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quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Antologia antirracista e antifascista de poetas estrangeiros em Portugal

A que terra devemos voltar?

Em que terra devíamos estar que não aquela que estamos agora?

A quem pertencem estas terras todas? 


Brasil/Galiza/Portugal, Editora Urutau.
Organização: Manuella Bezerra de Melo e Wladimir Vaz

 


SMOOTHIE

 

ela cresceu numa favela de Bagdá

na primeira década deste século.

pelo menos uma vez por semana

era acordada em plena madrugada

pelo som ensurdecedor dos rotores

de um enorme helicóptero americano

dando vôos rasantes sobre sua casa

sem objetivo

para além

da intimidação.

hoje vive num subúrbio sossegado de Lisboa

traduzindo para o árabe novelas brasileiras.

quase morre de susto

toda vez que eu uso o liquidificador.

 

Luca Argel

nasceu em 1988 no Rio de Janeiro, e vive desde 2012 em Portugal. É licenciado em música e mestre em literatura, e tenta equilibrar o seu trabalho entre as duas áreas. Tem 5 livros e 4 álbuns lançados. É apaixonado por samba.

 

 


Não se vão livrar de mim tão depressa

Estrangeira: nunca.

Cidadã de nenhures

alma de toda a parte

maldita bruxa,

tormento.

Não se vão livrar de mim tão depressa.

**

Non vi libererete di me così in fretta

Straniera: mai.

Cittadina di nessun luogo

anima di ogni dove

maledetta strega, tormento.

Non vi libererete di me così in fretta.

 

Noemi Alfieri

é investigadora, migrante. A sua escrita é atravessada pelas preocupações à volta da violência, do género, do colonialismo, da opressão capitalista, da propaganda e das construções raciais. Italiana, a viver em Lisboa.

 


HOMEM DE CÔR

 

Sou balanta, sou kimbundo

Sou badio, marronga ou angular

Continental ou insular

Há quem me chame homem de côr

Tenho nome e apelido

Sou do norte, sou do sul

E como tu, gerado no centro

Bendito esse teu ventre Mamãe

Sou exótico p’ra a folia

Sou selvagem quando incomodo

Sou dos teus quando convém

Sou o tal homem de côr

Dizem que sou do terceiro mundo

E, segundo bocas infames

Neste universo sem primeiro

Nem civilizado sou

Sou maconde, sou forro

Sampadjudo, mandjáku, kinkôngo

Operário e intelecto

Mas só me chamam homem de côr

Sou de lá já sou de cá

Vou, não sei p’ra onde

Com o vento que já sopra

Ora p’ra lá, ora p’ra cá

Sou filho disto

Sou filho daquilo…

Sou filho do vento

Sou filho deste mundo.

 

Costa Neto

Músico compositor, intérprete e produtor. Natural de Moçambique. Residente em Portugal

 

 

https://editoraurutau.com.br/


A antologia de poesia VOLTA PRA TUA TERRA reúne as seguintes vozes de migrantes a residir em Portugal:

Amanda Vital, Ana Luiza Tinoco, Ana Paula Vulcão, Bruna Carolina Carvalho, Carla Muhlhaus, Carol Braga, Costa Neto, Daniel Cruz, Danilo Cardoso, Delmar Maia Gonçalves, Duda Las Casas, Dulce Semedo, Elizabeth Olegario, Ellen Lima, Etivaldo Camala, Flávio Catelli, Francisco Mateus, Francisco Welligton Barbosa Jr, Gabriela Carvalho, Gahbe, Hilda de Paulo / Mãe Paulo, Huggo Iora, Irma Estopiñà, Ivan Braz, Jamila Pereira, Jaqueline Arashida, Jean D. Soares, Jorgette Dumby, Juliano Mattos, Laura Beaujour, Leidy Rocio Anzola Chaparro, Luca Argel, Luciana Pontes, Luciana Soares, Mai Zenun, Maria Giulia Pinheiro, Mariana Dorigatti, Marianna Serrano, Monise Martinez, Murilo B. Lense, Murilo Guimarães, Noemi Alfieri, Ronaldo Cagiano, Salazar Crioulo, Samara Azevedo, Samara Ribeiro, Sylvia Damiani, Vum-Vum Kamusasadi.

 

Fonte: “3 poemas de V̶O̶L̶T̶A̶ PRA TUA TERRA: Uma antologia antirracista/antifascista de poetas estrangeirxs em Portugal”. Redação shifter.sapo.pt, 22/01/2021.



CARREIRO, José. “Antologia antirracista e antifascista de poetas estrangeiros em Portugal”. Portugal, Folha de Poesia, 27-01-2021. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/01/antologia-antirracista-e-antifascista.html



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