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quarta-feira, 27 de novembro de 2013

BRANCO E VERMELHO (Camilo Pessanha)



A estética simbolista da sugestão encontra-se neste poema no seu estado puro. Apesar de conter uma dimensão figurativa ‑ o topos parnasiano da «caravana da dor humana» ‑ o poema desenvolve-se a partir de uma antítese extrema: a «dor forte» é um «doce esvaimento». Assim, o sentido é aberto, e depende da leitura.




Poesia simbolista portuguesa. Apresentação crítica, seleção, notas e linhas de leitura de Fernando Cabral Martins. Lisboa, Editorial Comunicação, 1990, p. 94.
          

           
          

        



BRANCO E VERMELHO

A dor, forte e imprevista, 
Ferindo-me, imprevista, 
De branca e de imprevista 
Foi um deslumbramento, 
Que me endoidou a vista, 
Fez-me perder a vista, 
Fez-me fugir a vista, 
Num doce esvaimento.

Como um deserto imenso, 
Branco deserto imenso, 
Resplandecente e imenso, 
Fez-se em redor de mim. 
Todo o meu ser suspenso, 
Não sinto já, não penso, 
Pairo na luz, suspenso... 
Que delícia sem fim!

Na inundação da luz 
Banhando os céus a flux, 
No êxtase da luz, 
Vejo passar, desfila 
(Seus pobres corpos nus 
Que a distância reduz, 
Amesquinha e reduz 
No fundo da pupila)

Na areia imensa e plana, 
Ao longe, a caravana 
Sem fim, a caravana 
Na linha do horizonte, 
Da enorme dor humana, 
Da insigne dor humana... 
A inútil dor humana! 
Marcha, curvada a fronte.

Até ao chão, curvados, 
Exaustos e curvados, 
Vão um a um, curvados, 
Os seus magros perfis; 
Escravos condenados, 
No poente recortados, 
Em negro recortados, 
Magros, mesquinhos, vis.

A cada golpe tremem 
Os que de medo tremem, 
E as pálpebras me tremem 
Quando o açoite vibra. 
Estala! e apenas gemem, 
Pavidamente gemem, 
A cada golpe gemem, 
Que os desequilibra.

Sob o açoite caem, 
A cada golpe caem, 
Erguem-se logo. Caem, 
Soergue-os o terror... 
Até que enfim desmaiem, 
Por uma vez desmaiem! 
Ei-los que enfim se esvaem 
Vencida, enfim, a dor...

E ali fiquem serenos, 
De costas e serenos... 
Beije-os a luz, serenos, 
Nas amplas frontes calmas 
Ó céus claros e amenos, 
Doces jardins amenos, 
Onde se sofre menos, 
Onde dormem as almas!

A dor, deserto imenso, 
Branco deserto imenso, 
Resplandecente e imenso, 
Foi um deslumbramento. 
Todo o meu ser suspenso, 
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso 
Num doce esvaimento.

Ó Morte, vem depressa, 
Acorda, vem depressa, 
Acode-me depressa, 
Vem-me enxugar o suor, 
Que o estertor começa. 
É cumprir a promessa. 
Já o sonho começa... 
Tudo vermelho em flor...


           


Camilo Pessanha

            

    
       

NOTA BIBLIOGRÁFICA COLIGIDA POR J.G. ELZENGA:

Autógrafo na posse do filho de Pessanha, em Macau (atualmente perdido).

Cópia manuscrita do autógrafo, que Danilo Barreiros enviou a João de Castro Osório em 1947.

Publicações anteriores à terceira edição de Clepsidra:

Ideia Nova, de Macau, (de 18 de Março de 1929);

Atlântico, (Junho de 1947), com a indicação de "Inédito".

           

           
          

TEXTOS DE APOIO

           






Os sonhos não sonhadosPaulo Elias Allane Franchetti (2001)

Camilo Pessanha em dois temposGilda Santos e Izabela Leal (2007)
Um estranho absolutoJoão Paulo Barros de Almeida (2009)
Leitura do poema: perspetiva metapoéticaTatiana Aparecida Picosque (agosto 2010)
Camilo Pessanha: o morto alegre e a poesia moderna, Izabela Leal (2011)
“Branco e vermelho” é longa alegoria sobre o destino humano, Álvaro Cardoso Gomes (1994)
O oriente na poesia de Camilo Pessanha, Manuela Delgado Leão Ramos (2001)
Camilo Pessanha e o ‘Tao Te Ching’Paulo De Tarso Cabrini Júnior (2009)
Sentimento e Conhecimento na Poesia de Camilo Pessanha, João Paulo Barros de Almeida (2009)
A vulnerabilidade do “eu“ e do “outro” na poesia de PessanhaJosé Eduardo Ferreira (2011)


           

           
 
           
           
OS SONHOS NÃO SONHADOS
Antes de iniciar a leitura, recapitulemos o que sabemos hoje sobre a história desse poema, e que não é muito: “Branco e Vermelho” não foi publicado durante a vida do poeta, mas apenas postumamente, num jornal de estudantes de Macau, e não há referências ou manuscritos desse texto em cartas ou em acervos de contemporâneos do poeta. Ao que tudo indica, foi um dos últimos poemas escritos por Camilo Pessanha e um dos últimos a virem ao conhecimento do público mais amplo, já que João de Castro Osório só o publicou em Atlântico em 1947 e o incluiu na Clepsydra apenas na terceira edição, de 196911. Essas considerações vêm reforçar o que julgamos possível, como se verá, estabelecer a partir da leitura do texto: que temos aqui um lugar de confluência de vários temas e imagens de que temos tratado, um momento de resolução e reatualização de tópicos centrais do universo textual de Camilo Pessanha. É também esse o parecer de João de Castro Osório12. Ao mesmo tempo, há nesse poema algumas questões novas, cuja consideração nos permitirá esboçar um primeiro fechamento do desenho que viemos traçando no interior do universo poético de Camilo Pessanha.
Composto de dez oitavas hexassilábicas, cada uma com apenas duas rimas (aaabaaab)13, o poema tem um andamento arrastado, entrecortado: […]


[NÃO SE REPRODUZ AQUI AS PÁGINAS 134 E 135 POR NÃO ESTAREM APRESENTADAS NA PRÉ-VISUALIZAÇÃO DISPONIBILIZADA EM BOOKS.GOOGLE.PT]
Diferentemente de todos os outros textos que analisamos, porém, o momento de prazer não é, aqui, como já notamos, o da ausência de percepção, ou de ausência de dor. É a própria dor sem objeto, a dor pura, absorvendo e eliminando todas as outras percepções racionais e sensíveis, que se revela como delícia sem fim. Num mundo em que todo o movimento e todo o desejo é sentido como modalização da dor, temos aqui um momento de experiência do absoluto. Ë esta a iluminação possível, que desvela a unida de subjacente a cada percepção fragmentária dos sentidos. É a experiência da dor total, agónica, a única experiência de totalidade que essa poesia pode, coerentemente, admitir.
Vendo por esse ângulo, não podemos endossar as palavras de Esther de Lemos, que a propósito deste poema escreveu: “Branco e Vermelho é, na obra de Pessanha, o mais perturbante documento de uma espécie de experiência mística sempre gorada, e o resumo desse drama interior que alimenta toda a sua poesia, o drama de uma incansável busca da realidade através da sensação que apenas oferece aparências falazes — imagens que se escoam ‘como a água cristalina / por uma fonte para nunca mais’”. Pelo contrário, se há uma experiência mística realizada na poesia de Camilo Pessanha, é esta. E, para este efeito, não importa que a paisagem interior seja, também ela, apenas um vislumbre, uma imagem passageira, propiciada pela aproximação momentânea do sujeito do estado ideal da morte. Seu caráter de experiência total, redentora das visadas parciais da determinação última da percepção, nos parece muito bem delineado. O deslumbramento é um sinônimo, aqui, de desvelamento. Trata-se de um insight, e a imagem do trajeto da humanidade pelo deserto da dor promove a tão almejada pacificação dos sentidos e da especulação racional, só que agora não como idealização irônica da situação paradoxal do cadáver consciente e imune à dor, mas como experiência integral, porque totalmente sensual, da própria dor. Ou seja, na sequência do desenvolvimento dos motivos que vimos perseguindo, esse poema nosaparece como um momento de resolução, o momento da totalização possível. Nele encontram lugar as várias representações parciais da dor de viver, como aquela primeira imagem angustiada que analisamos no início deste ensaio, a do coágulo que se desfazia.
Aqui também morrer é esvair-se, perder substância, mas o que era antes motivo de angústia, é percebido como doçura, como libertação e como triunfo:
Sob o açoite caem,
A cada golpe caem,
Erguem-se logo. Caem,
Soergue-os o terror...
Até que enfim desmaiem,
Por uma vez desmaiem!
Ei-los que enfim se esvaem,
Vencida, enfim, a dor.... 
[7ª estrofe]
Também o sujeito lírico para o qual se descerra esta cena experimenta o mesmo esvaimento prazeroso. Vimo-lo na primeira estrofe, e o reencontraremos na penúltima, que amalgama trechos das duas estrofes iniciais, de modo a marcar o fechamento da experiência visionária que constitui o poema:
dor, deserto imenso
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso.
Foi um deslumbramento.
Todo o meu ser suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso
Num doce esvaimento
15  
[9ª estrofe]
Coloquemos, neste momento, esses versos em contraste com as paixões que vimos orientar o sujeito das cartas a Alberto Osório e de alguns poemas da Clepsydra: a avareza e a cobiça. Em todos os casos, era do exercício de uma delas, isto é, da tentativa de possuir um objeto de desejo ou de reter as experiências, parando o fluxo do tempo, que derivava o sofrimento. Aqui, não há avareza, mas desprendimento. Há dor intensa, mas não há, a rigor, sofrimento. A dor e a morte aparecem conjugadas de uma maneira nova, em que a última não é o alívio ou a cessação da primeira, mas o seu coroamento enquanto plenitude prazerosa. Não mais o prazer negativo e inconciliável com a consciência, postulado como supressão da dor, mas a sua aceitação sensual, a sua fruição, sendo a renúncia e o abandono da substância do eu o caminho que conduz a uma experiência positiva. Por isso também, a imagem dos mortos contemplados pelo sujeito desse discurso não mais nos apresenta, como em “Depois da luta…”, a paralisação da vida num momento tenso, no qual se cristaliza a ilusão fugaz que, de outra forma, se transformaria em decepção e frustração. Os mortos estão na mesma posição, caldos para trás, mas não trazem a boca aberta, em sinal de estupefação, nem mantêm os olhos abertos dirigidos às estrelas inatingíveis. Nem enlevo, nem desejo, apenas completa quietação e passividade:
E ali fiquem serenos,
De costas e serenos.
Beije-os a luz, serenos,
Nas amplas frontes calmas.
Ó céus claros e amenos,
Doces jardins amenos,
Onde se sofre menos,
Onde dormem as almas! 
[8ª estrofe]


