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terça-feira, 13 de agosto de 2013

COMO ULISSES TE BUSCO E DESESPERO (Manuel Alegre)


      
                
              
COMO ULISSES TE BUSCO E DESESPERO


Como Ulisses te busco e desespero
como Ulisses confio e desconfio
e como para o mar se vai um rio
para ti vou. Só não me canta Homero.

Mas como Ulisses passo mil perigos
escuto a sereia e a custo me sustenho
e embora tenha tudo nada tenho
que em te não vendo tudo são castigos.

Só não me canta Homero. Mas como Ulisses
vou com meu canto como um barco
ouvindo o teu chamar ‑ Pátria Sereia
Penélope que não te rendes – tu

que esperas a tecer um tempo ideia
que de novo teu povo empunhe o arco
como Ulisses por ti nesta odisseia.
             
Manuel Alegre, Praça da Canção/O Canto e As Armas, 1.ª ed. de bolso, 
Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2000, pág.189.
             
 
                   
             
Manuel Alegre em “Como Ulisses te busco e desespero” aproveita o mito do regresso a Ítaca de Ulisses para abordar a sua busca da pátria perdida e inacessível.
À semelhança do herói escolhido, também o sujeito poético passa “mil perigos”, procura desesperadamente a pátria já que não a ter equivale a ter perdido tudo. Ao longo desse retorno a casa, o sujeito é seduzido pelo canto das sereias; mas, como Ulisses, resiste a essa ilusão – o canto do aparelho de Estado e do Portugal que quer projetar no mundo – e contrapõe-lhe o seu próprio canto. De igual forma, a pátria age como Penélope: não se rende, não perde a esperança “que de novo o teu povo empunhe o arco” e permanece tecendo “um tempo ideia” em que esta “odisseia” termine. No entanto, o sujeito poético sabe que só a ele compete fazer ouvir a sua voz dado que não existe um “Homero” para cantar as tormentas que tem que enfrentar para libertar a pátria. É entre a desconfiança e a confiança no apelo emitido pela sua pátria-sereia-Penélope que o sujeito navega rumo a um futuro que ele espera ser o fim da sua “odisseia”.
                 
Portugal sob a égide da ditadura: o rosto metamorfoseado das palavrasTese de mestrado de Paula Fernanda da Silva Morais. Universidade do Minho – Instituto de Letras e Ciências Humanas, julho de 2005, pp. 74-75.
2005, pp. 72-74.
           
           
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 Poesia útil e literatura de resistência” (A literatura como arma contra a ditadura e a guerra colonial portuguesas), José Carreiro

   
                  

[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/08/13/como.Ulisses.te.busco.e.desespero.aspx]

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