sábado, 4 de abril de 2020

A Poesia Experimental Portuguesa de Melo e Castro

Por: Isaac Ramos



Melo e Castro, no começo da década de 60, no século XX, foi quem colocou a poesia experimental portuguesa em pé. Ernesto Manuel de Melo e Castro é um poeta que tem uma postura/atitude de vanguarda em estado de permanência. Nasceu em 1932, em Covilhã, Portugal. Publicou seu primeiro livro Sismo (1952) quando tinha 20 anos de idade e, no ano seguinte, Salmos em (1953). No entanto, Ideogramas (1962) é considerada a primeira obra concretista publicada em Portugal. Esta contribuiu significativamente para alinhá-lo aos demais poetas que trabalhavam com visualidade em Portugal, no Brasil e demais países do mundo ocidental. Esse texto tecerá algumas considerações de crítica e análise literária de trabalhos desse período e de outros posteriores.
Durante quarenta e cinco anos Melo e Castro exerceu a profissão de engenheiro têxtil paralelamente a de escritor, dedicando-se também ao ensino tecnológico. Sua prática profissional pode ter contribuído para o afinamento do olhar e de seu fazer poético. Dentre as antologias de poesia experimental, destaco Trans(a)parências, (1989), livro que ganhou o grande prêmio de poesia Inaset – Inapa de 1990, em Portugal e Antologia efêmera: poemas 1950-2000, publicada pela Nova Aguilar, no ano de 2000.
Melo e Castro possui mais de 30 títulos de poesia e 17 de ensaios de crítica e teoria literária. É pioneiro em videopoesia (Rodalume, 1968). Entre 1985 e 1989 desenvolveu na Universidade Aberta de Lisboa um projeto de criação de videopoesia denominado Signagens. Há alguns anos vem produzindo infopoesia e realizando seminários de discussão e produção de infopoesia. A invenção e radicalidade podem ser consideradas como marca estética desse autor.
Sobre o autor, considerando artigos de livros, revistas e jornais, há mais de 75 textos, conforme informação postada no site www.po-ex.net, o mais completo e documentado site português sobre poesia experimental, que possui farto material para pesquisadores, simpatizantes e leigos, com ilustrações a partir de originais. A responsabilidade fica a cargo de uma grande equipe da UFP (Universidade Fernando Pessoa), de Portugal, coordenada por Rui Torres, sete professores, três bolsistas, dois consultores (um deles o próprio Melo e Castro, em 2005; outro, o brasileiro Sergio Bairon, em 2006) e muitos amigos do projeto. Da mesma forma que no Brasil, arquivos digitais disponibilizados na internet vêm suprir a falta de bibliografia no mercado e nas bibliotecas.
É como poeta Melo e Castro permanece. O autor costuma afirmar que é o pioneiro em videopoesia, em Portugal. Ele declarou certa vez que o sucesso de sua primeira obra concreta, Ideogramas, de difícil assimilação, teria sido facilitada pela publicação em Portugal de uma compilação da poesia concreta do grupo paulista Noigrandes, organizada pela embaixada do Brasil em Lisboa, no ano de 1962.
Aponta dois acontecimentos que antecederam o aparecimento em Portugal de manifestações originais da poesia experimental. Primeiro, seria a rápida visita a Lisboa de Décio Pignatari em 1956, segundo ele sem resultados significativos, após o histórico encontro com Gomringer42; segundo, a publicação da coletânea há pouco referida. Conforme Castro “em Portugal, nunca houve, no entanto um grupo organizado de poetas concretos, tendo a Poesia Concreta interessado a determinados poetas em determinada altura, como via de alargamento da sua pesquisa morfossemântica”43, afirma no capitulo intitulado “A poesia experimental portuguesa” (CASTRO & HATHERLY: 1981, p.9). Para entendermos melhor a trajetória da poesia experimental portuguesa é fundamental ler essa obra. É importante frisar que não se trata de uma compilação de manifestos como foi o livro Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960, organizado pelos concretistas paulistas do Noigandres.
Para Castro (1993, p.41), “moda e consumo são duas facetas fundamentais da vida atual” e a razão por que um livro insólito como Ideogramas tenha encontrado editor estaria estruturalmente justificada e corresponderia ao esnobismo mental das elites consumidoras de obras de arte de Portugal. Mesmo diante dessa situação um tanto insólita, do ponto de vista estético, o autor reconhece que depois de ter vivido experiências de criação poética com os livros Entre o som e o sul (1960), Queda livre (1961) e Mudo mudando (1962), teria adquirido “uma técnica espacial do verso, de uma sintaxe não-discursiva e de uma dimensão plástica da imagem” (op.cit., p.42). E, curiosamente, alega que somente em 1961, teve conhecimento profundo e complexo sobre os trabalhos dos irmãos Campos, Pedro Xisto, Décio Pignatari e Eugen Gomringer. Após conhecê-los, afirmou ter sentido uma enorme alegria e que teria encontrado o que ele próprio desejava e sentia que era urgente se realizar. Talvez isso ajude a explicar os diversos diálogos sintático-visuais dos seus ideogramas com trabalhos de Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari.
Mesmo tendo chamado seus “Ideogramas” de poesia concreta, Castro – juntamente com seus contemporâneos – logo adotaria a terminologia poesia experimental para nominar o que produziam. Cabe esclarecer que a realidade política em Portugal era bem diferente da vivida no Brasil. Era o tempo da ditadura salazarista e os poetas portugueses encontraram outros temas para compor seus trajetos. Na época em que participaram como colaboradores da revista Poesia Experimental (1964), esses poetas não eram de todo jovens. Castro tinha 32 anos; Hatherly, 35; Aragão (editor juntamente com Herberto Helder), 39 e Sallete, 42. A maioria dos participantes tinha publicado mais de um livro. No entanto, essas publicações não possuíam, necessariamente, uma postura estética assumida como poética visual. A revista em si teve dois números intercalados por dois anos, cujo nome, que denominava os adeptos dessa poética, foi dado pelos editores Aragão e Hélder.
Castro entende que pela primeira vez se propôs no seu país uma posição ética de recusa e de pesquisa, que em si própria seria um meio de destruição do obsoleto, uma desmistificação da mentira, uma abertura metodológica para a produção criativa. Amparado nesse primeiro princípio, o segundo seria o de que essa referida produção se projetaria no futuro e encontraria o modo certo para agir no momento exato, quando o povo e a língua dela necessitassem 44 (CASTRO, 1981, p. 11).
Nos seis primeiros livros de Melo e Castro, não ocorreram momentos de ousadia estética ou radicalidade na mesma proporção em que ocorre em Ideogramas. Para entendermos um pouco mais esses movimentos, é importante conhecermos as origens da chamada poesia concreta e para podermos remeter aos diversos tipos de poemas visuais da atualidade. Explicamos: todo poema concreto pode ser considerado visual, mas nem todo poema visual é concreto. Partindo da expressão utilizada por Augusto de Campos, verbivocovisual (verbal + voz + visual) e empregada largamente pelos concretistas de Noigandres, pode-se dizer que não é tarefa fácil entender as relações paradigmáticas e mesmo sintagmáticas do referido movimento.
Melo e Castro partiu da palavra poética para chegar à visualidade. Foi um percurso consciente, experimentador e, sobretudo, revolucionário. Isso pode ser constatado nos casos que virão a seguir.