Como vemos, caracteriza-os, como em “Desce enfim sobre o meu coração” a serenidade das feições.



        Não há neles um reflexo do céu, não há um explícito espelhamento, mas as qualidades que caracterizam tanto os mortos quanto o céu para o qual estão voltados são muito parecidas, e as palavras repetidas em posição de rima reiteram a amenidade e a serenidade da morte, representadas pela quietação dos corpos e pelo sono e repouso das almas.
Por outro lado, a morte é idealizada, pelo sujeito lírico, como uma experiência de volúpia e é diretamente associada ao sonho:

Ó Morte, vem depressa, 
Acorda, vem depressa, 
Acode-me depressa, 
Vem-me enxugar o suor, 
Que o estertor começa. 
É cumprir a promessa. 
Já o sonho começa... 
Tudo vermelho em flor... 
[10 ª estrofe]

Movemo-nos, até aqui, no terreno já explorado anteriormente pelos comentários que vimos conduzindo. "Branco e Vermelho”, até este momento, foi lido como um ponto de convergência, ampliação ou redefinição de alguns temas e atitudes já identificados em outros textos. Mas a consideração dos penúltimos versos das duas estrofes que acabamos de transcrever parece introduzir uma ideia nova no conjunto até agora apresentado. Sem eles, poderíamos continuar a ler a palavra alma apenas como metáfora da sensibilidade, da inteligência ou da consciência; e a palavra morte como simples cessação da dor e da sensibilidade. Ainda podemos, mas entre a vida e a morte esses versos introduzem um outro estado, que é bastante singular: uma espécie de limbo, de zona furtacor entre a existência e a inexistência, cujas implicações na construção do universo poético de Camilo Pessanha ainda teremos de investigar.
Podemos começar a refletir sobre essa zona intermédia, observando que, na última estrofe de "Branco e Vermelho”, a invocação à morte se faz para que ela acordee venha aliviar definitivamente a dor experimentada pelo sujeito. A morte, assim concebida, é uma imagem confusa: é o sono e está dormindo, e para agir, para induzir ao sono, deve primeiro acordar. Mas o ponto é a complementaridade entre os estados da morte e os da alma: o acordar da morte é o adormecer da alma; a alvorada da alma, pelo efeito da dor (como naquele soneto de juventude que há pouco referimos), é, assim, o adormecer da morte, o seu adiamento. Figuras antitéticas, a dor e a morte se encontram em um momento neutro, intervalar, de reversibilidade, que o poema representa como sonho.
Esse é o momento de transição: o sonho, que nesse e em outro poema que logo veremos, é não uma decorrência ou um estado do sono, mas a sua preparação, ou o anúncio de um novo despertar. Portanto, o sonho é uma passagem da vida para a morte ou vice-versa.
Em "Branco e Vermelho" o sonho é um momento eufórico: "tudo vermelho em flor”. O verso é notável porque contrasta intensamente com a brancura desértica em que se movia a caravana da dor. Nele, as cores do título finalmente se explicitam. O branco pertence à cena contemplada, ao domínio da luz cegante que oferece o insightda condição humana; o vermelho, exclusivamente ao momento da agonia. Este, assim, é paradoxalmente qualificado com uma expressão que conota vida, que junta à cor do sangue, da essência vital, a da floração, que é totalmente ausente na cena contemplada. Por ser diretamente identificado ao momento da agonia, não parece despropositado ler no vermelho uma representação do esvaimento, da dispersão do sangue contido no corpo do homem que morre. É verdade que não há, nesse poema, um reforço dessa sugestão. Mas em outros versos de Pessanha deparamo-nos com a conjugação de esvaimento e purificação:

Tomai meu corpo e abride-lhe as veias.
O meu sangue {?tomai-o}
Difundi-o sob o rutilo sol,
Na areia branca como em um lençol,
‑ Ao sol triunfante, sob o qual desmaio16.
        
Nesses fragmentos, diferentemente de "Branco e Vermelho”, em que a morte é abordada pelo ponto de vista da consciência, é a morte do corpo que vem para primeiro plano. Neles, como no poema que estamos comentando, a morte também é desejada como pacificação e como alívio. Mas enquanto em "Branco e Vermelho" não têm qualquer importância os efeitos da morte sobre o corpo, aqui esses efeitos constituem o núcleo das atenções. Com relação ao corpo, a morte é purificação, é eliminação dos humores e redução à mineralidade:

Só o meu crânio fique
Rolando insepulto no areal
Ao abandono e ao acaso do simum...
Que o sol e o sal o purifique
           
Ambas as idealizações da morte são, assim, complementares, e o descanso e a purificação almejados em cada caso convergem para a ideia de esvaziamento.
No que diz respeito à morte do corpo, o sentido da idealização é claro, pois o anseio por uma redução à essencialidade mineral é simultaneamente um anseio de purificação e de evasão ao fluxo temporal: eliminando a matéria orgânica, anula-se igualmente a temporalidade, pois os ossos nus, como as substâncias minerais, deixam de ser sujeitos à transformação, tornam-se imunes à passagem do tempo, permanecendo sempre idênticos a si mesmos. […]
           
São Paulo, Edusp, 2001, pp. 132-141 (ISBN 10: 85-314-0563-7. ISBN 13: 978-85-314-0563-1)
             

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(11) João de Castro Osório aventa a hipótese de que o poema date de 1907 ou 1908; cf. Clepsidra e Outros Poemas de Camilo Pessanha, Lisboa, Edições Ática, 1973 (5ª ed.), p. 335. Para uma discussão mais pormenorizada da história das edições do poema, consultar a edição crítica publicada pela Re1óio d’Água, já referida.
(12) Clepsidra e Outros Poemas op. cit. p. 340: “Atingida, porém, a visão de esplendor e assombramento de além da morte, com que termina o poema ‘Branco e Vermelho’, era impossível continuar na mesma tensão de sofrimento espiritual”. Castro Osório sugere, então, que o momento seguinte é o poema que intitula ‘Poema Final’ […]”. “Depois da suprema angústia, quase gloriosa, que não pôde transcender, restava apenas a dorida e magoada esperança de adormecimento dos sonhos não sonhados’, ‘doces almas penando’, e de abandono ao perene dormir, com imortal e desesperada beleza de símbolos aconselhado no ‘Poema Final’ [...]”. Na continuação, na p. 342, lemos ainda: “Atingido, no poema ‘Branco e Vermelho’, o esplendor mortal do seu pensamento poético, indelevelmente marcado por todas as angústias da metafísica da alma sem Deus, e completado o conjunto, de génio e sofrimento, da Clepsidra, sem se transcender ou renovar com os últimos conselho de adormecimento sem sonhos do ‘Poema Final’, era quase impossível acrescentar-lhe novas realizações”. Transcrevemos extensamente, não apenas por que julgamos as formulações bastante pertinentes, mas também para destacar essas páginas, que são realmente notáveis e merecem ser apontadas como um raro momento de luz no mar de palavras com que Castro Osório cercou os poemas de Pessanha.
(13) Em “De Castilho a Pessoa — Achegas para uma Poética Histórica Portuguesa”, Coimbra Martins estuda rapidamente a forma estrófica, que denomina oitava romântica. Segundo o autor, foi introduzida em português por A. F. de Castilho, no poema “O Natal do Pobrezinho” e teve grande voga no período romântico.
(15) Os trechos em itálico comparecem na primeira estrofe. Os em redondo, na segunda.
(16) Trecho do fragmento que começa: “Nesgas agudas do areal”. O conjunto de textos fragmentários mencionado a seguir é o que João Castro Osório editou e reordenou sob o título de “Roteiro da Vida”, na sua edição. Para maiores informações, ver: Clepsydra – Poemas de Camilo Pessanha, Lisboa, Relógio d’Água, 1995.

