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domingo, 27 de março de 2016

O QUE ESPERA O POETA DO LEITOR?


José Carreiro, 1993.


         No Dia Mundial da Poesia ouvimos dois poetas recém-publicados de duas gerações:
         Filipa Leal e Luís Filipe Castro Mendes

Está um pouco esquecida a frase batida de que Portugal é um país de poetas, mesmo que a realidade mostre que continua a ser verdade. Com um benefício, desta vez os poetas não andam a queixar-se de ninguém os ler ou de não serem editados.

Basta um exemplo, o de Matilde Campilho, que em poucos meses teve quatro edições do seu livro. Explicação para o facto? Pergunta-se ao responsável pela coleção onde foi publicado o Jóquei, o também poeta Pedro Mexia, se há novos leitores ou se são os habituais: "Os leitores de um livro de poesia são, em geral, leitores habituais de poesia, ou seja, poucos. Mas o Jóquei chegou a muitíssimo mais gente."

Não é preciso um grande esforço para se ver que as editoras estão atentas ao fenómeno dos novos poetas, pois, como diz Pedro Mexia, mesmo que a coleção que organiza publique apenas quatro títulos por ano, "o catálogo tem poetas portugueses vivos, quase todos jovens". Um investimento que já deu resultados, afirma: "Rosa Oliveira publicou na coleção o seu primeiro livro de poemas, ao qual foi atribuído o Prémio Pen Clube Primeira Obra."
Também a Assírio & Alvim, a editora com o melhor currículo na edição de poesia, está atenta à obra dos principais poetas portugueses, estando a publicar obras completas de Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner, Ruy Belo e Rui Cinatti. Mas a preocupação da editora também é para com os poetas vivos, sendo vários os títulos recentes de Gastão Cruz, Ana Luísa Amaral ou Armando da Silva Carvalho (ler coluna à direita), bem como uma especial atenção às novas gerações, como é o caso de Daniel Jonas, ou às mais recentes, como Filipa Leal.

           E o que espera o poeta do leitor?
Sete poetas explicam a sua relação com os leitores. Esperam alguma ligação ou desprezam essa possibilidade? Escrevem para quem compra livros ou o lado de lá não tem importância? As respostas diferem, tal como são diferentes os poemas de cada um.


Ana Luísa Amaral  |  RUI OLIVEIRA / GLOBAL IMAGENS


Ana Luísa Amaral
Do poeta o leitor nada espera, a não ser partilha de paixão. O que não é pouco. Mas essa expectativa só se dá depois de o poema estar passado a livro. Porque, durante a escrita do poema, o poeta nada espera. "Todo o poema é sobre aquele que sobre ele escreve", disse uma vez. Ao escrever, o poeta escreve para si, porque precisa, e sempre a partir do próprio corpo e do mundo, tal como o vê. O leitor vem sempre depois e ao chegar ao poema recebe-o como se fosse seu (como o poeta recebe os poemas dos outros que antes dele escreveram). A unir poeta e leitor está a paixão - que, por ser paixão, tem sempre uma dimensão de espantamento e de assombro. Ou de desassossego. Depois do poema partilhado, desassossegar o leitor - que mais pode, pois, o poeta esperar?

           António Carlos Cortez
O poeta espera que o leitor entenda que a poesia não é a mera emoção de um eu textual que pode corresponder ao autor empírico. O poeta, consciente de que o trabalho da palavra é a projeção de uma emoção vivida e depois transfigurada em linguagem, persegue um leitor que partilhe esta mesma conceção de trabalho. O poeta não procura o leitor romântico, aquele que pensa que a poesia é a rima bem feitinha ou uma espécie de jogo floral. Não procura um leitor cheio de superstições literárias. Procuro um leitor sensível e inteligente, o que está atento ao trabalho frásico e às imagens; procuro um leitor atento como uma antena, para lembrar Sophia.

          Cláudia R. Sampaio
Não espero nada quando escrevo, não penso no exterior. Escrever é ser solidão. Uma solidão que não assusta, tão necessária como a visão deste enigma que é esta superfície que pisamos, sem nome, sem porquê. Escrever um poema pode ser tão perigoso como estar à beira de um precipício. O leitor deveria ter a noção desse perigo, dessa urgência de vertigem que faz mover a caneta. Por isso, que leia não com os olhos mas com a vida toda, com a fome, com o invisível. Só assim poderá ter o estremecimento necessário ao entendimento do que está para além da palavra, e ser também ele poema.

           João Luís Barreto Guimarães
Pouca coisa. Que o leitor revele um interesse único pelo poema que o poeta produziu. Que aguarde ansiosamente cada novo livro como se de uma singular oferenda se tratasse. Que lhe dedique em exclusivo tempo de qualidade. Que use de um naipe de faculdades sensitivas e cognitivas para entrar no texto e se espante com a inteligência e o brilhantismo do mesmo. Que, após entrar dentro do texto, permita que o texto entre dentro de si. O que o poeta espera do leitor é que o leitor o admire e o reclame e o ame, mais ou menos para sempre. É isto que o poeta espera do leitor. Coisa pouca, realmente.

           José Tolentino Mendonça
O poeta não espera nada, e só assim está certo. Aquela experiência de solidão e graça, aquele misto de façanha e medo que se prova na construção de um poema pede esse absoluto desprendimento. O poeta não espera nada, portanto. Mas o poema espera tudo. Poder-se-ia dizer que espera ser lido, escutado mesmo que de passagem, criticado, analisado, reencontrado, refeito, tatuado numa labareda ou até esquecido. Tudo isso. Creio, porém, que o poema talvez espere simplesmente um amigo que de longe venha, como diria Ruy Belo.

Maria Teresa Horta  |  GONÇALO VILLAVERDE/GLOBAL IMAGENS


Maria Teresa Horta
Do meu leitor, espero que seja inteligente, exigente e criativo, e queira da minha poesia o mesmo que eu exijo: sempre mais e melhor, voando além de mim mesma.

           Nuno Júdice
Espero do leitor que abra um livro de poesia como se abre uma caixa de fósforos: fazendo a cada poema o que se faz quando se risca um fósforo, para que ele se acenda e o seu fogo ilumine ou incendeie quem o lê. E é isso que eu, colocando-me na posição de leitor, espero de um poema: a capacidade de revelar nas palavras e nas imagens a música, a interrogação, a inquietação, mas também a perceção daquilo a que chamei "o mistério da beleza". É isso que procuro quando escrevo, tentando captar na convergência dos ventos os sinais de que a poesia continua a abrir horizontes surpreendentes num permanente convite à viagem para dentro e para fora de nós.

João Céu e Silva, Sucesso da poesia evita confronto entre gerações de poetas” in DN Artes, 2016-03-21


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