E. M. Castro, “ver”, Ideogramas,1962


O primeiro poema de Ideogramas (1962) é constituído, morfologicamente, por três verbos (“ver”, “ler” e “ter”) e dois advérbios: “não” em três estrofes (negação) e “sim” em uma estrofe (afirmação). Esses últimos estão dispostos de forma isolada de forma a envolver cada grupo de três versos. A leitura discursiva dele pode ser feita na horizontal ou na vertical. Na vertical pode ser lido da seguinte forma: ver ler ter ler ver ser ver ler ser ler ver ter. Dentre os verbos dois têm relação com a visão (“ver” e “ler”) e dois com a existência (“ser” e “ter”). Trata-se do dilema dicotômico da existência. Esse contrassenso é fruto de uma cadeia de paradoxos presente em grande parte de sua obra.
O segundo caso parte de um poema discursivo: “círculo aberto ritmo liberto”.

E. M. Castro, “Círculo aberto”, Ideogramas, 1962

 Geometricamente aparece uma das figuras recorrentes que é o círculo. Nesse sentido a disposição espacial das palavras sugere um globo ocular, dentro do qual estão contidas as palavras que varam a retícula da imagem plástica. É o olhar do poeta que perpassa de forma atomística a conjunção das vanguardas em que ele esteve presente. A visão e audição sinestesicamente compõe a planilha rítmica do poema. Aliás, a imagem pictórica do globo ocular aparece em diversos poemas desde a fase de Ideogramas até a produção mais recente, esta última engloba a produção de infopoesia feita com recursos computacionais.
O poema seguinte é “Pêndulo”. Trata-se de um caligrama, segundo a concepção Apollinaire, constituído pelas letras que compõe a palavra: P, Ê, N, D, U, L, O. A primeira letra aparece 8 vezes, a segunda 6, depois 5, 4, 3, 2 e 1, respectivamente. Temos uma imagem diante do olhar que pode até hipnotizar.

E. M. Castro, “Pêndulo”, Ideogramas, 1962


E. M. Castro, “Tontura”, Ideogramas, 1962


Outro poema é “Tontura”. A palavra título aparece quatro vezes e quatro círculos concêntricos, totalizando dezasseis vezes. Obtém-se novamente uma imagem circular. A tontura é sentida, pode ser provocada ou pode vir como estado poético derivado da palavra matriz. Pode-se dizer, inclusive, em combinações seriais ou matemáticas. Melo e Castro utiliza esse recurso em diversos momentos na sua obra. Não se configura necessariamente como a poesia matemática dos concretistas brasileiros, todavia reflete um conhecimento da álgebra, geometria composicional e outros recursos advindos da matemática e da estatística. “Tontura” é um libelo aos sentidos do leitor. Mesmo quem não seja um leitor iniciado em poema visual pode muito bem atestar a sensação estética do texto de Melo e Castro.
Em situação semântica semelhante, o poema “Hipnotismo”.