           
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CAMILO PESSANHA EM DOIS TEMPOS
Observemos a seguinte progressão: a estrofe inicial refere-se à "dor forte e imprevista" que feriu o sujeito poético, provocando-lhe um "doce esvaimento"; a segunda d a ponte entre a consciência c a semi-inconsciência, onde começam a se manifestar as visões, os delírios que se estendem are à oitava estrofe: um deserto, muito branco, muita luz, uma caravana de escravos açoitados que caem e soerguem-se até que desmaiem definitivamente e atinjam os "Doces jardins amenos, / Onde se sofre menos / Onde dormem as almas!”; a nona, toda construída com versos coletados nas estrofes 1 e 2, violando inclusive o esquema rimático, indica o clímax da síncope; passagem para o sonho maior; a décima e última oitava é uma súplica à morte, agente propiciador do sonho supremo, associado a "vermelho em flor", para que se apresse a vir cumprir a promessa…
Partindo-se da bipartição do título, poderíamos fragmentar o poema então em dois movimentos, de desigual dimensão: 1º) as nove estrofes iniciais, que detalham ador, associada a branco e deserto; 2º) a última oitava, que clama pela morte, associada avermelho e flor.
No primeiro movimento, o eu-lírico, como vidente, como vate, como poeta épico, vislumbra uma alegoria da própria condição humana: escravo que caminha no deserto, curvado ao peso "Da enorme dor humana, / Da insigne dor humana... / A inútil dor humana!”, que só consegue vencer quando para sempre desmaia. O associar desta situação ao branco pode encontrar sua justificativa nas seguintes afirmativas de Chevalier e Gheerbrant:
O branco - candidus - é a cor do candidato, isto é, daquele que vai mudar de condição [...]. É cor de passagem, no sentido em que se fala de ritos de passagem: e é justamente a cor privilegiada desses ritos, através dos quais se operam as mutações do ser, segundo o esquema clássico de toda iniciação: morte e renascimento. (CHEVALIER & GHEERBRANT, 1973, v. 1, p. 204)
No segundo movimento, portanto, o sujeito poético assume também sua condição de escravo subjugado pela dor e voluntariamente, como a dar exemplo, quer entregar-se à morte, como forma de libertar-se e derrotar a dor. Observa-se assim uma inversão: a vida enquanto cativeiro na dor não é vida; só a morte ‑ libertação da dor ‑ trará a verdadeira vida, o "Tudo vermelho em flor..." Cor de fogo e de sangue, o vermelho é para muitos povos a primeira das cores, por ser a cor fundamental, ligada ao principio da vida (CHEVALIER & GHEERBRANT, 1973, v. 4, p. 126)
Acompanhando todo o movimento do poema, ritmo e rimas fazem perceber uma alteração no pulsar vital, como que reproduzindo o latejar da dor ou o arfar sob o peso da dor. O esquema rimático aaabaaab dá conta de rimas paralelas triádicas (que repetem a mesma palavra ou palavras semanticamente afins no poema) cortadas bruscamente e assimetricamente, como para diagnosticar uma disritmia entre sístoles e diástoles.
Embora o poema se desenvolva tentando reproduzir um estado fronteiriço entre consciência e inconsciência, uma privação de sentidos, um intersonho (como diria Mário de Sá-Carneiro), que aniquila as perceções de tempo e espaço, paradoxalmente surgem indicações temporais c espaciais explícitas durante as visões, indicando que essa fuga ao real é apenas uma outra forma de apreendê-lo, de aprofundar-se nele, de melhor compreendê-lo.
Portanto, “Branco e Vermelho” se nos afigura como uma síntese do que todos os poemas até aqui, através de múltiplas metaforizações, vinham demonstrando. Percebe-se agora claramente o porquê da hipervalorização da dor em Clepsidra: é ela que permite a lucidez (luz) suficiente para se ter a revelação, a clarividência dessa contingência humana inexoravelmente submetida à própria dor. Compreende-se também o porquê da ânsia de morte: é a única forma vislumbrada de vencer a dor, consumando (levando a sumo, conduzindo ao extremo) sua própria experiência.
Esta configuração das “paisagens” delineadas nos vários poemas de Clepsidraconduz-nos a algumas conclusões parciais, que ampliam e confirmam hipóteses apresentadas inicialmente:
‑ A equivalência das categorias de tempo e espaço em muitos poemas, bem como a interpenetração de estados psíquicos com dados percetíveis no real demonstram o poder que o eu-lírico exerce sobre a matéria poética, moldando-a segundo a sua sensibilidade, e atestam claramente a consciência aguda do poeta enquanto individualidade produtora de um discurso, e nele marcadamente presente.
‑ A variedade de referências temporais e espaciais, interiores ou exteriores, atesta a extrema mobilidade que percorre todo o livro, associada a uma forte noção de visualidade onde, claro está, o campo semântico de olhar tem papel preponderante.
‑ A utilização das referências à natureza coloca-nos imediatamente num tempo regido por ciclos, como a própria natureza. Portanto, eternos na sua sucessividade.
‑ Embora a quase totalidade dos poemas refira um sujeito poético com uma apreensão do mundo bastante particular, percebe-se claramente que esta personalidade inúmeras vezes dimensiona-se atemporalmente e inespacialmente como símbolo do Homem, inquieto sobre o seu Destino, sua Existência, sua Humanidade.
           
(Camilo Pessanha em dois temposGilda Santos e Izabela Leal, Rio de Janeiro, 7Letras, 2007, pp. 44-46)
           
