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quinta-feira, 26 de outubro de 2006

FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO

                           
                           
                           
“Dois poderosos mitos fizeram-nos acreditar que o amor podia, devia sublimar-se em criação estética: mito socrático (amar serve para criar uma multidão de belos e magníficos discursos) e o mito romântico (produzirei uma obra imortal escrevendo a minha paixão).”
                           
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso1977
                           
                           
                           
                           
                           
FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO
                           
I. PROTESTO
                           
Perco por te fazer perder de mim
que a recusa se faz resposta a outra recusa
ou tão só adiamento. E porque o que parece é
abandono aqui o caminho por que te sigo
por que conduzes.
                          
                           
II. RECOMECEMOS
                           
Voltaste para mais perto
vejo na cidade muitos sinais de ti
liturgias, convites e recusas que o amor produz.
Em tudo estarias comigo
mais do que uma saudação interceptada
que se fragmenta e em pedaços cai
sobre mim.
As palavras são cordéis
o desejo letras
o amor é aí.
Onde estiveres te encontre
nada será indiferente
dirás sim ou adeus
sim ou adeus definitivamente.
                           

José Maria de Aguiar Carreiro

Chuva de Época, Ponta Delgada, 2005..





A CASA ONDE NOS ABRIGAMOS
                           
A casa onde nos abrigamos, continente repovoado,
lança-nos para lá do limiar da entrada.
O sono suspende, pendular, o vaguear dos sentidos.
Resta uma preocupação desmedida de pertença:
o frio junta as paredes contidas de nossos corpos
e atravessa a casa, abrigo nocturno,
contentor de desvelos inúteis.
                           
A casa esvazia-se:
tenho nítida remanescente
a imagem das três paredes
o desconforto do chão
o vento fresco da noite
o som das ondas.
                           
A casa está perdida
o rosto iluminado retém ainda algo de si
sulco no tempo o corpo
o desenho do corpo
o árbitro.
                           

José Maria de Aguiar Carreiro

Chuva de Época, Ponta Delgada, 2005.
                           
                           
                           
                           
                           
      Segundo Arturo Casas (Universidade de Santiago de Compostela, 2006), a poética elíptica de José Maria de Aguiar Carreiro apresenta uma “decidida tematización da espacialidade, da habitabilidade, dos ocos e os baleiros revisitados ou presaxiados, dos segmentos de vida formulada. Mediterráneo acaso malia o lugar onde foi pensado, grego na semántica como o foron algúns dos arcaicos, entregando case todo ao non dito ou só suxerido, e sendo á vez, en simultaneidade inesquivábel, metadiscursivos, reiterados e autorreferentes na textualidade que se demora como coordenadas non só da escrita senón tamén do experimentado, da vida en suma e dos seus azares obxectivos.”




CARREIRO, José. “Fragmentos de um discurso amoroso”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 26-10-2006. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2006/10/fragmentos-de-um-discurso-amoroso.html (2.ª edição) (1.ª edição: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2006/10/26/CHUVA-DE-_C900_POCA-ou-NADA-NUNCA-DE-NINGU_C900_M-_2800_2_2900_.aspx)


                      

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