E. M. Castro, “Hipnotismo”, Ideogramas, 1962


Formado pela escrita em ordem direta e inversa, traz em destaque a letra “O”, a qual aparece duas vezes. Essa vogal aparece ampliada no corpo poético como se fossem duas lentes ou dois olhos a observar o texto e por que não dizer o próprio leitor. As duas direções letrais e poéticas cruzam-se com a haste da vogal “O” que sustentam o corpo do poema e da ontologia do ser. Naturalmente, vem-me a imagem plasmática discursiva do dilema de Hamlet “Ser ou não ser eis a questão”. Shakespeare ficaria lisonjeado com a homenagem. Simbolicamente, a imagem das letras em um sentido e a outra em sentido reverso, incluindo as duas vogais “O”, lembram o símbolo do infinito: .
Um poema interessante é chamado de “Combinatória existencial”, retirado do livro Versus – in – versus (1968), contido na Antologia efêmera. Ele traz uma matriz sígnica, composta pelas letras A, B, C, D, F, G, E, H, e uma matriz verbal: “A vida mata-me. O amor imola-me. A noite ofusca-me. A razão desola-me”. A primeira série combinatória das letras se apresenta em quatro quartetos tendo doze letras por linha as quais se apresentam de três em três, como: “ABA ADA AFA AHA”. Ao todo há quarenta e oito letras por estrofe e cento e noventa e duas no total da primeira série combinatória.
Quanto ao desenvolvimento verbal traz nomes (“vida”, “amor”, “noite”, “razão”) e verbos (“mata”, “imola”, “ofusca”, “desola”). O eixo sintagmático do poema é construído por nome + verbo + nome. Essa estrutura sintática se ergue em cadeias semânticas que se multiplicam através de séries combinatórias ou combinações matemáticas. O recurso estilístico predominante é o paradoxo, próprio de Melo e Castro que, a exemplo do paulista Haroldo de Campos e o mato-grossense Silva Freire, pode ser chamado de neobarroco. Na (des)montagem do poema temos dezasseis quartetos com três palavras-chave por verso, conforme apresentado no eixo sintagmático. A apresentação do eixo paradigmático pode ser ampliada além do que veio no texto através do uso de séries combinatórias. Por exemplo:
A vida mata-me a vida
A vida mata-me o amor
A vida mata-me a noite
A vida mata-me a razão

O amor mata-me a vida
O amor mata-me o amor
O amor mata-me a noite
O amor mata-me a razão

Igualmente bem interessante é “A revolta do texto” do livro As palavras só-lidas (1979). No eixo sintagmático temos um sujeito e um predicativo do sujeito. Trata-se de um poema item ou poema caso. Morfologicamente temos artigo + substantivo + adjetivo + verbo de ligação + adjetivo. Sintaticamente temos: adjunto ADN + suj +adj ADN + pred. nominal + predicativo. do sujeito. Trata-se de anáforas metafóricas no exercício da metalinguagem. Predominam a função poética e a metalinguística.

A revolta texto
O texto revolta: é revolto, é revoluteante, é revoltoso, é revoltado, é revoltante, é revolitado, é revolvido.
O texto ruído: é rugido, é ruim, é rubídio, é ruivo, é ruína, é rúptil, é rumoroso, é rútilo, é ruptura, é rumorejo, é rugoso, é ruço.
O texto uso: é urze, é usura, é urubu, é urso, é ustão, é usurpador, é útero, é utopia, é útil, é urro, é uva, é uzifuro.
O texto muro: é música, é mútuo, é musa, é murro, é múmia, é mundial, é múnus, é murcho, é mural, é mutilado, é museu, é mutação, é mortal.
O texto vivo: é vário, é vazio, é vacina, é vaga, é vagaroso, é vagina, é vaivém, é vapor, é vândalo, é válvula é válido, é valete, é vaia, é vagem, é varíola, é varapau.
O texto pau: é pauta, é pávido, é pavio, é paz, é patim, é patente, é pastoril, é parente, é pássaro, é pai, é pasquim, é passageiro, é passível.
O texto impossível: é tórax, é traço, é três.
O texto volta: é volátil, é voltaico, é vômito, é voluta, é vogal, é volúpia, é volume, é vontade, é vulva, é vulnerável, é voz, é voraz, é revolta.

