Poemas ilustrativos da dimensão engenhosa e lúdica da poesia barroca.
ÀS POESIAS QUE SE FIZERAM
A UMA QUEIMADURA DA MÃO DE UMA SENHORA
A UMA QUEIMADURA DA MÃO DE UMA SENHORA
Ó mão não de cristal, não mão nevada,
Mão de relógio sim, pois que pudeste
Nesta mísera terra em que nasceste
Fazer dar tanta infinda badalada.
Mão de relógio sim, pois que pudeste
Nesta mísera terra em que nasceste
Fazer dar tanta infinda badalada.
Que mão de almofariz enxovalhada
Foi tal, como tu foste, ó mão celeste,
Pois foste, quando mais resplandeceste,
Em tantas de papel tão mal louvada.
Foi tal, como tu foste, ó mão celeste,
Pois foste, quando mais resplandeceste,
Em tantas de papel tão mal louvada.
Nem de Cévola a mão negra e grosseira,
Queimada entre morrões publicamente,
Merecia tão míseras poesias.
Queimada entre morrões publicamente,
Merecia tão míseras poesias.
Mas louvo-as de subtis em grã maneira,
Pois que para apagar a flama ardente
Se fizeram de indústria assi tão frias
Pois que para apagar a flama ardente
Se fizeram de indústria assi tão frias
D. Tomás de Noronha, Fénix Renascida, V
[AO DESEMBARGADOR BELCHIOR DA CUNHA BROCHADO]
Gregório de Matos
O Cardo e a Rosa, Poesia do Barroco AlemãoLisboa, Assírio & Alvim, 2002, pp. 105-104
Selecção e prefácio de João Barrento.
Selecção e prefácio de João Barrento.
SOBRE O CARÁCTER LÚDICO DOS TEXTOS VISUAIS DO BARROCO PORTUGUÊS
O caráter lúdico da arquitetura labiríntica tem o seu equivalente literário nos textos visuais do barroco português, em que a pluralidade de leituras é obtida pela disposição espacial das palavras e linhas e pelo emprego de recursos como o emblema, o acróstico, o anagrama, a “escrita diabólica” (texto redigido ao contrário, para ser lido no espelho), a figuração textual mimética de cálices, crucifixos, mapas celestes ou hieróglifos. Os labirintos poéticos, como esse gênero passou a ser conhecido, desenvolveram “um novo modo de ler os textos, as imagens e tudo o que historicamente se nos oferece como leitura” (HATHERLY, 1995a: 12), subvertendo o “percurso horizontal da esquerda para a direita, de cima para baixo. Desse processo de subversão e de liberação de energias, a visão da escrita saiu revigorada, reanimada, reinventada” (idem, 38).
O labirinto poético demanda não apenas o pensamento , mas sobretudo o olhar de quem o observa: “já não se trata de acompanhar um texto por uma imagem ou vice-versa, trata-se de produzir um texto que seja simultaneamente texto e imagem, numa só consistência, como acontecera na Antiguidade” (idem, 45).
Comentando os textos visuais do poeta latino Públio Optaciano Porfírio, do século IV, que inaugurou no Ocidente a tradição do labirinto, Ana Hatherly diz que, nesses poemas, “forma, cor, metro, signos constituem um tecido de relações tão interdependentes quanto vitais para a construção global do texto que, através da comunicação icônica, é concebido para funcionar a partir de um primeiro impacto visual” (idem, 74).
Esta definição poderia ser aplicada a um poema de 1743, como o Soneto acróstico esférico, de frei Francisco da Cunha, dedicado à rainha Maria Thereza da Áustria, cujo nome “determina a composição e a colocação dos versos” (idem, 48). Nesse labirinto, o centro é ocupado pela letra A maiúscula, e à sua volta são dispostos, de maneira circular, formas visuais, palavras e frases compostas a partir das letras do nome da soberana, que devem ser lidos da circunferência para o centro, num procedimento que incorpora o movimento rotatório ao ato da leitura.