           
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UM ESTRANHO ABSOLUTO
Afinal, um abismo se cava entre o sujeito, foco de conhecimento e  de  desejo,  e seu  objecto.  Qualquer  intersecção  que  ocorra está condenada a durar muito pouco como as pegadas na areia à  beira  mar.  Se  o  sentir  e  o  pensar  acarretam  por natureza, incoercivelmente,  a  dor  e  o  fracasso,  a  solução  estará  na  sua suspensão, num  movimento  regressivo  para  um  aquém,  num fugir para baixo ou na sua superação, num subir.
Esta  última  via,  a  duma  ascensão  conducente  a  um  estado extático e místico, em que o sujeito se esquece de si, é sugerida em «Branco e Vermelho»: «Não sinto já, não penso,/ Pairo na luz, suspenso…».
O que catapulta o sujeito para esse plano é o aguilhão da «dor, forte  e imprevista».  Este  último  adjectivo  é  na  primeira  oitava repetido por três vezes, o que remeterá para uma vivência de todo súbita e improvável, um choque inesperado. O que essa dor atinge é a visão, o mais analítico dos sentidos. Este perder os sentidos está de certo modo implícito no adjectivo «branca», empregada adverbialmente: «A dor …ferindome… de branca…».
Também  por  três  vezes  a  tríplice  iteração  é  profusamente utilizada  ao longo  do  poema,  o  que  aponta  para  toda  uma simbologia de plenitude associada a esse número se mostra o efeito deslumbrante da dor na vista, pelo emprego de três verbos quase sinónimos: «endoidou», «perder», «fugir». A segunda oitava explicita esse  «deslumbramento»,  esse  «doce  esvaimento».  A  comparação dos quatro primeiros versos apenas apresenta o termo metafórico, «um deserto» por três vezes imenso, «branco» e «resplandecente» e não o termo real, o que significará uma deslocação para uma outra ordem, a do sobrereal. O «fezse em redor de mim» indicará que a vontade do sujeito não teve parte na indução dessa experiência. Exprimese um êxtase, um arroubo que eleva a totalidade do sujeito, sem  distinção entre  corpo  e  alma,  sentidos  e  intelecto  Todo o meu ser suspenso»). Todo o seu ser paira, acedendo a um estado de inebriamento espiritual «Que delícia sem fim!», a um reino esplendoroso, de superabundante luz.
E é sub specie aeternitatis, como através dessa amplidão luminosa, reflectido «no fundo da pupila», que o sujeito vê um desfilar de «pobres  corpos  nus»,  a  «caravana» «da  enorme  dor  humana».  É uma visão de sobrevoo, de quem está muito acima, muito distante. Porém,  se  desse  plano  distante,  os  corpos  se  reduzem  a  pontos quase indistinguíveis numa mancha «sem fim», na quinta oitava, descrevemse «um a um» esses corpos, descendo a câmara do olhar ao seu nível. É como o voltar à caverna, um inclinarse compassivo, o retorno de quem teria passado o limiar da humana infelicidade: o estalar do chicote que golpeia os escravos é sentido na carne do sujeito («E as pálpebras me tremem/ Quando o açoite vibra.»).
Mais  que  uma  caravana  de  escravos,  penando  pelo deserto  africano,  é  toda a  história  da  humanidade  na  sua marcha dolorosa e absurda que é desse modo coalhada. Dizia cinicamente Anatole Franceque a única noção de infinito que concebia era a da estupidez humana. O que parece ser infinito para Pessanha é a dor humana («sem fim»). Enorme, insigne, porém, afinal, inútil. O carácter «insigne» da dor abre para uma possibilidade  de  redenção  que  logo  o  verso  seguinte  dilui:  «a inútil dor humana».
Uma via dolorosa, em que a multidão é impelida pelo chicote, obrigada a avançar pelo medo, «curvada a fronte», «até ao chão», não vendo senão o chão, sem esperança alguma: os que caem são obrigados pelo golpear do azorrague a reergueremse, evocando as quedas de Cristo. A sua única saída é o estatelar inanimado no chão, quando o golpear do algoz e o terror que inspira deixam de ser sentidos, de fazer efeito. Os que perecem restam insepultos na areia. Não há tempo, nem motivo para os inumar.
Então, no desmaio final, estendidos sobre a areia árida, «ali fiquem serenos,/ De costas e serenos…/Beijeos a luz, serenos,/ Nas amplas frontes calmas». Em vida, eram «magros, mesquinhos e vis»; com a morte uma amplidão serena, uma inesperada nobreza se desprende das suas frontes. Em vida, estavam curvados até ao chão, não levantavam a fronte e o olhar; com a morte, finalmente, deitados de costas, contemplam «céus claros e amenos». Verificase um paralelo entre o «doce esvaimento» do sujeito e o desmaiar, o esvair («Até que enfim desmaiem» (…) «Eilos que enfim se esvaem») dos escravos tombados.
A  morte  é  libertação  Até  que  enfim (…)»!).  Todavia,  a originalidade  deste poema,  no  todo  da  obra  de  Pessanha,  é que o modo da «libertação» não é o do desaparecimento, mera abolição de vida e dor, mas um salto, o cumprimento mirífico de uma promessa. A penúltima oitava retoma e repete a primeira e a segunda, cruzandoas, condensandoas. Há duas invocações neste poema, tendo de permeio a retoma que a penúltima oitava constitui: «Ó céus claros e amenos», «Ó Morte, vem depressa». Contudo, estas apóstrofes não se contradizem, pois os céus claros e amenos, os doces jardins amenos, constituem a «promessa» que o  acordar  da  morte possibilita.  A  morte  é  figurada  como  uma irmã da caridade «Vemme enxugar o suor», dando passagem à  realização  do  sonho.  Os  doces,  repousantes,  amenos jardins, florescem em vermelho, estuantes de vigor e de vida.
Será fútil perguntarmonos se estes «doces jardins amenos», este «tudo vermelho em flor» terão um significado transcendente ou transcendental, na acepção kantiana e husserliana dos termos, ou, por outras palavras, se se situam fora ou dentro do sujeito? A pergunta não terá grande sentido se inscrevermos este poema no filão da linguagem e da experiência dos místicos, em que as distinções interior/ exterior, dentro/fora, sentir/ pensar são ditas insuficientes ou desajustadas.
Porém,  sejam  quais  forem  as  causas   circunstâncias  desta «experiência», é vincado o seu carácter extático, o movimento de saída de si, que o prefixo ex do adjectivo anterior exprime: «Todo o meu ser suspenso», «Fezse em redorde mim»89, etc. Não é claro que «céus amenos», que «jardins amenos» serão esses, embora seja reconhecível o fundo bíblico e corânico dessas imagens. É claro, ao invés, esse sair de si; por outras palavras, não sabemos se está em jogo uma Transcendência, mas sabemos que se realiza uma transascendência90.
Sentimento e Conhecimento na Poesia de Camilo PessanhaJoão Paulo Barros de Almeida, Coimbra, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 2009, pp. 131-133.
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(89) Comparemse estes versos com a frase de Santa Teresa de Ávila, «Vivo já fora de mim», cit. por Maria Zambrano,«Dois Fragmentos sobre o Amor», in A Metáfora do Coração e Outros Escritos, p. 58.
(90)  Termo  conceptualizado  por  Jean  Wahl,  que  designou  por transdescendência  o  movimento inverso,  configuração  terminológica  que lembra a dialéctica platónica (ascendente e descendente). O movimento da transdescendência  ocorre  de  algum  modo  no  poema  quando  o  sujeito  do alto do seu êxtase perscruta, desfilando no deserto, em baixo, a caravana de escravos condenados.
           
           
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LEITURA DO POEMA: PERSPETIVA METAPOÉTICA
“Branco e Vermelho”, a nosso ver, narra o próprio fazer poético. Remete ao poeta, à página em branco e ao próprio nascimento do poema. Quais seriam os indícios que podemos recolher para legitimar esta leitura? A título de exemplo, encontramos os significativos termos: branca, escravos condenados, golpe, açoite, dor, luz, jardins amenos, branco deserto imenso, deslumbramento, suspenso, doce esvaimento, morte, enxugar o suor, sonho, vermelho, flor. Alguns desses, sabemos, são muito recorrentes em poemas que pretendem refletir sobre o trabalho poético.
Formalmente, temos dez estrofes com oito versos cada uma, além das rimas e repetições de palavras que cuidam de conferir musicalidade ao poema. Na primeira estrofe, deparamo-nos com o poeta e a sua experiência mística obtida por meio do trabalho poético. Tomado por uma dor forte e imprevista, ele conclui que um determinado evento “foi um deslumbramento” que lhe fez “fugir a vista/ num doce esvaimento”. Houve, portanto, um esvaimento, ou seja, uma espécie de desmaio que, por sua vez, refere-se à experiência mística proporcionada pelo trabalho do poeta com as palavras. A segunda estrofe também descreve a experiência de unificação, pois um “branco deserto imenso fez-se ao redor” do poeta e o seu “ser está suspenso”, de modo que ele chega a exclamar: “Que delícia sem fim!” Como bem sabemos, a cor branca é a cor da comunhão. No caso, ela pode simbolizar a comunhão do poeta com as palavras, a sua comunhão com a arte em geral.
Na terceira estrofe, depois que a experiência poética começa a agir sobre o corpo do poeta, temos que ele começa a entrever imagens em suas retinas, ou melhor, “no fundo da pupila”. A experiência mística, nesta estrofe, é retratada por dois versos: “na inundação da luz e no êxtase da luz”. Temos o indício de que as imagens chegam ao poeta, já que os corpos nus têm a sua “distância reduzida” e, portanto, começam a adquirir visibilidade.
Já na quarta estrofe, parece-nos que surge um amontoado de objetos à vista do poeta, dado que o poema traz o termo caravana. Quer dizer, uma caravana atravessa “um deserto imenso”. O que seria esta caravana? Mais adiante, na quinta estrofe, encontramos os termos “curvados, exaustos, magros perfis, escravos condenados, magros, mesquinhos e vis”. Conforme a nossa hipótese, pensamos que se refiram ao trabalho, ao jogo, do poeta com as palavras, ou seja, ao árduo trabalho que consome a construção de um poema.
A arte talvez esteja expressa pelo verso “a inútil dor humana”, pois a experiência mística proveniente do fazer poético é alucinatória, radical, a ponto deste êxtase ser doloroso ao eu poético. Já os termos “magros perfis, recortados e negro” são reforçados por outros que aparecem na sexta estrofe, a saber: golpe e o açoite vibra. Trata-se, muito provavelmente, da luta do poeta com as palavras. Na sétima estrofe, os golpes finalmente surtem o efeito desejado pelo poeta e o verso “vencida, enfim, a dor” explicita a confecção do poema, o nascimento do poema.
A oitava estrofe é marcada por uma completa calmaria, por uma sensação de alívio e plenitude. Ela termina com os versos “Doces jardins amenos, / onde se sofre menos / onde dormem as almas”, ou melhor, esta estrofe corrobora o argumento schopenhauriano de que a arte pode oferecer momentos menos dolorosos no plano da existência.
Aliás, para o filósofo Schopenhauer, enquanto existente, o sujeito sente-se, a todo tempo, apenas como parte de um todo, ou melhor, incompleto. No indivíduo, existe a vontade de viver (o instinto de sobrevivência), mas tudo, inclusive o homem, não passa de fenômenos condenados ao perecimento. A Vontade, verdadeira substância da realidade e para a qual tudo se volta, manifesta-se na pluralidade do mundo fenomênico, sendo o sujeito também uma das suas manifestações empíricas (possuidor de vontade). A Vontade, infinita, torna o sujeito inquieto e infeliz, fazendo-o desejar e desejar, tornando-lhe a vida um suplício.
Em resumo, para o filósofo a infelicidade é constitutiva da existência e o que resta ao indivíduo é suprimir a sua dor com fugas temporárias da realidade (a arte, por exemplo, oferece momentos em que se esquece da própria existência) ou esperar pela extinção completa de sua vontade, por meio de um evento natural, a morte – momento em que a parte passa a integrar o todo, ou melhor, a Vontade:
Se, ao fim, advém a morte, que extingue este fenômeno da Vontade, cuja essência aqui há muito expirou pela livre negação de si mesma, // exceto no fraco resto que aparece na vitalidade do corpo – então esta morte é muito bem-vinda e alegremente recebida como a redenção esperada (...) O último e delgado laço é rompido. Para quem assim finda, findou o mundo ao mesmo tempo. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 485)
No Simbolismo, sabemos que a morte também receberá uma conotação positiva, à maneira da reflexão de Schopenhauer. Ela é o fim dos males existenciais e o retorno do indivíduo ao todo. Camilo Pessanha, conforme nota de rodapé de Paulo Franchetti, certamente conhecia as ideias de Schopenhauer:
Quanto à presença de Schopenhauer no universo cultural de Pessanha, lembramos que, na revista Os Novos, onde o poeta colaborou, Carlos de Mesquita publicou, em 1893, uma apresentação de Jerônimo Freire em que expunha as linhas gerais do pensamento daquele filósofo. (FRANCHETTI, 2001, p. 55)
Interessante ainda notar que Schopenhauer elenca as várias manifestações artísticas e elege, por sua vez, a música enquanto arte superior. E, no Simbolismo, a musicalidade será consabidamente o elemento de grande visibilidade na constituição do poético.
Mas voltando ao poema, temos que a arte promove na relação entre sujeito e mundo uma paz transitória. Após a conquista de um poema, o sujeito usufrui da experiência mística, da experiência, mesmo que temporária, com o todo. A nona estrofe praticamente reitera versos já confeccionados ao longo do poema, corroborando o efeito extático desfrutado pelo eu poético.
Finalmente, na décima estrofe, tem-se a referência à morte a qual acabamos de discorrer segundo o pensamento do filósofo Schopenhauer. O eu poético clama pela vinda da morte. Mas que morte é essa? Pensamos que a morte possui uma conotação positiva no poema. Ela está na acepção de transmutação, isto é, trata-se do poder que a arte tem de transmutar o indivíduo. O fazer poético é compreendido enquanto morte de uma condição anterior; o poema transmuta o autor, o leitor e o mundo. Livramo-nos do estado anterior e partimos em direção a outro, e nesse sentido, vivenciamos a morte com o poema. Ele não nos deixa indiferentes; é uma experiência alucinatória, pois mexe com os nossos sentidos, sentimentos e pensamentos, ou melhor, é uma experiência integral e radical.
O eu poético deseja a morte, ou melhor, a transmutação contínua de seu ser bem como o encontro místico proporcionado pela palavra poética. Este encontro, por integrar o sujeito ao mundo, anula o sujeito tal como a morte física, funde-o com a natureza, com o mundo. Mas se trata de uma boa morte aquela proporcionada pelo encontro do indivíduo com a experiência artística.
O poema tem uma estrutura circular, pois no final encontramos os versos “Vem-me enxugar o suor,/ Que o estertor começa / É cumprir a promessa. / Já o sonho começa... / Tudo vermelho em flor...” É o trabalho poético concluído, porém infinito, pois tudo fica vermelho em flor, quer dizer, um poema nasceu cheio do vermelho que simboliza o sangue vital, um artefacto real.
Tatiana Aparecida Picosque, “Branco e vermelho: ponto de contato entre a poética de Camilo Pessanha e a de Herberto Helder”, Revista FronteiraZ nº 5, 2010 (Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária - ISSN 1983-4373)
           
