resistência” (A literatura como arma contra a ditadura e a guerra colonial portuguesas), José Carreiro


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/07/18/no.meu.pais.ha.uma.palavra.proibida.aspx]                       

quarta-feira, 17 de julho de 2013

PALAVRAS TANTAS VEZES PERSEGUIDAS (Manuel Alegre)


 Manuel Alegre 
               
               
AS PALAVRAS

Palavras tantas vezes perseguidas
palavras tantas vezes violadas
que não sabem cantar ajoelhadas
que não se rendem mesmo se feridas.
Palavras tantas vezes proibidas
e no entanto as únicas espadas
que ferem sempre mesmo se quebradas
vencedoras ainda que vencidas.
Palavras por quem eu já fui cativo
na língua de Camões vos querem escravas
palavras com que canto e onde estou vivo.
Mas se tudo nos levam isto nos resta:
estamos de pé dentro de vós palavras.
Nem outra glória há maior do que esta.
            
Manuel Alegre, O Canto e As Armas, 1967
          
            
A perseguição feita à palavra [durante o Estado Novo] implicou que se estabelecesse uma empatia entre o leitor e os desígnios do autor para que o primeiro descodificasse o texto na sua total amplitude. Essa empatia do leitor com os desígnios do autor é bem evidente em “As Palavras” de Manuel Alegre.
Ao longo do poema são referidas as diversas tentativas de impedir as palavras de comunicar, de ter outros sentidos que os que o Estado quer veicular. Por isso, elas foram “tantas vezes perseguidas”, “tantas vezes violadas”, “tantas vezes proibidas”, ato dilacerador realçado pelo uso da anáfora associado à aliteração das sibilantes. Porém, apesar de vítimas da censura, as palavras resistiram porque “não sabem cantar ajoelhadas”, “não se rendem mesmo se feridas”, nestas personificações profundamente expressivas. Ao contrário dos homens, que são silenciados dessa forma, as palavras resistem dado não ser possível anular a sua significação que está sempre dependente da sua interpretação por alguém.
Decorrente desse facto, mesmo quando parecem “vencidas”, as palavras são “vencedoras” na medida em que é nelas que o homem se projeta para não se anular: “Mas se tudo nos levam isto nos resta:/estamos de pé dentro de vós palavras./Nem outra glória há maior do que esta.” Independentemente dos esforços do poder instituído para escravizar as palavras – expurgá-las dos significados considerados incómodos para o regime -, esse ato torna-se inviável porque é nas palavras que o poeta “[está] vivo” e é com elas que ele manifesta a sua posição mesmo que de forma implícita. Elas são as “espadas” que restam aos homens para derrubar o silêncio imposto pelo Estado e conquistar a sua própria liberdade já que querem transformá-las em “escravas”.
              
Portugal sob a égide da ditadura: o rosto metamorfoseado das palavrasTese de mestrado de Paula Fernanda da Silva Morais. Universidade do Minho – Instituto de Letras e Ciências Humanas, julho de 2005.
             
            
                         



         

No meu país há uma palavra proibida.
Mil vezes a prenderam mil vezes cresceu.
E pulsa em nós como o pulsar da própria vida
sabe ao sal deste mar tem a cor deste céu
no meu país há uma palavra proibida.
No meu país há uma palavra que se diz
com a mesma ternura da palavra irmã.
Palavra quente como o sol do meu país
palavra clara como é cada manhã
apesar da tristeza lá no meu país.
No meu país há uma palavra que se escreve
sobre os muros à pressa pela noite dentro.
Uma palavra assim nenhuma língua a teve
tão ausência-presença tão feita de vento
tão impossível de apagá-la onde se escreve.
No meu país há uma palavra onde se guarda
tudo o que se não teve tudo o que não foi.
Por ela a humilhação fabrica uma espingarda
e há um tempo de luta no tempo que dói
nessa palavra que nos guia que nos guarda.
Palavra que murmura nos verdes pinheiros
o recado que o mar vem escrever nas areias.
Se já em nós morreram velhos marinheiros
há uma palavra que semeia em nossas veias
um país que murmura nos verdes pinheiros.
No meu país em cada homem há uma palavra
que rasga as trevas e as prisões: palavra-chave
capaz de transformar em asa a mão que lavra.
E é inútil prenderem-na que é luz e ave
no meu país em cada homem essa palavra.
Palavra feita de montanhas praias vento.
De verde pinho e mar azul. De sol. De sal.
Não vale a pena proibirem o pensamento.
Há uma palavra clandestina em Portugal
que se escreve com todas as harpas do vento.
         
