Páginas

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

POESIA LÚDICA BARROCA

     Poemas ilustrativos da dimensão engenhosa e lúdica da poesia barroca.
    
    
      
ÀS POESIAS QUE SE FIZERAM
A UMA QUEIMADURA DA MÃO DE UMA SENHORA
    
Ó mão não de cristal, não mão nevada,
Mão de relógio sim, pois que pudeste
Nesta mísera terra em que nasceste
Fazer dar tanta infinda badalada.
     
Que mão de almofariz enxovalhada
Foi tal, como tu foste, ó mão celeste,
Pois foste, quando mais resplandeceste,
Em tantas de papel tão mal louvada.
    
Nem de Cévola a mão negra e grosseira,
Queimada entre morrões publicamente,
Merecia tão míseras poesias.
    
Mas louvo-as de subtis em grã maneira,
Pois que para apagar a flama ardente
Se fizeram de indústria assi tão frias
    
    
D. Tomás de Noronha, Fénix Renascida, V
    
    
    
   
    
             [AO DESEMBARGADOR BELCHIOR DA CUNHA BROCHADO]
        

       
       
    
                                                                                                                                Gregório de Matos
    
    
    
    
    

    
    
    
      
   
       
    
   labirinto - Maria Sophia 
    
    
     
    
    
     
     
      
    
    
     
     
     
   
    
   
    

                                                                                
         
     
     
     
          
         
  
O Cardo e a Rosa, Poesia do Barroco AlemãoLisboa, Assírio & Alvim, 2002, pp. 105-104
Selecção e prefácio de João Barrento.
  
  
  
      
              
  
  
      
            SOBRE O CARÁCTER LÚDICO DOS TEXTOS VISUAIS DO BARROCO PORTUGUÊS
      
O caráter lúdico da arquitetura labiríntica tem o seu equivalente literário nos textos visuais do barroco português, em que a pluralidade de leituras é obtida pela disposição espacial das palavras e linhas e pelo emprego de recursos como o emblema, o acróstico, o anagrama, a “escrita diabólica” (texto redigido ao contrário, para  ser lido no espelho), a figuração  textual mimética  de cálices, crucifixos, mapas   celestes ou hieróglifos.  Os labirintos poéticos, como esse gênero passou a ser conhecido, desenvolveram  “um novo modo de ler os textos, as imagens e tudo o que historicamente se nos oferece como leitura” (HATHERLY, 1995a: 12), subvertendo o “percurso horizontal da esquerda para a direita, de cima para baixo. Desse processo de subversão e de liberação de energias, a visão da escrita saiu revigorada, reanimada, reinventada” (idem, 38).
     
O labirinto poético demanda não apenas o pensamento , mas sobretudo o olhar de quem o observa: “já não se trata de acompanhar um texto por uma imagem ou vice-versa, trata-se  de produzir um  texto  que  seja simultaneamente   texto e  imagem,  numa  só consistência, como acontecera na Antiguidade” (idem, 45).
     
Comentando os textos visuais do poeta latino Públio Optaciano Porfírio, do século IV, que inaugurou no Ocidente a tradição do labirinto, Ana Hatherly diz que, nesses poemas, “forma, cor, metro, signos constituem um tecido de relações tão interdependentes quanto vitais para a construção global do texto que, através da comunicação icônica, é concebido para funcionar a partir de um primeiro impacto visual” (idem, 74).
     
Esta definição poderia ser aplicada a um poema de 1743, como o Soneto acróstico esférico, de frei Francisco da Cunha, dedicado à rainha Maria Thereza da Áustria, cujo nome “determina a composição e a colocação dos versos” (idem, 48). Nesse labirinto, o centro é ocupado pela letra A maiúscula, e à sua volta são dispostos, de maneira circular,  formas  visuais, palavras e  frases compostas  a  partir  das letras  do nome da soberana, que devem ser lidos da circunferência para o centro, num procedimento que incorpora o movimento rotatório ao ato da leitura.