O poeta se utiliza de um amplo leque de possibilidades semânticas e sistêmicas. Anaforicamente temos a palavra texto que se complementa com uma série de adjetivos (“revolta”, “ruído”, “uso”, “muro”, “vivo”, “pau”, “impossível” e “volta”) e vai (circuns)crevendo a partir da primeira letra e adotando combinações rítmicas e sonoras. O texto poético adquire uma velocidade inaudita. E o poeta vai tecendo sua teia lírica que encorpa texto, vomita e volita significados inusuais. Em interessante jogo de palavras o poema mostra suas faces inter e intratextuais. Há uma série de reflexões contidas em cada “discurso poético”. O texto se renova e encadeia ressemantizações.
Nessa breve mostra de trabalhos do poeta português Melo e Castro, procuramos mostrar um pouco de sua poética que contempla não apenas as vanguardas europeias e brasileiras como imprime uma poética singular. O autor já declarou, por mais de uma vez, que não tem preferência por poemas visuais ou discursivos. Isso facilita o trabalho do leitor e do crítico, porque não é preciso ficar preso a discussões estéreis sobre se o que está sendo lido e/ou visto é poema ou não. Melhor é saber desfrutar da leitura de um texto literário e, sobretudo, de um grande poeta contemporâneo.

REFERÊNCIAS
CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; PIGNATARI, Décio. Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960. 4. ed. Cotia: Ateliê Editorial, 2006.
CASTRO, E. M. de Melo e. Livro de releituras e poiética contemporânea. Belo Horizonte: Veredas & Cenários, 2008. (Coleção Obras em Dobras).
_____. Antologia efêmera [poemas 1950-2000]. Rio de Janeiro: Lacerda, 2000. _____. O fim visual do século XX & outros temas críticos. GOTLIB, Nádia (org.). São Paulo: Edusp, 1993.
_____ & HATHERLY, Ana. PO-EX: textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa. Lisboa: Moraes Editora, 1981.
RAMOS, Isaac Newton Almeida. Vanguardas poéticas em permanência: a revalidação de Wlademir Dias-Pino e Silva Freire. Tese (doutorado em Letras) – Universidade de São Paulo – 2011. Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8156/tde-04052012-090630/pt-br.php. Acesso em: 17 dez. 2013.
POESIA EXPERIMENTAL. Disponível em http://www.po-ex.net/ . Acesso em: 17 dez. 2013.

_____________________
NOTAS:
42 Poeta suiço-boliviano que foi responsável por reunir artistas plásticos e poetas em vários países da Europa, sendo o principal interlocutor dos participantes do grupo Noigrandes.
43 Esse texto encontra-se em PO-EX: textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa. Moraes Editores: Portugal, 1981.
44 Na opinião do poeta e crítico isso teria acontecido logo após o 25 de abril de 1974, com a explosão visual que teria invadido cidades, vilas, aldeias e estradas de Portugal.  

FONTE:
“A Poesia Experimental Portuguesa de Melo e Castro”, Isaac Ramos (Departamento de Letras de Alto Araguaia UNEMAT – Universidade Estadual de Mato Grosso). Congresso Internacional da Associação Internacional de Professores de Literatura Portuguesa (24.: 2014: Campo Grande, MS). Anais do 24º Congresso Internacional de Professores de Literatura Portuguesa, 20 a 25 de outubro de 2013, Campo Grande/MS/Brasil [recurso eletrônico] / Santos, Rosana Cristina Zanelatto... [et al.], organizadores. – Campo Grande: Ed. UFMS, 2014.


Poderá também gostar de:

  • pOEsIA VISUAL”, Folha de Poesia, José Carreiro, 2010/12/10.



  • O homem-mãe” [de M. Cesariny de Vasconcelos], Folha de Poesia, José Carreiro, 2016/05/25




CARREIRO, José. “A Poesia Experimental Portuguesa de Melo e Castro”. Portugal, Folha de Poesia, 04-04-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/04/a-poesia-experimental-portuguesa-de.html


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domingo, 29 de março de 2020

Mécia de Sena

Mécia de Sena fotografada por Fernando Lemos na coleção do Museu Calouste Gulbenkian


Nas terras de além do mar
está meu Amor assentado.
Seus olhos fitam a noite,
Seu seio sobressaltado
respira em brandos soluços
nas cartas que está escrevendo
o meu silêncio de ausente,
de distante e de presente
no corpo que se torcendo
está de saudades de mim.

Oh meu amor, minha amada

Meus ouvidos, minha fala.

Jorge de Sena
Poema dedicado a Mécia de Sena, Rio de Janeiro, 22/8/1959.


Como quando indiscreto às coisas me insinuo
e de infinito amor lhes dou sentido
que de mim próprio é voz: precisão
de ser um ser que sendo as reconhece,
me vejo ambíguo e distraído e firme
na vã presciência que, rememorada,
é como um estar por sempre ininterrupto,
aliciando humanamente as coisas.

Mas, meu Amor, por ti tudo contemplo.
Por ti penetro como em ti em tudo
E torno realidade este fortuito
Encontro permanente de que vivo.
Mas em ti vivo. E mesmo noutro mundo
Eu te criara neste e às minhas coisas.

