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sexta-feira, 5 de outubro de 2012

SOLEMNIA VERBA (Antero de Quental)

   

          
       
     SOLEMNIA VERBA
     
     Disse ao meu coração: «Olha por quantos
     Caminhos vãos andámos! Considera
     Agora, desta altura fria e austera,
     Os ermos que regaram nossos prantos...
     
     Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!
     E noite, onde foi luz de Primavera!
     Olha a teus pés o Mundo e desespera,
     Semeador de sombras e quebrantos!»
     
     Porém o coração, feito valente
     Na escola da tortura repetida, 
     E no uso do penar tornado crente,
     
     Respondeu: «Desta altura vejo o Amor! 
     Viver não foi em vão, se é isto a vida, 
     Nem foi de mais o desengano e a dor.»
          
Antero de Quental
          


         
LINHAS DE LEITURA
           
Esta expressão, Solemnia Verba, encontra-se em Ovídio, com o sentido de «palavras pronunciadas nos sacrifícios solenes». Recorde-se que Alexandre Herculano já a empregara como título de um dos seus opúsculos.
Este soneto revela a «emancipação da ideologia pessimista». Segundo Joaquim de Carvalho (in Estudos sobre Cultura Portuguesa do Século XIX, vol. I, Coimbra, 1955, pág. 180), exprime a derradeira conceção do poeta e estabelece ligação ideológica com asTendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX. Assim, embora não seja, conforme se referiu, o último soneto escrito por Antero (cf. Com os Mortos), «corresponde ao ponto culminante da sua filosofia» (cf. Dorothy M. Atkinson, Ocidente, voI. 75 nº 367).
       
v. 1 e seguintes ‑ Repare-se na forma dialogal que caracteriza este soneto, numa tentativa de objetivação do drama íntimo: o coração, que resistiu a todas as desilusões, que é o responsável pelos sonhos desfeitos, «superou as concretas realidades da Vida, para sentir a transcendente realidade da Vida ‑ que é Amor em ação». (Hernani Cidade,Antero de Quental, Lisboa, s/d, pág. 57).
         
vv. 1-8 ‑ As imagens visuais representam os conceitos mentais que induzem ao desespero.
        
v. 3. ‑ altura: Representa a objetividade do filósofo perante os dados fornecidos pela experiência da vida (cf. Dorothy M. Atkinson, ob. cit.).
       
v. 12 – Amor: «é a própria essência metafísica da existência, que se manifesta afetivamente como sentimento de identidade universal, e intelectualmente como a perceção, concentrando e dominando toda a diversidade». (J. de Carvallho, ob. cit., pág. 182).-O sentido do último terceto só se compreende à luz do pensamento expresso em carta de 1884, a João Machado de Faria e Maia: «A Realidade é pura aparência e só existe verdadeiramente como símbolo e veículo da vida moral.»
Cf. ainda o que escreveu Antero, em 1884, em Carta a Tomazzo Canizzarro: «(…) De jeune jacobin de 1864, iI ne reste guère pIus que la peau d'un vieux philosophe, sachant trop bien que la colère, même la colère de la justice, est encore un reste d'ignorance, et que le monde ne sera définitivement sauvé que par la Raison, soeur jumelle de l'Amour».
Como evidencia Joaquim de Carvalho (ob. cit., pág. 186), «a última palavra de Antero, nos Sonetos, é, pois, o Amor, identificado com o Bem, e considerado valor supremo e expressão máxima da existência».
           
Maria Ema Tarracha Ferreira, Antologia Literária Comentada. Século XIX. Do Romantismo ao Realismo. Poesia, Lisboa, Editora Ulisseia, 1985, 2ª edição.
          





         
QUESTIONÁRIO INTERPRETATIVO
          
        
        
        
        
SUGESTÕES DE LEITURA
        
 Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de textos de Antero de Quental, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição) <https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental>



[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/10/05/solemnia.verba.aspx]

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