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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

NÃO SEI SE ISTO É AMOR (Camilo Pessanha)


©2012 berkozturk
   
                                                  
  
  
INTERROGAÇÃO


Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar, 
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo; 
E apesar disso, crês? nunca pensei num lar 
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito. 
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos. 
Nem depois de acordar te procurei no leito, 
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.

Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.

Passo contigo a tarde e sempre sem receio 
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca. 
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio 
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo.
Eu não sei que mudança a minha alma pressente... 
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço, 
Que adoecia talvez de te saber doente.


Camilo Pessanha
   
   
*
   
   
Audição do poema (estudio-raposa-audiocast):
      


      
LEITURA ORIENTADA

1. Assinale a alternativa incorreta sobre o poema:
(A) A regularidade dos versos (quase todos são alexandrinos) e o uso das rimas (com esquema abab) contribuem, ao lado de algumas aliterações, para a musicalidade suave desse poema.
(B) O eu-lírico, até a última estrofe, reluta em assumir a sua paixão e disfarça seus sentimentos (“Não sei se isto é amor” e “Se é amar-te não sei”).
(C) A referência ao Cântico dos cânticos, do Velho Testamento, tem conotação ao mesmo tempo religiosa e erótica.
(D) Os sentimentos são apresentados de maneira pessimista, o que se nota em expressões tais como “dor”, “fere”, “chorei”, “enerva” e “provoca”.
(E) Os primeiros períodos da primeira, terceira, e quinta estrofes repetem, de maneiras diferentes, a idéia central dos versos. Essa maneira, de certo modo, já aparecia no título do poema.
http://dc315.4shared.com/doc/pz8r_rvB/preview.html

2. O escritor português Camilo Pessanha faz parte da escola literária denominada Simbolismo. Assinale a alternativa que possui uma característica desse movimento artístico presente no poema.
(A) Elipse, pois o autor omite todos os pronomes pessoais a fim de criar musicalidade. (B) Bucolismo, pois o amor faz grande reverência à natureza ao evocar a sua sonoridade.
(C) Aliteração, pois o autor explora a repetição harmônica e ritmada de sons consonantais.
(D) Determinismo, pois o meio em que vive a pessoa amada determina o ritmo de sua vida.
(E) Ornamentação exagerada, pois há vocabulário ritmado com exclusividade de rimas ricas.

Resposta da questão 2: [C]
[A] Incorreta. Elipse não é uma figura de linguagem exclusivamente simbolista.
[B] Incorreta. Bucolismo é uma característica árcade.
[C] Correta. O Simbolismo procura sugerir por meio de elementos além da significação das palavras, daí o uso abundante de Aliteração: a repetição de sons vocálicos ampliam a significação do poema.
[D] Incorreta. Determinismo é uma característica realista-naturalista.
[E] Incorreta. A ornamentação exagerada é característica barroca; além disso, as rimas empregadas não são exclusivamente ricas.

3. No poema, o eu lírico demonstra que
(A) apresenta uma atração explicitamente física e carnal pela pessoa citada.   
(B) possui plena antipatia por versos românticos, pois a razão realista é o que o move.   
(C) resiste à mudança que sua alma imagina, pois ele não dá espaço para sentimentos.   
(D) procura abrigo quando já está curado, pensando em não ser um devedor à pessoa amada.   
(E) possui várias dúvidas a respeito de seu sentimento, o qual apresenta uma série de contradições.   
(Fatec 2017)

4. Responda ao questionário interpretativo que se segue.
4.1. Nesse texto temos um expressivo exemplo de poema lírico-amoroso não romântico, não sentimental. Mencione duas de suas estrofes que demonstrem mais claramente essa afirmação.  
4.2. Há no texto uma espécie de análise do sentimento amoroso, por meio da qual o sujeito lírico põe em dúvida esse sentimento: ao mesmo tempo nega e confirma seu amor. Identifique passagens significativas de cada uma das situações presentes na primeira estrofe. 
4.3. Apesar de o título do poema ser "Interrogação", predomina no sujeito lírico a negação, a dúvida ou a confirmação do sentimento? Por quê? 
4.4. Em sua opinião, qual é a principal característica dessa declaração não convencional de amor, tendo em vista que se trata de um poema simbolista? 