           
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CAMILO PESSANHA: O MORTO ALEGRE E A POESIA MODERNA
Para citar apenas de passagem alguns poemas que não podem deixar de ser mencionados quando pensamos na relação intrínseca que os versos de Pessanha estabelecem com a morte, enumero aqui “Branco e vermelho”, “Poema final”, e até “Inscrição”. Em “Branco e vermelho”, por exemplo, a experiência da dor que marca a primeira estrofe – “A dor, forte e imprevista, / Ferindo-me, imprevista, / De branca e de imprevista, / Foi um deslumbramento, / Que me endoidou a vista, / Fez-me perder a vista, / Fez-me fugir a vista, / Num doce esvaimento” (PESSANHA, 2009, p. 107) – abre um campo sensorial dominado por um estado de êxtase a partir do qual será iniciado um percurso alucinatório. No “êxtase da luz”, vemos desfilar “na areia imensa e plana” uma caravana de escravos condenados e de infelizes torturados pela “enorme dor humana”. Aqui, o poeta se confunde com o objeto observado e partilha com eles a mesma dor: “A cada golpe tremem / Os que de medo tremem, / E as pálpebras me tremem / Quando o açoite vibra” (Ibidem, p. 108). É preciso notar que a confusão entre sujeito e objeto da percepção não é de todo equivalente, uma vez que o percurso dos escravos será marcado pela exigência de seu fim, pela concretização da morte. Se há no poema uma disjunção entre o sujeito e a cena que ele contempla, essa disjunção remete a uma promessa de morte que não se cumpre, ao menos para aquele que a deseja. Por isso, na última estrofe, o poeta se endereça à morte, pedindo-lhe que venha cumprir sua promessa: “Ó morte, vem depressa, / Acorda, vem depressa, / Acode-me depressa, / Vem-me enxugar o suor, / Que o estertor começa. / É cumprir a promessa. / Já o sonho começa... / Tudo vermelho em flor...”. (Ibidem, p. 109)
A última estrofe do poema é marcada por uma mudança de direção, e recomeça. Pessanha utiliza o recurso poético de estruturar a penúltima estrofe pela repetição de versos da primeira e da segunda. Mas é preciso notar que a introdução de uma cor, o vermelho, no último verso do poema produz uma mudança de tonalidade no texto, até aí marcado pela predominância ofuscante do branco. De facto, é como se o último verso, “Tudo vermelho em flor”, mostrasse a chegada de uma nova narrativa. A morte, mais uma vez, pode ser lida como a impossibilidade de chegar ao inacessível, há uma antecipação da morte que remete sempre à vida, uma experiência que não termina e por isso sempre se repete.
Assinalo o quanto essa imagem de uma morte que não se realiza, de um fim que nunca acontece, é também uma metáfora da condição da escrita. O deserto que se revela em “Branco e vermelho” pode ser comparado à página branca na qual o poeta erra ao tentar seguir o seu percurso, a escrita do poema, percurso sem fim e sempre marcado pela exigência do recomeço. Essa errância na qual o poeta se vê engajado indica igualmente uma ausência de origem, na medida em que o gesto inaugural que funda o ato de escrita é, ao mesmo tempo, o gesto que denuncia que nunca houve origem, que ela está perdida desde sempre.
           
Camilo Pessanha: o morto alegre e a poesia moderna”, Izabela Leal. Revista Convergência Lusíada, n.º 26, julho - dezembro de 2011, pp. 41-42
           
           
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“BRANCO E VERMELHO” É LONGA ALEGORIA SOBRE O DESTINO HUMANO
Quanto à anulação da vontade, através da ataraxia búdica, expressa-se de maneira implícita ao longo de toda a obra de Pessanha. “Branco e vermelho” é longa alegoria sobre o destino humano, pautado pela dor. A humanidade e metaforizada pela caravana que atravessa um deserto imenso, sob o açoite. A dor torna-se o mal supremo e o veículo de libertação, porque, sob ela, os seres vão, ao mesmo tempo, aniquilando-se e libertando-se do fardo da existência. Mas a libertação supõe estágios, dentro dos quais o ser experimenta metamorfose, ou, ainda, várias mortes até a morte final, quando “o sonho começa... / Tudo vermelho em flor...”. Imagens como “desmaiam”, “sonho” reforçam a ideia de que o transcurso do tempo também deve ser anulado para que se conquiste o estado edênico. A passividade de Pessanha, manifesta em todo o livro, é reflexo da ataraxia búdica: através dela, o ser coloca-se à margem das atividades vitais e entrega-se a um estado muito próximo daquele do embrião no ventre materno.
           
Álvaro Cardoso Gomes, “Simbolismo/Modernismo”. In:  A Literatura Portuguesa em perspectiva. São Paulo, Atlas, 1994. v. 4, p. 59.
           