Jorge de Sena
Poema dedicado a Mécia de Sena, carta do Rio de Janeiro, de 03/10/1959



Bahia, 5.ª feira, 13/8/59
Minha querida Mécia, meu Amor
Faz hoje uma semana que parti, e curiosamente (acabo de olhar para o relógio) pego da caneta para te escrever quando, com as 4 horas de diferença (são 6 da tarde), a semana se cumpre exactamente. Semana vertiginosa de despaisamento, de tropicalismo, de trabalho insano desde que à Bahia cheguei (passei a tarde inteira fechado no quarto a preparar o relato da tese do Casais, para amanhã pela manhã, que tinha de ser feito agora, pois logo à noite vou ver a Cacilda Becker na Maria Stuart). É noite. Por entre nuvens, um crepúsculo vermelho que sumiu rápido atrás da imensa ilha de Itaparica que está aqui defronte dentro desta baía sem limites de que a cidade é uma parte mínima. A minha tristeza é imensa. As únicas notícias tuas que até hoje recebi são as que a mulher do Cidade me deu. Só quando estou totalmente exausto te não tenho escrito todos os dias as cartas ou partes de cartas que terás recebido, meu Amor. O Urbano levará esta, e por isso nela nada conto de especial senão o ar livre que se respira aqui e sem ti respiro, a amargura de não ter-te a meu lado nesta paz sem limites de uma noite quente e serena, em que saberia bem suarmos juntos. Isto é muito belo, de uma força tropical que se intromete nas ruas, e creio que poderíamos ser aqui, meu Amor e minha Vida, incrivelmente felizes. Assim, nem sei que possa dizer-te, roído de saudades, sem ouvir nas tuas cartas a tua voz e o teu conselho que são o meu arrimo e a minha consciência, inquieta a todo o instante por uma falta de notícias, que, comunicada, não aflige ninguém, de habituados que estão à fantasia destes correios de cá, em que um telegrama a avisar de uma chegada 3 dias antes, chega depois do avião em que o sujeito vem (aconteceu ao Pedro de Andrade ao ir daqui ao Rio, antes de eu chegar). Depois, com a ida dos Lourenços para a Europa, estou a ver que a minha tortura só terá alívio no Rio, se entretanto carta tua tiver chegado às mãos do António Pedro Rodrigues (aí, como o correio é directo, levará menos tempo a chegar, presumo). O Casais tem sido muito amigo, e abriu-se comigo, e creio que fui injusto na alucinação dos primeiros dias que não comunicarás a ninguém, de perigosa que é.Mas nada disto importa, senão o silêncio que me rodeia. Eu sei que estás sempre comigo, não só porque és a minha própria alma, como por teres o dom de invisível estares a meu lado sempre em toda a parte. Esse invisível, porém, me assusta. A tua presença, o teu calor, o teu afecto, o teu infinito amor de que os nossos filhos são, graças a Deus, a expressão viva, preciso de tudo isso agarrado a mim, colado a mim, na tua boca, nos teus olhos, no teu corpo que é o mais belo poço de ternura que jamais houve no mundo. Como se é injusto humanamente! Como pode ignorar-se e como só é de um e não poderia ser de mais ninguém (pois não seria assim, nem seria sequer) um tesouro maravilhoso como é a tua pessoa, meu Amor! Eu não tenho desejos senão de ti, e tudo o mais não conta, nem importa. Querida Mécia – é incrível que estejamos separados!
Até ao Rio, não desisto de resolver este problema – o da glória infinita do teu coração batendo ao pé de mim, em mim, e para mim, dos olhos às pontas dos dedos. Meu Amor, estou cansado da vida, tão cansado de ver-te sem paz, acabrunhada de trabalho e de aflições, num buraco sem horizontes como é a nossa vida. Mas nela brilha «uma pequenina luz», a luz do teu amor – como ninguém entendeu que não há mais luzes, que toda a minha «fidelidade» é a ti? Beijo-te com uma profunda saudade, abraço-te com uma dorida ternura, e não me distraio um só momento da tua imagem tutelar, que beijo, beijo, beijo.
Teu do coração
Jorge

