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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A VIDA É TEMPO (Vitorino Nemésio)




Eme Line, sismo em Itália, 2012



A VIDA É TEMPO

Com alma, ideias, tempo, luta
Componho um homem, sou sujeito:
Penso-me livre numa gruta
Como pretérito imperfeito.

De era se faz o meu futuro,
Será será o meu passado
Como da hera se faz o muro
Mais que da pedra levantado.

Se horas a nada levam tudo,
Nada nasceu, tudo é que é,
Haja ou não haja Sartre e o mundo
Deus Tudo-Nada havido em fé.

Que ele é Deus mesmo no absoluto
Ser contestado, tão assente
Que se faz Deus na voz que escuto,
Mesmo que o negue, e me desmente.

     
Vitorino Nemésio, O Verbo e a Morte, Lisboa, Moraes Editora, 1959, p. 22.
    


    
TEXTO DE APOIO | LEITURA ORIENTADA
     
Em «A Vida É Tempo», em quatro quadras octossilábicas, a dialética Tudo-Nada, independentemente do niilismo existencialista de Jean-Paul Sartre, assume particular significado.
Nas duas primeiras quadras, após a carac
terização elementar do homem em termos que articulam o idealismo ao dinamismo da luta («Com alma, ideias, tempo, luta»), o sujeito proclama a sua liberdade imperfectiva, expressa quer através da imagem críptica da gruta, quer a partir da comparação gramatical do pretérito imperfeito, que exprime uma ação inacabada. Então, o futuro constrói-se com a luta nunca terminada («De era se faz o meu futuro»), assumindo o jogo da homofonia (era/hera) um trocadilho surpreendente, já que na comparação entre hera e muro aquela adquire paradoxalmente maior valor, talvez para indiciar a relevância, aparentemente pouco significativa, do passado em ordem ao futuro.
Nas restantes duas quadras, a noção desconcertante da erosão do Tempo, simbólica da Morte, é caminho para a descoberta do Absoluto, como Tudo-Nada, independentemente de ser admitido ou negado, escutado ou contestado, já que a Sua essência permanece.
        
António Moniz, “O Ser e o não Ser”
 in Para uma leitura de sete poetas contemporâneos, 
Lisboa, Editorial Presença, 1997, p. 79.
    
         
Nabucodonosor II, Rei de Babilónia. Pintura de William Blake, c. 1805.
Nabucodonosor II, rei da Babilónia, visto por William Blake, 1805


SUGESTÃO

[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/09/10/vida.tempo.aspx]

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