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domingo, 14 de fevereiro de 2016

Arte de vanguarda é impossível na pós-modernidade


Zygmunt Bauman
Zygmunt Bauman
O conceito de avant-garde, a vanguarda, valiosíssimo para os movimentos artísticos da modernidade, precisa ser interpretado como a noção de um grupo (e de um tipo de arte) que serve de ponta de lança para as próximas gerações artísticas. A vanguarda é aquela que aponta o caminho no momento em que ele não existia e no momento em que ele não pode nem mesmo ser entendido, “a vanguarda dá à distância que a separa do grosso da tropa uma dimensão temporal: o que está sendo feito presentemente por uma pequena unidade avançada será repetido mais tarde, por todas”, diz Bauman no Mal Estar da Pós-Modernidade.


Para isso, é necessário ter uma visão clara daquilo que está à frente e aquilo que está atrás. Ou seja, para saber que a vanguarda é o grupo que prepara o terreno para o grosso da sociedade depois percorrer com suavidade é necessário ter uma visão clara daquilo que está em nossa frente, que precisa ser alcançado, e aquilo que está atrás, que precisa ser superado, que está ficando anacrônico. O pressuposto da vanguarda é que a população irá depois seguir o seu exemplo. O trabalho da vanguarda, portanto, nunca é em vão, já que é um trabalho de bandeirante: corta-se a mata para abrir o caminho que todos seguirão.
Entretanto, a pós-modernidade é tudo, menos imóvel. Não é possível declarar uma vanguarda, esta ideia é obsoleta num mundo de fluxo contínuo em que é impossível determinar qual é a frente e qual é a traseira. “Podemos dizer que o que hoje se acha ausente é a linha de frente que outrora nos permitia decidir qual o movimento para frente e qual o de retirada. Em vez de um exército regular, as batalhas disseminadas, agora, são travadas por unidades de guerrilha”, ou seja, não há mais batalhas travadas por grupos que pretendem obter uma mudança global. Agora, as batalhas são travadas por artistas que não pretendem nada mais do que serem artistas.
A Modernidade
Na modernidade existia uma característica em comum dos movimentos artísticos: a tentativa de mudar o mundo, a necessidade de ir além da própria arte e de se utilizar da arte como uma arma para a transformação social. É por isso que diversos movimentos se apoiavam em organizações e em teorias da direita e da esquerda radical. A revolução era gritada e era o objetivo-mor destes movimentos.
O grande objetivo do modernismo era acelerar as mudanças que sempre foram prometidas pelas filosofias do século XIX, essa tentativa de aceleração mostrava a seriedade com que essas ideias eram tratadas. “Eles [os modernistas] também acreditavam firmemente na natureza de sua época como vetor, convencidos de que o fluxo do tempo tem uma direção, de que tudo o que vem depois é também (ou tem de ser, deve ser) melhor, enquanto tudo o que reflui para o passado é também pior — atrasado, retrógrado, inferior. Os modernistas não travaram sua guerra contra a realidade que encontraram em nome de valores alternativos e de uma visão de mundo diferente, mas em nome da aceleração”, ou seja, não se tratava de simplesmente modificar a realidade, mas de empurrar a história, de saber que eles eram o vetor principal da história para a aceleração e para o alcance do mundo perfeito, prometido e desejado.






Max Ernst - o surrealismo como arte moderna
Max Ernst – o surrealismo como arte moderna