Chave de correção da questão 4:
4.1. A segunda e a terceira estrofes.
4.2. Exemplo de dúvida: "Não sei se isto é amor [...]"; exemplo de confirmação: "[...] procuro o teu olhar, / Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo"; exemplo de negação: "[...] nunca pensei num lar / Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.".
4.3. Predomina a confirmação do sentimento porque, embora continue afirmando duvidar do que se sente, o sujeito lírico acaba por se revelar, nos versos finais: "Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço, / Que adoecia talvez de te saber doente.".
4.4. Resposta pessoal. Sugestão: A principal característica é a sutileza, que parece querer camuflar a intensidade do sentimento, refinando-o, tornando-o como que "superior" aos excessos românticos e mesmo à sensualidade: "Eu não demoro a olhar na curva do teu seio / Nem me lembrei jamais de te beijar na boca."
Novas Palavras - Língua Portuguesa, Emília Amaral et alii, Editora FTD, 2011
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PSEUDO-ÁPICE
Aqui o eu-lírico confessa a um tu-mulher — esposa em potencial — as especulações em que se perde para tentar definir o sentimento que nutre por ela. Oleitmotif discurso pretensamente dialógico é “Não sei se isto é amor” o que desencadeia um processo de (auto-)definição que se enreda num suceder de negativas. Nada se sabe sobre as reações da interlocutora diante desse discurso, o que revela uma unilateralidade típica da ausência de comunicação. E o poeta enclausura-se nestas inquietações, nestas indefinições, nestas perguntas sem chance de resposta, sem qualquer indício de que isso resulte em maior aproximação, em comunicabilidade.

Camilo Pessanha em dois temposGilda Santos e Izabela Leal, 
Rio de Janeiro, 7Letras, 2007, pp. 48.
      
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A VOLÚPIA DA DECADÊNCIA E AS PALAVRAS-CHAVE DO SIMBOLISMO.
Uma frasechave para a compreensão do Simbolismo é a de Mallarmé: «Nommer un objet, c´est supprimer trois quarts de la jouissance du poème qui est faite de deviner peu à peu: le suggérer, voilà le rêve».
É este esbater de contornos da significação simbolista que permite que Óscar Lopes classifique justamente de «simbolista» o sentimento amoroso expresso em «Não sei se isto é amor» [Interrogação»] («um amor realmente simbolista, no sentido de que não sabe qual o seu objecto real», Óscar Lopes, «Camilo Pessanha», in Entre Fialho e Nemésio, Vol. I, p. 119). Nesta linha, o autor nota no soneto «Foi um dia de inúteis agonias» que o sintagma «um dia impressível» é lançado sem causa, «sem que se saiba ao certo de quê ou porquê», ibidem, p. 122.
[…]

AMOR, COMPANHEIRISMO E CONHECIMENTO INTERSUBJETIVO
A dificuldade da entrega, seja numa paixão sensual, seja numa afinidade de almas, transparece na poesia «Interrogação», sem embargo de um certo dandismo, de um tom ligeiro e faceto que a envolve46. O sintagma que ritma todo o poema é um «não sei». Dúvida, indecisão, uma minúcia de matizes. Todo o poema é constituído por variações do tema: «Não sei se isto é amor». A mulher parece ser sobretudo uma fonte de apaziguamento, de refrigério («Procuro o teu olhar,/ Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo», «Mas sintome sorrir de ver esse sorriso/ Que me penetra bem, como este sol de Inverno», «Passo contigo a tarde e sempre sem receio/ Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.»), mas não inspira nem a intenção de formar uma família («nunca pensei num lar/ Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.»), ou paixão lacrimosa e romântica («Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito. E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.») ou desejo sensual («Nem depois de acordar te procurei no leito/ Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.», «Eu não demoro o olhar na curva do teu seio/ Nem me lembrei jamais de te beijar a boca.»). Hoje diríamos que exerceria sobre o poeta um efeito psicoterapêutico positivo.
Essa mulher parece ser saudável («A tua cor sadia») e com os nervos sólidos, contrastando com a mulher anémica do poema seguinte «Crepuscular». Em ambos os poemas, é referido o crepúsculo e a susceptibilidade do poeta ao seu efeito perturbador. Porém, em «Interrogação», a mulher constitui uma barreira eficaz contra a melancolia do ocaso, enquanto que no poema seguinte «o vago sofrer do fim do dia» banha a mulher de mãos pequenas com o seu langor.

Sentimento e Conhecimento na Poesia de Camilo PessanhaJoão Paulo Barros de Almeida, 
Coimbra, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 2009, pp. 43, 97-98.
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(46) Cf. João Camilo, «A Clepsidra de Camilo Pessanha», in Persona, nº 10, 1984, p. 25: «Um poema como «Interrogação», em que transparece um certo dandismo, dános ainda uma visão do mundo leve e irónica, ligeira e superficial. O poeta não sabe se ama, mas sabe que tem prazer em estar com a mulher invocada no poema».
            

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 Vida e obra de Camilo Pessanha: apresentação crítica, seleção, notas e linhas de leitura / análise literária de Clepsidra e outros poemas, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição).




[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/01/07/interrogacao.aspx reeditado em 2017-09-05]

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