Manuel Alegre, O Canto e As Armas, 1967
            

Todos os que não eram coniventes com os ideais do Estado [Novo], que não permaneceram alheados das atrocidades infligidas à população, acabavam por ser silenciados nas celas das prisões. Porém, muitos escritores, como é o caso de Manuel Alegre, optaram por referir metaforicamente aqueles que estavam incumbidos dessa tarefa: eles são os “fantasmas”, os que não são corpóreos e invadem o sono de cada prisioneiro:
«Os fantasmas tinham entrado no meu sono, invadiram a minha casa no cimo da ternura; os fantasmas eram donos do país. E se eles viessem de repente, a meio da noite, e eu chamasse:
- Mãe!
a voz (tão calma) de minha mãe já nada poderia contra eles. Era um trabalho para mim, uma tarefa para todos aqueles que não podem suportar a sujeição. Eu nunca pude suportar a sujeição. Acaso poderia ter escolhido outro caminho?
Por isso, em maio de 1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto.» (Manuel Alegre, Praça da Canção/O Canto e As Armas, 1.ª ed. de bolso, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2000, pág. 19-20)
             
Todos os textos eram alvo de uma depuração linguística com o único objetivo de os tornar úteis ao regime ou, pelo menos, inofensivos. Tal situação fez com que o material linguístico dos autores fosse reduzido a um determinado número de vocábulos.
A pré-seleção do material linguístico pelo aparelho de Estado é também evidenciada no poema de Manuel Alegre “No Meu País Há Uma Palavra Proibida”.
Nesse poema, Manuel Alegre não procurou camuflar as suas intenções, razão pela qual mais facilmente se deteta a crítica ao regime, à forma como ele silenciava certas palavras, neste caso a palavra liberdade.
Apesar de nunca ser, de facto, escrita, as referências que são utilizadas facilmente são associadas a ela: é “uma palavra proibida”, foi presa “mil vezes” e outras tantas cresceu, existe dentro de cada ser como a “própria vida”, “sabe ao sal deste mar tem a cor deste céu”, é dita com a mesma “ternura da palavra irmã”, é “quente” e “clara”, é escrita nos muros de noite e à pressa, não é possível apagá-la e é simultaneamente “ausência-presença”, é o símbolo de tudo “o que não se teve tudo o que não foi”, é o motor que permite superar a “humilhação” e guiar os homens, ela é constituída por toda a essência de Portugal e, por isso mesmo, não é possível rasurá-la nem omiti-la do pensamento porque este é inviolável. Ao unir-se ao próprio destino português, essa inaudível palavra aparece associada a diversos referentes históricos: a época dos descobrimentos, visível nos “verdes pinheiros”, no “mar”, no “sal” e nos “velhos marinheiros” que morreram. Imbuída desse espírito, ela ergue-se “espingarda” num tempo de luta e dor e apesar das tentativas de a aprisionarem, ela persiste “clandestina” a incentivar a hora em que todos poderão usá-la.
           
Portugal sob a égide da ditadura: o rosto metamorfoseado das palavrasTese de mestrado de Paula Fernanda da Silva Morais. Universidade do Minho – Instituto de Letras e Ciências Humanas, julho de 2005.
           
               

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[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/07/17/as.palavras.manuel.alegre.aspx]         

terça-feira, 16 de julho de 2013

VER CLARO (Eugénio de Andrade)


 
       
        
VER CLARO


Toda a poesia é luminosa,
até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.
         