           
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O ORIENTE NA POESIA DE CAMILO PESSANHA
Na demanda de indícios chineses nos textos poéticos de Pessanha, a primeira leitura do poema «Branco e vermelho» – composição com um núcleo imagético que parece ligado a experiências descritas epistolarmente pelo poeta (119) e a ocorrência desses termos no princípio e no fim da composição, a experiência metafísica que este transmite fez surgir na minha mente (na altura alertada para esta simbologia) alpha eomega, primeira e última letras do alfabeto grego, símbolos de uma totalidade transcendental. O absoluto a que aspira o alquimista na sua procura da simbólica pedra filosofal. Branco… negro… vermelho. Posteriormente confirmei a legitimidade dessa associação na leitura que Stephen Rekert fez deste poema, aplicando-lhe uma grelha hermenêutica alquímica (120):
«Nas estrofes 1 a 3 deparamos com a dor branca provocadora do deslumbramento que parece rodear o poeta de um branco deserto resplandecente onde paira suspenso no êxtase da luz: dir-se-ia que chegou ao momento culminante da sua própria albedo. A seguir, surge no horizonte a caravana da dor colectiva da Humanidade, os pobres escravos […] em negro recortados estão a sofrer a sua nigredo, processo cíclico repetido tantas vezes quantas forem precisas para a entrada definitiva nos “jardins amenos” da albedo que se anuncia na estrofe 8. Na nona e penúltima (recapitulação das duas primeiras), a dor pessoal converge com a colectiva, e o poeta “suspenso” até se reunir com os seus próximos numa albedo comum, sente-se finalmente livre para avançar no caminho da purificação até à fase do rubedo: a aurora consurgens onde “o sonho começa […] – Tudo vermelho em flor […]”.» (121)
A tradição da alquimia chinesa, segundo certos autores, tem os seus inícios históricos bem antes do século VI a. C. (122). Parece que por esta altura a alquimia taoísta se orientava para uma interpretação mística das práticas alquímicas. No século IX ter-se-ia orientado numa direcção contemplativa, e no século XIII surgiria transformada numa técnica ascética – paralelamente a uma interpretação mais prosaica e “materialista” dos textos (123). Foi também documentado que a progressão das cores observada pelos alquimistas chineses no curso das suas operações é a mesma que a da preparação da ‘pedra filosofal’ pelos alquimistas ocidentais e que ela passa do branco ao vermelho. As etapas essenciais da Grande Obra são a obra ao branco (albedo) e a obra ao vermelho (rubedo). Estas etapas correspondem
«à l’éclosion de la fleur d’or chinoise et à la sortie de l’embryon, à l’obtention des états d’homme véritable et d’homme transcendant. […] Le symbolisme tantrico-taoiste de la Fleur d’Or est aussi celui de l’atteinte d’un état spirituel: la floraison est le résultat d’une alchimie intérieure, de l’union de l’essence (jing) et du souffle (qi). La fleur est le retour au centre, à l’unité, à l’état primordial.» (124)
«Tudo vermelho em flor…» . Flor vermelha? Flor de ouro? Há uma certa qualidade de ouro fino com uma ligeira coloração vermelha a que na China chamam chi jin: ouro vermelho. E este é o vermelho do cinábrio, dan, termo que designa não só essa substância sobre a qual trabalhavam – metaforicamente ou não – aqueles que a queriam transformar em ouro, mas também um local importantíssimo no corpo humano mais ou menos equivalente à ‘hara’ e ao plexo solar, sede da vitalidade do ser humano segundo a medicina chinesa, e ponto de concentração e irradiação das técnicas meditativas taoístas: o alambique simbólico da transformação “espiritual” (125).
É evidente que não pretendo afirmar que Camilo Pessanha tenha sido alquimista ou taoísta praticante. Mas é indiscutível que segundo esta grelha de leitura, o texto exprime um estado alterado de consciência e também se sabe quanto as experiências dos paraísos artificiais podem induzir esses estados transitoriamente: branco… (o negro)… e o vermelho – albedo, nigredo, rubedo. A flor vermelha… «Tudo vermelho, em flor…»Uma flor vermelha, de ouro. A flor de ouro (126): símbolo da luz, do tao, da cristalização e da experiência da luz, do renascimento espiritual. A este poema já multiplamente interpretado apenas lhe acrescentei a vertente chinesa, oriental, num exercício de hermenêutica orientalista.
           
Manuela Delgado Leão Ramos, “Camilo Pessanha, orientalizado e dilletanti da sinologia” inAntónio Feijó e Camilo Pessanha no Panorama do Orientalismo Português. Lisboa, Fundação Oriente, 2001 (Col. Orientalia, 5).
           
           
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CAMILO PESSANHA E O ‘TAO TE CHING’
Para Maria Helena Ribeiro da CUNHA, a poesia de Camilo Pessanha demonstra uma captação interior e subtil da sensibilidade oriental: próximo da deliqüescência ou da meditação, o seu orientalismo evola da poesia e atesta uma atitude contemplativa só encontrável entre os chineses. Subjacentes a alguns de seus poemas, as notas orientais percorrem-nos na tessitura, enervam -lhes a alma, são, por vezes, apoio fundamental à expressão da dor e de uma conceção de vida. “Branco e Vermelho” seria, já, possivelmente, fruto de incursões mais profundas na religião oriental: o caminho a percorrer com sofrimento; a consciência da dor humana, da qual o poeta é partícipe e testemunho; tudo se refere, inegavelmente, aos preceitos búdicos (1977, p. 15). Longe de significar o renascer do eterno desejo de existir, o último verso seria a afirmação do “não-eu” (“Tudo vermelho em flor...”).
[…]
Para Maria Helena Ribeiro da CUNHA, o poema “Branco e Vermelho” seria o melhor exemplo do budismo presente na poesia de Pessanha: nas primeiras duas estrofes, o poeta trata de destruir o engano da individualidade; na terceira, compreende a universalidade da dor; na quarta e na quinta, demonstra a difícil caminhada da humanidade em sua sede (ou temor) de existir; a sétima e a oitava estrofes representam a salvação, “a dor vencida, a luz serena, a calma”, quando se aproxima a revelação do Nirvana (1977, p. 15). A estrutura do poema estaria de acordo com as quatro verdades nobres, eixo da ética budista, a saber: 1) a vida é sofrimento; 2) a origem da dor está no perpétuo desejo de existir; 3) a extinção do sofrimento leva à salvação; 4) o caminho para a salvação tem oito estágios (implícitos na construção por oitavas, do poema).
[…]
Percebemos facilmente, na poesia de Camilo Pessanha, um apego à dor, à SUA dor, e, em última instância, à sua individualidade. Superar a dor, ultrapassá-la, transcendê-la e “imergir no Cosmos” pode significar perder-se um “eu” histórico cuja dissolução, talvez, seja insuportavelmente dolorosa. É ainda preferível doer-se e ser-se um ente histórico, do que deixar-se de doer e ser um... nada. Ou (o que dá quase na mesma): um tudo...
A dor é MINHA, e, em certo sentido, a dor sou EU. A respeito da poesia de Sylvia Plath, Joyce Carol OATES dizia de um drama parecido: a resistência a se despersonalizar, ultrapassando o isolamento, passando a viver num mundo de totalidade:
Não existe jamais uma integração do ego e sua experiência, do ego e seu campo de perceção. A perceção humana, para Sylvia Plath, é sempre um intruso no universo natural. Por que nunca ocorre aos poetas românticos que eles existem no universo com os mesmos direitos que qualquer outro animal e que sua função de poetas é uma função natural […]? (1974, p. 52).
O Individualismo ainda é uma marca da poesia de Pessanha. Ultrapassá-lo é o verdadeiro ideal budista. A propósito, a “despersonalização” do poeta, na poesia moderna, poderia representar, talvez, uma tentativa “búdica” de transcender a circunscrição do “eu” empírico... Voltaremos a falar desse assunto, quando mencionarmos a obra de Hugo FRIEDRICH. Por enquanto, vemos Camilo Pessanha, arrastando seu “grumo de sangue” vida afora (FRANCHETTI, 2001), a sua bagagem de dores pessoais... Lembramo-nos do / Ching, na linha 1 de seu hexagrama 33 (“A Retirada”): quem está se retirando, não deveria olhar para trás...
budismo de Camilo Pessanha pode muito bem ser um schopenhauerianismo.
Isso estaria mais de acordo com a carga pessimista de boa parte de seus poemas. Schopenhauer e Buda não são os mesmos: o pessimismo atribuído à doutrina budista vem, muitas vezes, de comentaristas imbuídos da doutrina de Schopenhauer, assim como o pessimismo de Schopenhauer está imbuído, muitas vezes, do pessimismo nietzscheano, que, por sua vez, está interpretado segundo o pessimismo da Escola de Frankfurt – o qual, não obstante, vem, muitas vezes, espelhar o pessimismo do próprio leitor, esse sim, um pessimista. O que queremos dizer é que o pessimismo é algo nomeado, ao que parece, pelos positivistas, assim como a “Idade das Trevas” foi algo criado pelos Renascentistas. Schopenhauer não nos pareceu pessimista, à leitura. Muito pelo contrário. Ao dizer que “a vida é sofrimento”, Buda não nos parece, também, pessimista. Se há uma carga de negatividade, todavia, na poesia de Pessanha, ela deve estar mais relacionada ao que a Europa pensava a respeito de Schopenhauer, do que ao que o próprio poeta pensava a respeito de Buda... Um trabalho que lide exclusivamente com as relações entre a sua poesia e o Budismo é algo que ainda está por ser feito, e, inexplicavelmente, ainda não o foi. Esta não é nossa tarefa, infelizmente. Inclinamo-nos, não ao Budismo, mas ao Taoísmo, para identificar certas semelhanças entre a poesia de Pessanha e a filosofia oriental. Semelhanças que poderiam muito bem ser atribuídas ao clima orientalizante da época, na Europa, fortemente influenciado pela doutrina de Schopenhauer, mas que, no caso de Pessanha, devido ao facto de ter residido tanto tempo na China, e ter-se interessado tanto pela cultura chinesa, pode ter raízes mais diretas com o Oriente, e raízes menos contaminadas por “comentadores”.
           
Camilo Pessanha e o ‘Tao Te Ching’: um capítuloPaulo De Tarso Cabrini Júnior, Assis, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2009, pp. 22, 26-29
           
           
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SENTIMENTO E CONHECIMENTO NA POESIA DE CAMILO PESSANHA
A indagação filosóficopoética não se confina ao ser e à vida individual do poeta. A dor que se estorce na sua poesia não é simplesmente pessoal, «mesquinhamente egoísta», nas palavras de Pessanha neste artigo, mas uma dor cósmica, flagelando a longa marcha da caravana do género humano, como se lê em «Branco e Vermelho». A indispensabilidade da dimensão filosófica na mais elevada poesia é sugerida na conferência que o autor proferiu «Sobre a Estética chinesa» quando a certo passo sustenta que «os Chineses não conseguiram levantar o seu espírito até à noção de arte pura ou arte filosófica: a sua arte é apenas decorativa ou de aplicação» (Pessanha, Contos, Crónicas, Cartas escolhidas…, p. 118).
Sentimento e Conhecimento na Poesia de Camilo PessanhaJoão Paulo Barros de Almeida, Coimbra, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 2009, pp. 54-55.
           