     





A  fusão híbrida de texto e imagem e a diversidade de vias interpretativas que verificamos  nos textos  visuais barrocos  já se encontravam  na escrita  hieroglífica,  nos pictogramas sumérios, nos ideogramas orientais, nos labirintos poéticos de Porfírio, nas technopaigniae  gregas, nas  carmina figurata medievais, nas composições renascentistas, mas é no barroco que alcançariam seu fulgor maior, quando, segundo Affonso Ávila, a forma artística “se abre em indeterminação de limites e imprecisão de contornos”, apelando para “os recursos da impressão sensorial”,  não desejando apenas “conter a informação estética” (ÁVILA, 1994: 58). O poeta barroco visava comunicar a mensagem artística sob um grau de tensão que levasse o espectador  “da simples esfera da plenitude intelectual e contemplativa para uma estesia mais franca  e envolvente — mais do  que isso, para um êxtase dos sentidos sugestionadamente acesos e livres” (idem).
   
Para obter esse efeito encantatório, diz Ávila, o poeta barroco adotou um “processo lúdico de encadeamento seja de formas plásticas, seja de palavras” (idem, 95). O caráter altamente sensorial do labirinto poético está presente não apenas em sua configuração visual, mas também na estrutura sonora: a repetição de uma frase, palavra ou mesmo de um fonema era “um elemento altamente significativo (...), reinserindo-se pelo menos em parte, na categoria  dos  mantras, das ladainhas, das litanias  e  das outras formas de oração encantatória” (HATHERLY, 1995a: 108-09).
   
A forte sugestão sonora e visual dos labirintos poéticos  relacionava-se com uma visão mágica do mundo, resultante da “fusão do paganismo, do cabalismo e do hermetismo em geral, que estão na base dum complexo sincretismo filosófico e estético” (idem, 109), tendência cultural heterodoxa que atravessou  a  Idade Média e  o  Renascimento para desembarcar na cultura miscigenada do barroco, em que conviviam a ascese mística da fé católica,  a  herança  de  antigas heresias  e religiões  pagãs e  a luxúria das formas  de representação estética. A visão mágica do  mundo é traduzida no labirinto poético pelo “simbolismo místico de sons, letras, números, formas geométricas” (idem), de onde podem ser extraídos “níveis de significação neles ocultos e sobrepostos (...) quer a sua intenção seja mágica, mística, laudatória ou simplesmente lúdica” (idem, 108).
  
São Paulo, Universidade de São Paulo, 2009.


   
PROPOSTA DE ESCRITA RECREATIVA, EXPRESSIVA E LÚDICA
SOBRE A FRAGILIDADE DA VIDA HUMANA

Os sonetos que se seguem são da autoria de dois poetas da época barroca e versam o tema da efemeridade da vida – que constitui, como é sabido, um lugar-comum desta literatura. Este tema, aliás, é intemporal e universal, unindo poetas de todos os tempos e escolas literárias.
Ambos os textos encontram-se truncados. Completa-os de forma lógica, mantendo o tom poético (linguagem conotativa) e respeitando as seguintes características:
As construções paralelísticas em que os sonetos se apoiam, jogos de palavras, antonímias, sinonímias;
Os versos decassilábicos;
O esquema rimático ABAB ABBA CDE CDE (soneto de Francisco de Vasconcelos) e ABBA ABBA CDC DCD (soneto de Gregório de Matos)

……………………. nas praias derrotado
Foi nas ondas …………………….;
Esse farol …………………….
……………………. gala do prado.

…………………….em cinzas desatado
Foi vistoso pavão …………………….
Esse estio …………………….
……………………. em doce agrado.

Se a nau, o sol, a rosa, a primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,

Olha, cego mortal, e considera
Que és rosa, primavera, sol, baixel,
Para ser …………,…………,…………,………….

Francisco de Vasconcelos


Esse farol do céu, …………………….
……………………. pompa inchada,
Essa flor da manhã, …………………….
……………………., galha florida,

……………………. da noite escurecida,
É destroço …………………….
……………………. da tarde abreviada,
É despojo …………………….

Se o sol, se a nau, se a flor, se a planta toda
A ruína maior nunca se veda;
Se em seu mal a fortuna sempre roda;

Se alguém das vaidades não se arreda,
Há-de ver (se nas pompas mais se engoda),
Do sol, da nau, da flor, da planta, …………………….

Gregório de Matos



PODERÁ TAMBÉM GOSTAR DE:




[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2010/11/04/barrocoludico.aspx]

Sem comentários:

Enviar um comentário