Carta de Jorge de Sena a Mécia de Sena. Bahia, 13-08-1959

***
Lx., 14/8/59
Meu amor, meu querido Jorge
Faz amanhã oito dias que chegaste à Bahia e ainda de lá não tive notícias tuas. É esta a última carta que te escrevo para aí e possivelmente a última que te escrevo mesmo pois não sei se vais ou não a S. Paulo e ao Rio e ao cuidado de quem, para lá, te poderei escrever.
É horroroso estar assim sem notícias tuas. Fico sem ter que dizer, e, contudo, levo o dia angustiada. Eu sei que me tens escrito todos os dias mas esses correios malditos levam séculos e quase teremos que dar uma velinha a S. António se acabam por chegar mesmo.
Ontem um incêndio destruiu totalmente a igreja de S. Domingos. Se ao menos aproveitassem a oportunidade para acabar com aquela garganta e ligassem o Rossio a Martim Moniz, não era nada mau. Mas se calhar vão pôr ali um mastronço qualquer ou fazer uma estúpida reconstituição. À noite a convite da Maria Lamas, fui ao Restelo ver a «Grande Estrela Azul». Uma coisa italiana bem feita, sem concessões de happy end mas muito lenta de acção, com interpretações boas mas não excepcionais. Uma coisa um pouco deprimente ou o meu estado de espírito é que anda deprimido.
De resto tenho andado sempre tão próxima do limite nervoso que por vezes não sei como me aguento.
Ontem veio a Revista do Livro, por sinal três exemplares do n.º 13. Calculo que um exemplar seja para dar à Sophia com quem já falei pois vem uma extensa crítica aos livros dela, do Fern. [Fernando] Mendes Viana. Diz bem, diz mal, diz muitas coisas acertadas, outras que não concordo, mas é sempre agradável uma pessoa que leu e releu cuidadosamente tudo o que está cheio de vontade de acertar. E vai dizendo que a Sophia69 é um dos grandes da língua portuguesa, actualmente.
O correio nada trouxe digno de menção: uns recortes, a Vértice, não sei se mais alguma coisa. Tanta curiosidade tenho em relação ao Colóquio e nada saberei, naturalmente, tão cedo.
Tenho-me visto um pouco atrapalhada com a Literatura Inglesa por causa de me teres levado o livro. Ontem tive mesmo de escrever ao Rogério para esclarecer uma dúvida.
Ando tão esgotada que só me apetecia ir para onde não visse gente. A condição humana começa a enjoar-me só porque o é, independentemente do mais que é ou não é. Tanta abjecção, tanta, luta, tanta torpeza, e ao fim e ao cabo para nada.
Se minha mãe tivesse pensado alguma vez cinco minutos em que a vida acaba em vez de viver no pavor do fim; se em vez de pensar nas gratidões aos filhos tivesse pensado na minha vida, nada disto seria, ou pelo menos tudo poderia estar simplificado, mas não, as bondades, as gratidões, as delicadezas, os subterfúgios para se não encarar a realidade da vida, e a resultante de terem outros que enfrentar realidades muito piores. – Que heresia pareceria isto às almas delicadas que fazem dos mortos múmias da perfeição, em vez de já não vivos! E contudo nada tem que ver com a saudade que as pessoas deixam, com a veneração que se lhes tribute, com o respeito que se dedique à memória. E tu sabes bem que irreparável vazio fez minha mãe na minha vida e quanto a dor de a ter perdido é ainda viva e quanto a tento iludir com a distância que por vezes tento pensar que é a normal e não a definitiva.
Perdoa, meu querido Jorge. Quando estás comigo até a dor dos que a minha estima perdeu é mais suave, mas quando estás longe tudo é negro, tenebroso. Nunca fiquei tão só e ainda por cima tão sem notícias e depois… com o pavor dos desastres que era uma coisa que não tinha, no dolce far niente em que vivia de que só aconteceria aos outros e agora me parece que é a mim que tudo vai acontecer.
Terei ainda hoje notícias tuas? Manda-as por toda a gente que venha antes de ti. O Adriano telefonou a saber se já tinhas escrito e manda-te um abraço. O Dr. Lá foi hoje para Bruxelas e Paris com a Maria. Sinto-me insuportavelmente só, meu amor. Beijo-te, beijo-te cheia de saudades e de amor.
Tua sempre
Mécia

Carta de Mécia de Sena a Jorge de Sena. Lisboa., 14/08/1959
Fonte: Correspondência. Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965), Maria Otília Pereira Lage (org.). Coedição de  CITCEM, FLUP e Edições Afrontamento, março de 2013.


    Dimensões analíticas na correspondência de Mécia com Jorge de Sena

Numa primeira aproximação geral a características evidentes desta correspondência salienta-se que a mesma:
a) Ilustra, impressiva e expressivamente, numa memória viva de sua época e em diferentes períodos históricos, traços singulares biográficos, identidades intelectuais e facetas marcantes da cultura portuguesa contemporânea de que os correspondentes são personalidades destacadas;
b) Apresenta um pendor simultaneamente histórico (documental e vivencial) e epistolar literário, inscrevendo-se em e enriquecendo a significativa tradição epistolográfica portuguesa;
c) Representa uma componente fundamental do espólio literário seniano, cuja constituição ilumina, documentando ainda momentos importantes do processo de produção histórica e social da intensa e polifacetada obra literária e ensaística de Jorge de Sena, um dos nomes maiores da nossa literatura contemporânea;
d) Atravessada por um manancial de experiências individuais, pessoais e sociais, minuciosamente registadas, nela se evidencia claramente uma vasta e densa rede de relações literárias, culturais e sociais, amizades e afectos, mútuas e recíprocas paixões, como a literatura, a música, a edição, a tradução, e outras formas de expressão intelectual. Só esta dimensão em si própria, altamente promissora, exigiria não só um enquadramento analítico e metodológico, adequado à sua complexidade, plural e transversalmente consistente, mas sobretudo e ainda uma linha de investigação específica no quadro inclusive da fecunda teoria sociológica «actores-redes» a desenvolver em projecto próprio e autónomo, por equipa pluridisciplinar.