Eugénio de Andrade, Os Sulcos da Sede, 2001
             
            
Consoante a evolução histórica dos modelos de leitura e interpretação, o leitor intérprete privilegiou a intentio auctorisoperis ou lectoris como se cada uma delas possibilitasse uma interpretação distinta do texto1. Em meados do século XX, a tónica incide sobre a responsabilidade do leitor enquanto construtor de sentidos; por isso mesmo, há inclusivamente quem acredite que não há limites para a interpretação, que todas elas são plausíveis. Essa tarefa ativa da competência do leitor torna-se evidente, por exemplo, no poema “Ver Claro” de Eugénio de Andrade.
Este poema indicia, desde logo, a consciência de que ao leitor compete a difícil tarefa de interpretar o texto. Por isso mesmo, a obra em si – neste caso a poesia – é “luminosa,/até/a mais obscura”; o material que a compõe (linguístico e ideológico) é suscetível a que o leitor o revisite “outra vez e outra vez/e outra vez” até descobrir a sua clara significação. Quando o leitor dissipar o “nevoeiro dentro de si” conseguirá “ver claro”, descobrir o(s) sentido(s) do texto e essa conquista cegá-lo-á. O leitor que não desistir perante a adversidade da interpretação que alguns textos propiciam, será “Abençoado” já que viu para lá da mera sucessão de palavras. No entanto, essa capacidade de descodificação de um texto por parte do leitor não deve ser encarada como uma atividade ilimitada e caracterizada pela contínua ebulição de leituras já que “…toda a liberdade necessita de disciplina para não cair na libertinagem (entendida em mau sentido, é claro). O leitor deve aprender a usar com eficácia os seus poderes e liberdades.”2
              
Portugal sob a égide da ditadura: o rosto metamorfoseado das palavrasTese de mestrado de Paula Fernanda da Silva Morais. Universidade do Minho – Instituto de Letras e Ciências Humanas, julho de 2005.
         
______________
(1) Paul Ricoeur, em Teoria da Interpretação, defende essa dissociação entre o sentido que o autor pretendia veicular e aquele que o texto transmite, dado que o texto escrito tem uma autonomia própria ao nível semântico que “resulta da desconexão da intenção mental do autor relativamente ao significado verbal do texto.” Porém, não deixa de relembrar que valorizar apenas o texto é esquecer que ele corresponde a um discurso de alguém, destinado a um recetor e sobre algo (Cf. RICOEUR, Paul - Teoria da Interpretação, Lisboa: Edições 70, 2000, pp. 41-42).
(2) Cf. MENEZES, Salvato Telles de - O que é Literatura, Lisboa: Difusão Cultural, 1993, pág. 30.


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[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/07/16/ver.claro.eugenio.de.andrade.aspx]

sábado, 13 de julho de 2013

KWELA PARA AMANHÃ (Rui Knopfli)



http://worldmusic.nationalgeographic.com/view/page.basic/genre/content.genre/kwela_744_en_US

http://electricjive.blogspot.pt/2014/11/tin-whistle-jive-and-roots-of-kwela.html

Kwela Boy -Tretchikoff Painting:
Kwela Boy -Tretchikoff Painting
         
              

KWELA PARA AMANHÃ

Mil e tal crianças negras
fazem bonecos de lama
no coração do slum.
Mil e tal rapazes atléticos,
loiros, vermelhuscos, vestidos de caqui,
erguem para o ar o brilho das culatras
nos Union Grounds.
Há dois minutos precisos, o bus de Mayfair
atropelou um mineiro
e o sangue abre-lhe a vermelho, na fuligem do rosto,
uma rede caprichosa de carreiros.
Um milhão de pessoas,
à hora matutina do rush,
move-se automaticamente
na longa fita de asfalto,
ao comando dos sinais luminosos
automáticos.
Houve a noite passada
quatro assaltos à mão armada,
três sangrentas brigas de rua
e uma mulher matou a golpes de machado
o marido, porque tinha relações incestuosas
com a filha.
O sr. Du Prez conferenciou
com o sr. Potgieter e subiram
as acções da Companhia Diamantífera.
Desde a madrugada já se trataram no hospital
cento e duas emergências
e a juventude de blue jeans
dorme de manhã o onírico sono
da dagga.
Os pássaros passam de largo
e recusam-se ao cimento e ao asfalto
da cidade hostil.
Os poucos que pousam no silêncio arborizado
do Joubert Park
são neurasténicos,
olham o edifício do museu estupidamente
e fazem caca nos bancos das áleas.
O rosto das pessoas
é sólido e impenetrável
como o monumento dos Voortrekers.

Apesar disso

insólito som sobe
arabescos na manhã.

Apesar do cimento armado, dos números,
do sangue inútil
e do niquelado dos automóveis de luxo,
insólito, sobe o som na manhã.