Os modernistas tinham um inimigo claro, a burguesia inculta. Essa cambada de filisteus, vulgares e indignos deveriam ser arrasados, eles deveriam ser julgados sumariamente pelo seu gosto artístico inferior (ou melhor, por não terem gosto artístico). A arte moderna não pretendia ser facilmente digerível, na verdade, ela pretendia não ser passível de digestão, já que o papel em que os modernistas se colocavam estava sempre acima da média da população. Os modernistas queriam guiar, ensinar, apontar o dedo para o caminho correto e para isso, era necessário que a massa espectadora fosse composta por incultos.
Bauman explicita, “aos considerados imaturos, não completamente desenvolvidos, retardatários, os modernistas queriam mostrar a luz, ensinar, educar e converter; os modernistas só podiam, afinal, permanecer na posição de vanguarda quando tratando os outros como ainda não realizados, afundados nas trevas, esperando pelo esclarecimento”. Entretanto, pior do que a ignorância é o total entendimento.
Síndrome do underground?
Ao expor uma arte que precisava se distanciar da hegemonia, o modernismo também partiu do princípio de que o sucesso de suas proposições era o signo de seu fracasso. Como uma sociedade fracassada poderia entender em sua maioria as propostas modernistas? O capitalismo responde com a capitalização das obras.
Quando a alta burguesia precisou se distinguir do restante da sociedade, a compra de quadros e esculturas modernistas, a proposta de discussões do modernismo e a crescente procura das obras deste período se transformaram em símbolos de distinção social, de acumulação de capital simbólico e cultural. O modernismo foi pego pelas pernas e transformado em mercadoria banal, já que ninguém mais precisava entender o modernismo, mas tinham que possuir algumas de suas obras.
“O paradoxo da vanguarda, portanto, é que ela tomou como sucesso o signo do fracasso, enquanto a derrota significasse, para isso, uma confirmação de que estava certa. A vanguarda sofria quando o reconhecimento público era negado — mas ainda se sentia mais atormentada quando a sonhada aclamação e o aplauso surgiam finalmente”, explica Zygmunt Bauman.
Pós-modernismo
Já na pós-modernidade, os termos “filisteu” e “inculto” já não encontram mais significação. Toda arte é arte e nenhuma delas precisa estar alinhada com um objetivo político futuro. Não há mais maneiras de se definir o próximo passo, assim como não há como saber que o passado é pior e precisa de melhoras baseadas em um projeto de sociedade. O espaço e o tempo não são mais alinhados da mesma forma, não há mais como estabelecer um ponto fixo e não há como ver aquilo que está adiante. O presente é perpétuo, então, pra que um futuro?






Roy Lichtenstein, In the Car, 1963.
Roy Lichtenstein, In the Car, 1963.

Não há mais estilos e movimentos retrógrados ou progressistas – o retrógrado é não aceitar a impossibilidade de deslegitimar um estilo ou um movimento. Ou seja, cabe aos artistas pós-modernos produzirem algo de grande impacto (para conseguirem se destacar entre a montanha de outros artistas tão legítimos quanto eles) e de fácil obsolescência (para que novas artes possam ocupar o espaço desta nas prateleiras do mercado artístico).
Pela primeira vez na história a arte adquire uma autonomia antes somente imaginada. A arte é pela arte por excelência, já que não há mais motivos para ligá-la à transformação social (qual transformação social é possível em um mundo fluido, sem futuro e sem passado, sem projetos políticos, sem utopias e sem a construção de certezas coletivas?), a arte é toda para o público puramente artístico (as elites culturais) e para o mercado (já que os artistas também precisam comer).
“Como sugere Baudrillard, a importância da obra de arte é medida, hoje, pela publicidade e notoriedade (quanto maior a platéia, maior a obra de arte). Não é o poder da imagem ou o poder arrebatador da voz que decide a “grandeza” da criação, mas a eficiência das máquinas reprodutoras e copiadoras — fatores fora do controle dos artistas. Andy Warhol tornou essa situação uma parte integral de sua própria obra, inventando técnicas que deram cabo da própria ideia do “original” e produziram unicamente cópias desde o início. O que conta, afinal, é o número de cópias vendidas, não o que está sendo copiado”, relata o autor.

É impossível haver uma vanguarda porque esta posição nem mais existe em nossa compreensão da arte.



EM MODERNIDADE LÍQUIDA
https://colunastortas.wordpress.com/2014/06/05/arte-de-vanguarda-e-impossivel-na-pos-modernidade/

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