Um primeiro estudo panorâmico empreendido na linha das perspectivas traçadas permite destacar desde logo as seguintes dimensões de relevância analítica, outras tantas hipóteses de interpretação a ter em conta:
a) Sendo já incontestável que a obra literária seniana (e mais especificamente a sua poesia), é acentuadamente «testemunhal», no sentido em que exprime as transformações da experiência da vida e da escrita, tal característica confere à sua correspondência uma relação intrínseca com a produção social e histórica da sua própria obra;
b) Nessa medida, as constantes cartas trocadas com inúmeros e destacados interlocutores, em que as cartas para Mécia assumem destaque particular, constituem um dispositivo maquínico de escrita;
c) Por outro lado, tal correspondência configura-se, ao nível dos seus conteúdos, como um prodigioso repositório de referências políticas, económicas, sociais e culturais e também como um autêntico diário ininterrupto escrito a quatro mãos em reciprocidade permanente, ao nível do fluxo de escrita e comunicacional, em que se torna evidente o «tudo dizer» próprio do modo de ser da literatura;
d) Para além da constante presença do amor, da paixão humana e do corpo-escrita densamente impregnados de erotismo e sexualidade, evidencia ainda esta correspondência que Jorge e Mécia viviam como se houvesse entre ambos um pacto de viver um para o outro e um pelo outro (o que aliás era notado em conversas entre amigos em que cada um parecia estar a adivinhar o que o outro ia dizer, adiantando-se-lhe por vezes e completando-se, outras);
e) Por sua vez, a escrita epistolar de Mécia de Sena é marcada por três grandes linhas de força: o uso evidente de uma linguagem etnograficamente ancorada, rés à vox populi; um estilo de prosa pragmática sem deixar de ser literária que evoca ora a limpidez poética de Cesário Verde, ora a escrita ficcional do quotidiano de Irene Lisboa; e ainda a expressão do exercício da paixão onde o esplendor dos corpos e do desejo se manifestam em toda a sua genuinidade.

Ler mais em: Mécia de Sena e a escrita epistolar com Jorge de Sena: para a história da Cultura portuguesa contemporânea, Maria Otília Pereira Lage (org.). Coedição de  CITCEM, FLUP e Edições Afrontamento, dezembro de 2015.




  Um – ao cabo da terra
  Outro – para além dela
  Ambos – a dimensão do homem
  E de uma estrela.

Poema de Veiga Leitão dedicado a Mécia de Sena e a Jorge de Sena e transcrito por Mécia de Sena em carta para Jorge de Sena enviada de Assis, a 11 de janeiro de 1960


Morreu Mécia de Sena, escritora e guardiã do “para sempre” que a ligou a Jorge de Sena

Mécia de Sena, morreu aos 100 anos em Los Angeles.