Apesar disso,
com a nostalgia verde do veld
e do rebanho na montanha,
Spokes Mashiyane, dum pedaço de lata,
faz um kwela para amanhã.
              
    
Rui Knopfli, O País dos Outros, 1959
           
             
Glossário e notas:
Kwela: nos anos 1950 o primeiro grande fenómeno pop sul africano veio ao mundo: o pennywhistle jive, também conhecido como kwela. O estilo baseado em flautas, originário da música dos vaqueiros negros e com as estruturas do jazz e do marabi, era tocado por grupos de músicos que se apresentavam nas áreas brancas de Johanesburgo, que muitas vezes eram presos por isso. Os jovens brancos mais rebeldes adotaram o kwela, e o artista Spokes Mashiyane popularizou o estilo com o hit ‘Ace Blues’, e Black Mambazo, com ‘Tom Hark’, canção muito regravada. (http://cwbdeluxe.blogspot.pt/2010/06/copa-e-pop.html)


            

Kwela comes from the Xhosa and Zulu word khwela, meaning "climb on," a term used to get performers involved in a show and also widely used by police to get them onto police vehicles. It's also related to the Zulu/Xhosa word ikhwelo which means a shrill whistle. The kwela music that developed during the '40s and '50s almost always featured the pennywhistle, a cheap and reliable (tin flute) instrument that served as the lead voice. Early music by Willard Cele caught the ears of many, and the 1951 movie The Magic Garden also played a role. Spokes Mashiyane (And His All Star Flutes) were wildly popular by 1954. The harmonies of the kwela are simple and cyclical in nature, usually C-F-C-G7; the music combines a rapid ostinato foundation with elements of African-American jazz-swing forms. – Banning Eyre, Courtesy Afropop Worldwide: www.afropop.org (Apud
Le jazz sud-africain: Dans les townships de Gauteng, le kwela se joue avec des petites flûtes métalliques, les penny whistles. Le style s'est développé dans les années 1950, avec nottamment  l'album à succès Ace Blues de Spokes Mashiyane. Paul Simon a utilisé le kwela dans son son disque sud-africain Graceland, avec les guitares tricoteuses de Ray Phiri et les chorales du Black Mambazo. Le jazz sud-africain est né en 1930, avec une base kwela et les trois accords du marabi, base des premiers rythmes urbains noirs. Saluons la mémoire de Kippie Moeketsi et les vocalistes Dorothy Masuka... et Dolly Rathebe qui, en 1949, apparaissait dans Jim comes to Jo’Burg, le premier film sud-africain joué uniquement par des Noirs. Dans les années 1950, des prêtres du Mozambique importent les sonorités tropicales du marimba, dérivées du balafon et du xylophone utilisé pour accompagner les chorales d’Afrique portugaises. Le mbaqanga, le son inventé en 1962 par West Nkosi et popularisé en 1964 par Simon Mahlathini, connaîtra également son heure de gloire internationale. Dans les années 1960 et 1970, le groupe Mahlathini and the Mahotella Queens (le chanteur et ses «claudettes» Nobesuthu, Hilda et Mildred) enflammait les scènes des cités noires. Avec la vague disco, on vit ensuite émerger le Mpantsula Groove et ses vedettes Brenda Fassie, Yvonne Chaka Chaka, Rebecca Malope et Chicco. C’était le style dit «bubble-gum». (Afrique du Sud 2012-2013 (avec cartes et avis des lecteurs), Dominique Auzias, Jean-Paul Labourdette)
                 
Slum: favela urbana.
Caquifazenda de algodão, amarelada ou acastanhada, usada em fardamentos militares ou afins.
Culatraparte posterior e/ou fecho do cano de arma de fogo.
Mayfair e Joubert Park: subúrbios de Joanesburgo, África do Sul.
Rush: agitação, correria, pressa.
Dagga: droga, cannabis sativa.
Voortrekerspioneiros que durante os anos 1840 e1850 saíram da Colónia Britânica do Cabo, para o interior do que é hoje a África do Sul, num movimento designado "Die Groot Trek" (a grande caminhada).
Veld, veldt: estepe, savana (África do Sul).
              