           
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Em «Branco e Vermelho», nesta linha de rastrear vestígios de uma ânsia de infinito, lemos a expressão de uma experiência visionária, de acentos místicos, extática: «deslumbramento… todo o meu ser suspenso… pairo na luz, suspenso… no êxtase da luz».
É uma experiência de plenitude, a ultrapassagem de um limite («Não sinto já, não penso»), em que a brancura da luz, ascética porque eleva, abre para o «vermelho em flor», talvez símbolo da pletora da vida.
Sentimento e Conhecimento na Poesia de Camilo PessanhaJoão Paulo Barros de Almeida, 
Coimbra, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 2009, pp. 62-63.
           
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A VULNERABILIDADE DO “EU“ E DO “OUTRO” NA POESIA DE PESSANHA
Para finalizar esse capítulo, abordaremos o poema “Branco e Vermelho”. Antes de propormos sua leitura, no entanto, faremos novas reflexões acerca do intimismo.
Podemos afirmar, em vista de tudo que já dissemos, que o tratar de si — e consecutivamente a contemplação de si mesmo — não implica se isolar do outro ou ter a atenção voltada somente para seu mundo particular. O isolamento pode ser, tão somente, uma promessa de reencontro de si, no outro, que não o eximiria do olhar que vai aos íntimos desejos, temores e crenças que constituirão o eu lírico. Devemos notar, contudo, que o “eu” se faz em contato com o “outro”. Afirma Umberto Eco, a respeito da relação eu/outro, que: “[...] é seu olhar, que nos define e nos forma. Nós (assim como não conseguimos viver sem comer ou sem dormir) não conseguimos compreender quem somos sem o olhar e a resposta do outro (ECO e MARTINI, 2000, p. 83)”.
Já foi dito, no capitulo anterior, que o séc. XIX possibilita um ambiente propício para a escrita intimista. Outras características desse século e da questão da poesia que nos importa para abordarmos o poema “Branco e Vermelho” é-nos dada pelo professor Alfredo Bosi nos seguintes termos:
[...] o homem é átomo voltado para si, cortado de comunidades; e átomo, concebe os outros homens e as coisas como outras tantas mônadas. Há pouco lugar para as formas de socialidade primária quando tudo é medido pelo status, pelo dinheiro, pelo caráter abstrato das instituições; e quase nenhum lugar para a relação afetiva direta com a Natureza e o semelhante. Egoísmo e abstração geram modos de sentir, agir e falar muito distantes das condições em que se produz a poesia; que é exercício próprio da empatia, das semelhanças, da proximidade (BOSI, 2000, p. 131).
Mais abaixo.,complementa:

Mesmo quando o poeta fala do seu tempo, da sua experiência de homem de hoje entre homens de hoje, ele o faz, quando poeta, de um modo que não é o do senso comum, fortemente ideologizado; mas de outro, que licou na memória infinitamente rica da linguagem. O tempo “eterno” da fala, cíclico, por isso antigo e novo, absorve, no seu código de imagens e recorrências, os dados que lhe fornece o mundo de hoje, egoísta e abstrato. Nessa perspectiva, a instância poética parece tirar do passado e da memória o direito à existência não de um passado cronológico puro — o dos tempos já mortos —, mas de um passado presente cujas dimensões míticas se atualizam no modo de ser da infância e do inconsciente. A épica e a lírica são expressões de um tempo forte (social e individual) que já se adensou o bastante para ser reevocado pela memória da linguagem. (BOSI, 2000, pp. 131-2).

Somando-se a ideia de que a lírica, no mundo moderno, é a “expressão de um tempo forte”, “individual”, ao intenso questionamenlo acerca de “qual é a função da poesia” (questionamento já presente na origem da modernidade com o Romantismo, desenvolvido com Baudelaire e expandido no século XX), podemos dizer que uma lírica de teor intimista também não será de fácil acesso ou interpretação. É, no entanto, essa particularidade da poesia que a impede de se coisificar, de perder seu sentido, no mundo da técnica. Hugo Friedrich afirma que “a lírica européia do século XX não é de fácil acesso. Fala de forma enigmática e obscura” (FRIEDRICH, 1978, p. 15); essa obscuridade intencional, ainda segundo o crítico alemão, “fascina” e “desconcerta” o leitor.
Esses “desconcerto” e “obscuridade” são muito comuns na poesia de Pessanha. Ao escolhemos abordar sua poesia pelo viés do intimismo (e nesse capítulo particularmente sobre a relação entre o “eu” e o “outro”), não procuramos falar de um “eu” facilmente reconhecível ou identificá-lo com elementos extraliterários.
Essa longa digressão foi para mostrar que as modificações estético-temático-formais que originaram a lírica moderna não são incompatíveis com o aprofundamento no “eu” — muito pelo contrário, favorecem-no — e trataremos o poema “Branco e Vermelho” como obra exemplar dessa possibilidade. A princípio, o eu que se constitui nesse texto não é diferente dos poemas que vimos analisando: nele, há a solidariedade do Eu com o Outro a partir da sua dor — que se mostrará inerente ao Homem, pois dele parte e a ele retoma.
O título “Branco e Vermelho” nos remete a lembrança do lamoso poema “Vogais”, de Arthur Rimbaud, publicado em 1871, no qual o poeta francês, através de relações entre a sonoridade das vogais e um grupo de sensações, primeiramente visuais, dá cor às letras. O professor Álvaro Gomes assim comenta as atribuições cromáticas das letras:
“(...) se a vogal “A” remete para baixo, para o material, para a podridão e a morte, o “E” sugere ascensão, elevação (...). Opostas à rota de ascensão são as imagens suscitadas pelo “I” vermelho: sugerem vitalidade, sensualidade, mas ao mesmo tempo, violência em “cólera” e deboche em “bebedeiras”(GOMES, 1985, p. 53).
Todavia, também do branco, pode-se ter a definição que Jean-Eduardo Cirlot emprega no Dicionário de símbolos:
(...) Guénon, em Symboles fondamentaux de la Science sacreé, diz que a gama real do arco-íris é de seis cores (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, violeta) e as coloca nas pontas de uma “estrela de Salomão”. O branco, sétima cor, situa-se no centro (em analogia com o “centro” do espaço, que tem seis direções = dois por dimensão). Assim, tradicionalmente, o branco é assimilado ao andrógino, ao ouro, à divindade. No livro do Apocalipse, o branco é a cor das vestimentas dos que “saíram da grande tribulação, lavaram sua roupa e branquearam-na com o sangue do Cordeiro (CIRLOT, 1984, p. 124).
Já o vermelho, além da já citada referência à sensualidade, vitalidade e à violência, faz analogia ao sangue e ao desejo (“Tudo vermelho em flor”).
A análise formal de tal poema aponta um rigor rítmico, quer seja de cariz visual pela repetição das palavras que dão as rimas (“imprevista/ vista”, “imenso/ penso”, “luz/ reduz”, “caravana/ humana”, “curvados/ recortados”, “tremem/ gemem”, “caem/ desmaiem”, “serenos/ amenos”, “depressa/ começa”), quer seja auditivo, pela repetição frequente em intervalos regulares das consoantes. A preocupação com o ritmo e com a musicalidade de Pessanha levou Óscar Lopes a afirmar que: “Os seus sonetos, sobretudo, são lançados com um cuidado extremo em eliminar quaisquer inflexões previsíveis da expressão sentimental. O equilíbrio fonético do verso, a simplicidade e precisão de cada palavra parecem nele ser escrupulosamente ponderados” (LOPFS e SARAIVA. s.d., p. 1059).
Interessa e chama a atenção a idéia da ponderação e do controle das expressões sentimentais. Os versos hexassílabos têm uma leitura mais cadenciada, soando como um marchar firme, ou como o tique-taque do relógio.
De facto, a idéia da marcha do tempo parece possível se observarmos o efeito que faz a repetição das oclusivas linguodentais sonoras /d/ e surdas /t/ da primeira oitava, marcando pesadamente o ritmo e o tempo. Esse marchar do tempo, que acompanha o marchar da dor, impregna o poema da noção de finitude, como se o relógio da vida ali estivesse batendo. Tal efeito se repete por todo o poema, mudando somente as consoantes que marcarão o ritmo.