A escritora portuguesa Mécia de Sena, viúva do escritor Jorge de Sena e organizadora da sua obra, morreu, no sábado, em Los Angeles, nos Estados Unidos da América, aos 100 anos, disse à agência Lusa fonte da família.
“Mécia de Sena, a viúva de Jorge de Sena, faleceu esta manhã, 28 de Março, em Los Angeles, Califórnia. A família pede a amigos e conhecidos que respeitem a sua privacidade, neste triste momento”, lê-se na mensagem de um dos seus filhos.
Nascida em Leça da Palmeira, em 16 de Março de 1920, Mécia de Freitas Lopes Sena era filha do músico e compositor Armando Leça, investigador do “Cancioneiro Musical Popular Português”, e irmã do professor, crítico e historiador Óscar Lopes (1917-2013). Formada em Ciências Histórico-Filosóficas, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, detentora do curso do Conservatório de Música do Porto, foi professora, primeiro, e, depois do casamento, em 1949, "colaboradora literária” de Jorge de Sena, e “à altura dele”.
A opinião é do próprio escritor, para quem, “sem o [seu] apoio, não teria sido possível realizar talvez metade do que realizou, quer como autor, quer como professor”, recordou Rui Silvino de Freitas Lopes, na sua crónica familiar, citada pela investigadora Maria Otília Pereira Lage, na obra “Mécia de Sena e a escrita epistolar com Jorge de Sena: Para a história da cultura portuguesa contemporânea”.
As cartas e a escrita de natureza diarística marcam a produção literária de Mécia de Sena, nomeadamente a obra inédita “Flashes”, que Otília Pereira Lage evoca como exemplo de literatura intimista e de expressão “micro-textual”, predominantemente sob “a forma de um diálogo continuado [com Jorge de Sena], que a morte deixara em suspenso”.
A investigadora destaca igualmente “a modernidade” da produção literária de Mécia de Sena, estabelecendo “uma relação possível com a prática de escrita de diários de outros autores”, como Miguel Torga.
“Uma mulher ímpar, corajosamente à altura dos imensos desafios de uma vida intensa, que atravessa as mudanças sociais, políticas e culturais de grande parte do século XX, quer em Portugal, quer no seu longo exílio no Brasil [1959-1965] e nos Estados Unidos da América”, onde se fixou com o marido, após o golpe militar de 1964, que deu origem a 20 anos de ditadura brasileira.
Mécia de Sena casou-se com Jorge de Sena quando este era um engenheiro civil da Junta Autónoma de Estradas (1948-1959). Partiu com ele para o exílio, quando a ditadura do Estado Novo os cercou. Fixaram-se no Brasil, onde o escritor ensinou Literatura, e de onde partiu para a Universidade do Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos, antes de se fixar em Santa Barbara, Califórnia, onde foi catedrático de Literatura Comparada.
A morte precoce de Jorge de Sena, em 1978, aos 59 anos, abriu “um terceiro período na vida de Mécia de Sena”, deixando-lhe em mãos “uma quantidade monumental de projectos não realizados [do escritor], toneladas (...) de manuscritos, propósitos de livros de prosa e versos, correspondência”, segundo Rui Silvino de Freitas Lopes.
A partir de então, Mécia de Sena assumiu a organização, documentação e edição do espólio literário do autor de “Sinais de Fogo”, assim como a promoção e revelação da sua obra, da sua real dimensão, com a preocupação de concretizar “todos os sonhos que eram os do marido”, segundo o irmão da escritora.
Todos os títulos surgidos desde então, tiveram Mécia de Sena na origem. “A obra dele é imensa”, disse a escritora numa carta dirigida em 1991 ao jornal Público, na qual confessava fazer “esforços inauditos para que [seu] marido [fosse] honestamente publicado”.
“Isto tudo que nos Rodeia”, volume editado pela Imprensa Nacional, em 1982, revelou as cartas de amor de ambos. E inaugurou também um segmento determinante na obra de Jorge de Sena, a escrita epistolar, que atravessou grande parte do século e se cruzou com figuras do meio literário português como Sophia de Mello Breyner Andresen, João Gaspar Simões, José Régio, Vergílio Ferreira, Eduardo Lourenço, José-Augusto França, Delfim Santos e António Ramos Rosa.
“Jorge de Sena: bio-bibliografia”, em coedição com Isabel de Sena, “Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena “Vita Nuova"” são outros volumes em que o diálogo de ambos se cruza. Mas foi no primeiro, nesse que dimensionava “isto tudo que nos rodeia”, que Mécia de Sena viria a revelar o seu primeiro encontro com o escritor.
“Entre os vários rapazes com quem dancei, houve um que fora totalmente desconhecido. À despedida, perguntara-me o meu nome. Meses depois, cruzámo-nos numa conferência (...). Passados outros meses, encontrámo-nos num recital (...). Disse-me que também escrevia poemas (...). O nosso conhecimento mútuo a bem dizer nem se iniciara e iria fazer-se através de correspondência que se lhe seguiu”.
A rejeição do “caminho mais fácil” entre ambos, “deu lugar a uma confiança e uma identificação que dificilmente poderão ter paralelo”, escreveu então Mécia de Sena. “Não sem agruras e com algumas duras provas, ambas resistiram durante quase 30 anos, afinal o nosso “para sempre” dignamente cumprido”.
Este domingo, o Presidente da República lamentou a morte da escritora portuguesa. "Comemorámos no ano passado o centenário do nascimento de Jorge de Sena, um dos grandes escritores portugueses, e agora despedimo-nos de Mécia de Sena, sua mulher, que tinha há pouco completado 100 anos”, escreveu Marcelo Rebelo de Sousa numa nota hoje publicada no portal da Presidência da República.
“Nascida num meio culto do Porto, filha de Armando Leça, irmã de Óscar Lopes, Mécia de Sena cursou Histórico-Filosóficas e casou-se em 1949 com Jorge de Sena, que acompanharia no exílio brasileiro e depois americano, com quem teria nove filhos, e de quem seria a mais zelosa colaboradora e mais tarde herdeira literária, editando numerosos livros inéditos, colectâneas de textos, antologias, volumes de correspondência, um colosso bibliográfico que dá ao mesmo tempo conta do génio omnívoro de Jorge de Sena e da devoção de décadas de Mécia de Sena”, refere o chefe de Estado na mesma nota.



Ligações externas

Correspondência(s) Mécia/Jorge de Sena (Evocação de Carrazeda, Anos 40), Maria Otília Pereira Lage. Guimarães, Universidade do Minho, 2007.

Correspondência. Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965), Maria Otília Pereira Lage (org.). Coedição de  CITCEM, FLUP e Edições Afrontamento, março de 2013.

Mécia de Sena e a escrita epistolar com Jorge de Sena: para a história da Cultura portuguesa contemporânea, Maria Otília Pereira Lage (org.). Coedição de  CITCEM, FLUP e Edições Afrontamento, dezembro de 2015.

Redes Sociais e epistolografia: correspondência entre Jorge de Sena e Mécia de Sena (século XX)”, Maria Otília Pereira Lage. CEM Cultura, Espaço & Memória, n.º 8, revista editada pelo CITCEM, em 2017.

O essencial sobre Jorge de Sena, Jorge Fazenda Lourenço. 2.ª edição revista e aumentada, INCM, 2019

 

 

 


CARREIRO, José. “Mécia de Sena”. Portugal, Folha de Poesia, 29-03-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/03/mecia-de-sena.html