                                        
                 
                 

LINHAS DE LEITURA

São-nos apresentados em alternância contrastante no poema dois mundos que coexistem mas não coabitam.
De um lado, «Mil e tal crianças negras / fazem bonecos de lama / no coração do slum.» ‑ o sujeito poético começa e acaba com esta cena de favela urbana cujas crianças simbolizam crescimento e transformação.
O poeta empresta a sua voz poética ao negro sul-africano, quer de forma coletiva nas «vozes» de «mil e tal crianças negras» fazendo «bonecos de lama / no coração do slum», quer de forma individualizada em «Spokes Mashiyane», que surge envolvido na composição dum canto celebratório ‑ a Kwela. O poeta enaltece, assim, a capacidade de criar do nada do jovem negro que recupera a sua humanidade através da criação artística: «Apesar disso, / com a nostalgia verde do veld / e do rebanho na montanha, / Spokes Mashiyane, dum pedaço de lata, / faz um kwela para amanhã.»
Por outro lado, o jovem branco é apresentado em absoluta alienação de si, apesar do privilégio que lhe é outorgado: «Mil e tal rapazes atléticos, / loiros, vermelhuscos», erguem «para o ar o brilho das culatras / nos Union Grounds».
A cidade sul-africana representada é um espaço cujo contexto sociopolítico é deapartheid e onde a presença «bóer» (primeiros colonizadores neerlandeses da África do Sul) é sinónimo de poder e arbitrariedade: «O Sr. Du Prez conferenciou / com o Sr. Potgieter e subiram / as acções da Companhia Diamantífera.»
O espaço construído pelos idealizadores do apartheid simboliza, em última instância, a loucura das suas motivações insondáveis: «O rosto das pessoas / é sólido e impenetrável como o monumento aos Voortrekers»; «Os pássaros passam de largo / e recusam-se ao cimento e ao asfalto / da cidade hostil. / Os poucos que pousam no silêncio arborizado / do Joubert Park / são neurasténicos.»
O poema inscreve-se pois, visivelmente, numa discursividade «militantemente» nacionalista africana. A «Kwela para amanhã» é essa nota de esperança: «insólito, sobe o som na manhã».
(Adaptado de: O país dos outros. A poesia de Rui Knopfli, Fátima Monteiro. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003. Coleção: “Escritores dos países de língua portuguesa”, nº 32, pp. 91-92)
                 
                 
                 
TEXTO DE APOIO

In fact, Rui Knopfli, a great jazz aficionado, was acquainted with the jazz sceneboth in Lourenço Marques and in Johannesburg, where he lived for a few years. His most famous jazz poem “Kwela para Amanhã” [Kwela for Tomorrow], which was translated into English by the poet himself, is about the South African ‘kwela’ jazz of the 1950s. The poem was included in O País dos Outros, which came out in 1959. The poem is largely an account of the oppressiveness and morbidity of life in apartheid Johannesburg, yet it ends in the high note of hope provided by a kwela tune by Spokes Mashiyane: «Apesar disso, / com a nostalgia verde do veld / e do rebanho da montanha, / Spokes Mashiyane, dum pedaço de lata, / faz um kwela para amanhã.»
The world of jazz is a constant presence in Knopfli’s work, and it is a presence that very often harks back to America, although in a very different form from the way America is viewed in the work of more ‘nationalist’ poets like, say, Noémia de Sousa and Agostinho Neto. Fernando J. B. Martinho, in article on the figure of America in Rui Knopfli’s poetry, argues that for Knopfli jazz functions primarily as a ‘cultural reference’ and as an index to Anglo-American culture (“America” 119), as a sign of high culture, in other words. Despite this very individual appropriation of the concept of jazz, it certainly is true that the idea of jazz — and, by extension, America — was widely disseminated through Knopfli’s poetry. But this interest in jazz was also mediated, as we saw from the kwela poem, by the South African township reinventions of jazz (marabi, kwela, etc.). (The image of American in southern african literatureDissertação de Mestrado em Estudos Americanos apresentada à Universidade Aberta por João Luís Rafael Mitras, 2006.)
                 
                 

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Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da poesia de Rui Knopfli, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo. Disponível em: https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/Lit-Afric-de-Ling-Port/Lit-Mocambicana/Knopfli, 2020 (3.ª edição).


 Literatura Moçambicana


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/07/13/kwela.aspx]