A fusão híbrida de texto e imagem e a diversidade de vias interpretativas que verificamos nos textos visuais barrocos já se encontravam na escrita hieroglífica, nos pictogramas sumérios, nos ideogramas orientais, nos labirintos poéticos de Porfírio, nas technopaigniae gregas, nas carmina figurata medievais, nas composições renascentistas, mas é no barroco que alcançariam seu fulgor maior, quando, segundo Affonso Ávila, a forma artística “se abre em indeterminação de limites e imprecisão de contornos”, apelando para “os recursos da impressão sensorial”, não desejando apenas “conter a informação estética” (ÁVILA, 1994: 58). O poeta barroco visava comunicar a mensagem artística sob um grau de tensão que levasse o espectador “da simples esfera da plenitude intelectual e contemplativa para uma estesia mais franca e envolvente — mais do que isso, para um êxtase dos sentidos sugestionadamente acesos e livres” (idem).
Para obter esse efeito encantatório, diz Ávila, o poeta barroco adotou um “processo lúdico de encadeamento seja de formas plásticas, seja de palavras” (idem, 95). O caráter altamente sensorial do labirinto poético está presente não apenas em sua configuração visual, mas também na estrutura sonora: a repetição de uma frase, palavra ou mesmo de um fonema era “um elemento altamente significativo (...), reinserindo-se pelo menos em parte, na categoria dos mantras, das ladainhas, das litanias e das outras formas de oração encantatória” (HATHERLY, 1995a: 108-09).
A forte sugestão sonora e visual dos labirintos poéticos relacionava-se com uma visão mágica do mundo, resultante da “fusão do paganismo, do cabalismo e do hermetismo em geral, que estão na base dum complexo sincretismo filosófico e estético” (idem, 109), tendência cultural heterodoxa que atravessou a Idade Média e o Renascimento para desembarcar na cultura miscigenada do barroco, em que conviviam a ascese mística da fé católica, a herança de antigas heresias e religiões pagãs e a luxúria das formas de representação estética. A visão mágica do mundo é traduzida no labirinto poético pelo “simbolismo místico de sons, letras, números, formas geométricas” (idem), de onde podem ser extraídos “níveis de significação neles ocultos e sobrepostos (...) quer a sua intenção seja mágica, mística, laudatória ou simplesmente lúdica” (idem, 108).
Claudio Alexandre de Barros Teixeira,
A estética do labirinto: barroco e modernidade em Ana Hatherly
A estética do labirinto: barroco e modernidade em Ana Hatherly
São Paulo, Universidade de São Paulo, 2009.
PROPOSTA DE ESCRITA RECREATIVA, EXPRESSIVA E LÚDICA
SOBRE A FRAGILIDADE DA VIDA HUMANA
SOBRE A FRAGILIDADE DA VIDA HUMANA
Os sonetos que se seguem
são da autoria de dois poetas da época barroca e versam o tema da efemeridade
da vida – que constitui, como é sabido, um lugar-comum desta literatura. Este
tema, aliás, é intemporal e universal, unindo poetas de todos os tempos e
escolas literárias.
Ambos os textos
encontram-se truncados. Completa-os de forma lógica, mantendo o tom poético
(linguagem conotativa) e respeitando as seguintes características:
As construções
paralelísticas em que os sonetos se apoiam, jogos de palavras, antonímias,
sinonímias;
Os versos
decassilábicos;
O esquema
rimático ABAB ABBA CDE CDE (soneto de Francisco de Vasconcelos)
e ABBA ABBA
CDC DCD (soneto de Gregório de Matos)
…………………….
nas praias derrotado
Foi
nas ondas …………………….;
Esse
farol …………………….
…………………….
gala do prado.
…………………….em
cinzas desatado
Foi
vistoso pavão …………………….
Esse
estio …………………….
…………………….
em doce agrado.
Se
a nau, o sol, a rosa, a primavera
Estrago,
eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem
nos auges de um alento vago,
Olha,
cego mortal, e considera
Que
és rosa, primavera, sol, baixel,
Para
ser …………,…………,…………,………….
Francisco de Vasconcelos
|
Esse
farol do céu, …………………….
…………………….
pompa inchada,
Essa
flor da manhã, …………………….
…………………….,
galha florida,
…………………….
da noite escurecida,
É
destroço …………………….
…………………….
da tarde abreviada,
É
despojo …………………….
Se
o sol, se a nau, se a flor, se a planta toda
A
ruína maior nunca se veda;
Se
em seu mal a fortuna sempre roda;
Se
alguém das vaidades não se arreda,
Há-de
ver (se nas pompas mais se engoda),
Do
sol, da nau, da flor, da planta, …………………….
Gregório de Matos
|
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[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2010/11/04/barrocoludico.aspx]