A dor, forte e imprevista,
Ferindo-me, imprevista.
De branca e de imprevista
Foi um deslumbramento,
Que me endoidou a vista,
Fez-me perder a vista.
Fez-me fugir a vista,
Num doce esvaíniento.
A investigação do poema deve começar pela questão metafísica (o que posso saber?), já que a primeira oitava parece tratar exatamente disso, tomando a liberdade de utilizar o conceito mais comum de metafísica, que é a investigação que levanta questões sobre a realidade que está por detrás ou além das possíveis de serem tratadas pelo método científico (BLACKBURN, 1997, p.246).
A primeira resposta passa, antes de qualquer outra, pela impossibilidade de prever aquilo que o sujeito nomeia de dor. Imprevista, causa no sujeito um deslumbramento, um estado que faz com que perca a noção do ser caracterizado pela visão, pelo sensorial objetivo da realidade. Estado catártico que transforma tudo em seu redor em branco e faz com que o eu se esvaia. Podemos associar esse estado ao de nirvana, já que nirvana signitica esvair-se, apagar-se, extinguir a noção de “eu” e “meu”, ou, em outras palavras, suprimir o desejo (base da idéia de posse e base do sofrimento, segundo Schopenhauer).
Perder a vista, nesse sentido, é não ter mais posse do mundo objetivo, do mundo material, o que levaria ao “doce esvaimento”, que pode ser entendido tanto quanto do ser, quanto do desejo de ser ou ter, e, consequentemente, das medidas sensoriais que o faz ser. Entre essas medidas, citemos a temporal e a espacial. Por isso, seu ser estará suspenso, num limbo, num deserto incomensurável onde as regras físicas já não fazem sentido ou não ordenam nada, já que não sente mais nada e principalmente já não pensa.
Não tendo mais por hase os sentidos objetivos, pode-se supor que a segunda oitava já é um “o que me é permitido esperar?”, uma espécie de “testemunho” de uminsight que ocorre após a dor imprevista. Já não há o “saber”, o defínivel, o cognoscível. As ilusões do conhecimento então dão lugar à “delícia sem fim”. Esse estado místico continuará na terceira oitava, o que permitirá que veja agora sem o “véu” das ilusões uma nova “realidade”. Inundado de luz, “iluminado”, esse olhar já tem o discernimento de saber que o mundo objetivo torna tudo distante e reduzido e que a posse, exemplificada pelo adjetivo “amesquinha”, faz com que o objeto de compaixão, os “pobres corpos nus”, tornem-se diminutos, haja vista serem apreendidos no “fundo da pupila”, isto é, os olhos físicos, o ser ainda com vontade.
Nessas estrofes, a 4ª e a 5ª, do poema em estudo, podemos ler o seguinte:

Na areia imensa e plana
Ao longe a caravana
Sem fim, a caravana
Na linha do horizonte
Da enorme dor humana.
Da insigne dor humana...
A inútil dor humana!
Marcha, curvada a fronte.

Até o chão, curvados.
Exaustos e curvados,
Vão um a um, curvados.
Os seus magros perfis;
Escravos condenados,
No poente recortados,
Magros, mesquinhos, vis.
A quarta oitava ao nomear a dor como humana e qualificá-la como “inútil”, “insigne”, “enorme”, contrapõe-na à dor da primeira oitava. Ora, se era aquela libertadora, esta curva a fronte levando a visão para baixo, para o chão. Também faz com que os homens sejam escravos andando em linha, seres quase rastejantes, curvados. Limita-se, assim, ainda mais, o alcance da visão humana. Não podia ser diferente, haja vista os homens serem caracterizados como mesquinhos” e vis”.
Novamente o conceito de posse e de desejo se acentua. A terceira oitava também dá uma autonomia para essa dor, ao mesmo tempo em que a tira dos escravos (já que condenados por ela). Ela também marcha. Isso remete ao conceito budista de que “tudo o que existe no mundo é sem autonomia, transitório, e, em consequência, pleno de sofrimento” (GAARDER, HELLER e NOTAKER, 2005, p. 65), causado pelo desejo do ser humano. A primeira dor, por libertadora então, é [...] um momento de experiência do absoluto. É esta a iluminação possível, que desvela a unidade subjacente a cada percepção fragmentária dos sentidos. É a experiência da dor total, agônica, a única experiência de totalidade que essa poesia pode, coerentemente, admitir” (FRANCHETTI: 2001, p. 36).
A visão do açoitamento na sétima oitava faz com que o sujeito poético declare: “as pálpebras me tremem”, levando-o a desejar que os escravos desmaiem. A solidariedade aqui é através da dor. A cada golpe tremem os açoitados e treme as pálpebras do sujeito poético narrador:

A cada golpe tremem
Os que de medo tremem,
E as pálpebras me tremem
Quando o açoite vibra.
Estala! e apenas gemem,
Palidamente gemem,
A cada golpe gemem.
Que os desequilibra.

Sob o açoite caem,
A cada golpe caem,
Erguem-se logo. Caem.
Soergue-os o terror...
Até que enfim desmaiem,
Por uma vez desmaiem!
Ei-los que enfim se esvaem,
Vencida, enfim, a dor...

Nesse instante, percebe-se que o eu lírico, no seu trajeto para o “não-sentir / não-pensar”, ainda se toma de certo dever diante do outro. Sua sublimação a partir da dor não o desvia do olhar atento e compassivo, não o encaminha para um “Eu puro” sem as manchas” que a vida humana — com todo o inútil sofrimento — traz. De certa forma, essa responsabilidade também é pensada por Lévinas:
O homem livre é votado para o próximo, ninguém se pode salvar sem os outros. O domínio reservado da alma não se fecha a partir do íntimo. É “o Eterno que fechou a porta da Arca sobre Noé”, diz-nos, com admirável precisão, um texto do Gênesis. Como haveria ela de fechar-se na hora em que a humanidade perece? Haverá horas em que o dilúvio deixa de ameaçar? Ei-Ia, a interioridade impossível que desorienta e reorienta as ciências de nossos dias. Impossibilidade que não aprendemos nem pela metafísica, nem pelo fim da metafísica. Espaço entre mim e si (moi et soi), recorrência impossível, identidade impossível. Ninguém pode permanecer em si: a humanidade do homem, a subjetividade, é uma responsabilidade pelos outros, uma vulnerabilidade extrema (LÉVINAS, 1993, pp. 104-5).

Dessa forma, mesmo no gozo da dor e no esvaimento do ser”, o eu lírico não perde completamente sua relação com o outro. Se for a visão, como já aventado, a metonímia para a representação do ser objetivo, o açoite que vibra é a metáfora para a sensação do desejo. O sujeito poético percebe, pela sua situação particular e vantajosa, que somente o desmaio, a perda dos sentidos e da consciência tirará o homem dessa caravana, desse caminho que os leva a serem açoitados.
É o terror (que parece ser o terror de deixar de sentir, isto é, de “ser”), no entanto, que faz com que continuem a se erguer. Isso o leva a pedir que desmaiem, sabedor de que sair desse estado ilusório só é possível sob a vitória do primeiro tipo de dor do poema: a totalizante (a dor “branca”), a dor que não dói, pois é puro esvaimento e desprendimento.
Se há alguma lição moral”, é esta: desapegar-se do que sentimos enquanto vivos” levaria a integração com um todo iluminado, sereno, que premiaria a todos, independentemente de credo ou religião, por isso não há um eu ou um jardim, mas “céus” e “jardins” pluralizados, quebrando qualquer possibilidade de perspectiva de ser esse poema um corolário budista, hinduísta, cristão ou qualquer outro. Em suma, se nega o religioso tradicional; destaca-se que é a mundividência do eu lírico que se impõe.

Tal mundividência é a que o final do poema ressalta:
A dor deserto imenso,
Branco deserto imenso.
Resplandecente e imenso.
Foi um deslumbramento.
Todo o meu ser suspenso.
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso
Num doce esvaimento.

Ó morte, vem depressa,
Acorda, vem depressa.
Acode-me depressa.
Vem-me enxugar o suor,
Que o estertor começa.
É cumprir a promessa.
Já o sonho começa...
Tudo vermelho em flor...

O sujeito poético clama pela morte, pedindo que ela venha ao seu encontro. Resigna-se com a idéia de que, cumprido o trajeto, o caminho da vida, finalmente ter-se-á um descanso que passa pela idéia de adormecimento da alma. Descanso dessa vida humana que também é sonho, este infestado de desejo, “vermelho em flor”. Acordar desse sonho é abrir os olhos para a luz. A morte por si só então não basta, pois também ela está adormecida. Ela, ou sua ideia, é só um paliativo para tal travessia, só enxuga o suor perante o açoite da vida.
O verso “É cumprir a promessa” parece conter tal resignação. A morte ainda é desconhecida e, concordando com o conceito do poema, será somente um adormecer da alma. A, se possível, integração ou desvaimento, é a linha de chegada de um caminho ainda a ser trilhado. O momento privilegiado, iluminado, só existe para o sujeito poético como uma visão, talvez aquela que anteceda não a morte mas o desvaimento. Se com isso encontra-se um “medo cristão”, um respeito por premissas budistas ou um simples pessimismo em não crer sequer na libertação pela morte, não é tão importante quanto notar que o Eu, na concepção de Pessanha, é objeto de dor humana que deve ou deveria almejar mover-se para outra dor, essa já dita total. A primeira, impregnada de desejos humanos, enquanto a segunda é a total ausência de desejo. Uma vermelha. Outra branca. uma para sempre “cronometrável”. Outra simplesmente eterna.

José Eduardo Ferreira, O processo de representação do eu na Clepsidra de Camilo Pessanha. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2011. Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa, pp. 48-56.
          

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“Breve Introdução ao Simbolismo Português ‑ Seguido de dez leituras específicas dum poema de Camilo Pessanha”, Ana Hatherly. O Espaço Crítico ‑ Do Simbolismo à Vanguarda, Lisboa, Caminho, 1979

 "Clepsidra", Luís Miranda Rocha. Diário de Lisboa, 30 jul. 1987.

"Sobre o Poema 'Branco e Vermelho' de Camilo Pessanha", Luís MirandaRocha. SOL XXI, n.º 6. Lisboa, 1993.

Vida e obra de Camilo Pessanha: apresentação crítica, seleção, notas e linhas de leitura / análise literária de Clepsidra e outros poemas, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição).


                                                                         


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/11/27/branco.e.vermelho.aspx]

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