in O Sol nas Noites e o Luar dos Dias Is/l, Círculo de Leitores, 1993, p. 229.
Lisboa, Ed. Caminho, 1977.
Livro Sexto, 1962
O poema [“Pranto pelo dia de hoje”, de Sophia de Mello Breyner
Andresen,] apresenta-se em uma forma simples, um bloco de oito versos maioritariamente
decassílabos que trazem a angústia daqueles que ousam lutar e criar em um
ambiente marcado pela coerção e cerceamento ideológico. Nos dois versos dodecassílabos
que se repetem, “Nunca choraremos bastante quando vemos”, observamos a voz
poética afirmar que nenhum pesar é suficiente para um gesto criador que é
cerceado e nenhuma lamentação soluciona a luta daqueles que foram destruídos por
sua ação. A referência à censura pode ser lida por meio dos verbos “impedir”,
que se associa à limitação da liberdade de expressão praticada pelo governo do
Estado Novo, e “destruir”, que sugere a violência com que é executada a ação de
controle político.
Há, novamente, o aspeto de falsidade, perversão moral
e traição, que aparecem nas imagens de “insídia” e “venenos”. O termo “insídia”
significa “espera às escondidas do inimigo, para investir sobre ele; tocaia,
emboscada, cilada; falta de lealdade; traição, cilada; ardil, estratagema,
intriga” (Dicionário Eletrônico Houaiss). Assim, temos uma espécie de antítese
na aproximação do verbo “lutar”, com aspeto positivo – aquele que resiste e que
busca romper o cenário da coerção e da ameaça –, e dos termos “destruído”,
“insídia” e “venenos”. Esse contraste revela a tentativa de resistência diante
de um contexto que ameaça e cerceia aqueles que se expressam de forma contrária
ao governo e que, muitas vezes, não conseguem vencer a força dos que detêm o
poder.
Os últimos três versos do poema reforçam o tom de
denúncia na medida em que a voz poética afirma que há outras maneiras “tão
sábias tão subtis e tão peritas” de destruir quem luta “que nem podem sequer
ser bem descritas”. O verbo descrever oferece ao poema uma perspetiva mais
objetiva, distanciando a voz poética de um relato subjetivo, o que garante aos
versos um forte viés de denúncia e de relato de alguém(*) que sofreu
com a censura e com a tortura. O título, que insere o pesar no dia de hoje,
fortalece essa ideia de denúncia das ações arbitrárias e opressoras da censura em
Portugal […].
Nathália
Macri Nahas, Grades: uma leitura do projeto po-ético de Sophia de
Mello Breyner Andresen. São Paulo, USP-FFLCH, 2015
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(*) Nas cartas
trocadas com o autor Jorge de Sena, Sophia Andresen revela algumas situações em
que sofreu com a censura e a ação da PIDE. Em 11 de outubro de 1962, a polícia
esteve em sua residência e confiscou toda a correspondência enviada por Sena.
(ANDRESEN, S.; SENA, J., 2010, p.65). Em 10 de junho de 1963, a autora relata
que deixou a direção da revista Távola Redonda, por problemas com a censura.
(Ibidem, p. 76). Em 14 de maio de 1966, ela relata ter recebido da União
Nacional dois comunicados de insultos, ameaças e acusações de ligação aos
comunistas e glorificação de terroristas. (Ibidem, p.93). A autora também
relata, em entrevista dada a Eduardo Prado Coelho, que chegou a escrever dois
atos de uma peça teatral sobre os irmãos Graco, mas, em uma busca da PIDE entre
1969 e 70, ela escondeu os escritos e nunca mais os achou. (ANDRESEN, S., 1986,
p. 68).
- “Poesia útil e literatura de resistência” (A literatura como arma contra a ditadura e a guerra colonial portuguesas), José Carreiro
- Perfil poético e estilístico de Sophia de Mello Breyner Andresen - apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen, por José Carreiro. Folha de Poesia, 2020-07-17