25 de Abril – Viva o 25 de Abril!
Por: Carlos Esperança
Tecendo a manhã de todas as esperanças, o MFA fez raiar a mais radiosa de todas as auroras naquele distante ano de 1974. Abril era mês e 25 o dia resgatado do calendário para o sonho coletivo da liberdade, com cravos floridos nos canos das espingardas.
Nunca uma revolução fez tanto, em tantos séculos de país, para, de um só golpe, abrir prisões, derrubar a censura e abrir as portas da democracia. O 25 de Abril não é um dia, é o dia da História e das nossas vidas, o dia inapagável que traçou a baliza e a marca, o antes e o depois, do cárcere à liberdade, da ditadura à democracia, da guerra à paz.
Foi o dia em que os capitães, que fizeram a guerra, impuseram a paz, numa epopeia em que a coragem de um dia resgatou do opróbrio da ditadura um povo amordaçado.
Ao comemorar os 47 anos da data que os democratas trazem no seu devocionário, na mágoa de saberem os que o traíram, alérgicos ao cravo e ao povo que os elegeu, recordamos a gesta heroica dos que arriscaram a vida para nos devolverem o direito a decidir o destino.
A guerra colonial, o analfabetismo, a discriminação da mulher, a censura, a repressão, os cárceres e a Pide são o pesadelo que só habita a memória dos mais velhos, mas já se assiste ao regresso e agressividade dos notálgicos da ditadura, dos ingratos e traidores.
Portugal espera que o 47.º aniversário seja, na contingência das medidas sanitárias, um grito de esperança de novas madrugadas, como aquela em que o MFA nos legou o direito ao sonho e à liberdade, e sirva de opróbrio a quem conspira contra a democracia.
Na ditadura, o País não era a casa comum dos Portugueses, era a cela coletiva dos que não fugiam. O 25 de Abril transformou Portugal. Tanto tempo nas nossas vidas, tão pouco na história de um povo. Urge perpetuar o espírito de Abril.
No sonho de outras manhãs que nos libertem do medo e incerteza que ora nos oprimem, do pesadelo da pobreza, do desemprego e da vingança contra Abril, deixo um poema do poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto:
Tecendo a Manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
(João Cabral de Melo Neto)
Carlos Esperança, 2021-04-25. Disponível em: https://www.facebook.com/carlos.esperanca.1/posts/10225831510596119
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Ficheiro repassado nas redes sociais, à data da presente publicação. |
25 DE ABRIL: UM GUIA PARA CELEBRAR NA RUA OU EM CASA
Este
ano o 25 de Abril volta à avenida da Liberdade mas com muitas restrições. Veja
como pode comemorar em segurança
DESFILE NA AVENIDA DA LIBERDADE
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Avenida da Liberdade, 2021-04-25. © José Carreiro |
Depois de no ano
passado o desfile do 25 de Abril ter sido cancelado devido à pandemia de
covid-19, este ano a DGS autoriza o
tradicional desfile na Avenida da Liberdade, em Lisboa, desde que se cumpram as
regras de saúde pública como o distanciamento e o uso de máscara.
No entanto, devido
às restrições sanitárias, só é permitida a participação de um número limitado de representantes das forças
políticas, associações e outras entidades que fazem parte da comissão
promotora. São mais de 40 instituições, entre as quais todos os partidos da
esquerda parlamentar, as centrais sindicais CGTP-IN e a UGT, mas também a
associação Renovação Comunista, a associação de Aposentados, Pensionistas e
Reformados (APRE!), os Precários Inflexíveis (PI) e outras.
Todas as outras entidades que não pertençam à comissão promotora mas que
queiram participar no desfile devem fazer a sua inscrição até às 15.00 deste
sábado para o mail secretaria@a25abril.pt.
Além disso,
sublinhe-se que, para todas as entidades, o número máximo será de doze
pessoas (duas filas de seis, separadas de 2 metros). E
todos devem usar sempre a máscara.
Deve ainda ser feito um “registo devidamente autorizado de todas as pessoas
participantes no evento, incluindo nome e contacto, bem como a localização
exata do bloco constante na organização do desfile, em que irão integradas”,
para efeitos de contacto no contexto de vigilância epidemiológica da covid-19.
O desfile está
marcado para as 15.00 e deverá, como
habitualmente, descer do Marquês de Pombal até ao Rossio.
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Avenida da Liberdade, 2021-04-25. © José Carreiro |
HÁ
OUTROS DESFILES NA AVENIDA?
Inicialmente impedida de participar no
desfile oficial, a Iniciativa Liberar decidiu organizar um desfile próprio e irá mantê-lo, apesar de a comissão promotora ter,
entretanto, alterado as suas orientações.
O ponto de
encontro está
marcado para a Praça Duque de Saldanha, de
onde se prevê que o grupo saia às 15.00. A ideia,
explicou o partido à TVI24, é descer a av. Fontes Pereira de Melo, chegar ao
Marquês quando o desfile oficial já estiver em marcha pela avenida e
seguir atrás.
A IL
tinha já 150 inscritos para este desfile, mas está preparada para acomodar
participantes de última hora.
E O POVO QUE SE QUEIRA JUNTAR À CELEBRAÇÃO?
Quem
quiser pode estar na avenida, nos passeios laterais, sem participar no
desfile. No entanto, é bom recordar que, de acordo com as regras sanitárias em
vigor, não são permitidos ajuntamentos na via pública e mantêm-se as indicações
para cumprir o distanciamento social e usar sempre máscara.
Por
esse motivo, os partidos não estão a apelar à participação popular,
aconselhando, pelo contrário, a que se procurem outras formas mais simbólicas
de assinalar o dia da liberdade. Por exemplo...
CELEBRAR
CANTANDO O "GRÂNDOLA"
Tal como no ano
passado, a comissão promotora das celebrações do 25 de Abril pede às pessoas
que queiram juntar-se à comemoração que no domingo, às
18.00, vão à janela cantar o tema de Zeca Afonso, "Grândola, Vila
Morena", seguido do Hino Nacional.
A ideia
é que, a essa hora, em todo o país, as pessoas se juntem a cantar, incluindo
aquelas que estão na avenida da Liberdade ou noutras celebrações.
NO
RESTO DO PAÍS TAMBÉM HÁ DESFILES
Há desfiles,
concentrações e comícios agendados para vários locais - sempre tendo em conta
as restrições impostas pela pandemia. Estes são alguns dos pontos de encontro
confirmados à TVI24 pelo PCP:
Porto, 14.30, Largo Soares dos Reis
Braga,
15.00, Av. Central
Beja,
15.00, Jardim do Bacalhau
Faro,
15.00, Largo Catarina Eufémia
Funchal,
15.00, Praça do Povo
Viseu,
15.00, Rossio
Guarda,
15.00, Jardim José Lemos
Coimbra,
15.00, Praça da Canção
Évora,
16.00, Zona Verde da Malagueira
Vila
Real, 15.00, Jardim da Carreira
SESSÃO
SOLENE NA ASSEMBLEIA
A sessão solene
comemorativa do 47.º aniversário do 25 de Abril na Assembleia da República está
marcada para as 10:00 de domingo, e será
acompanhada pela TVI24.
Tal
como no ano passado, a sessão contará com um número de presenças reduzido
por motivos de saúde pública. Depois das palavras do presidente da Assembleia
da República, Eduardo Ferro Rodrigues, discursam os representantes dos vários
grupos parlamentares. A última intervenção caberá ao Presidente da
República.
2021-04-24, https://tvi24.iol.pt/politica/comemoracoes/25-de-abril-um-guia-para-celebrar-na-rua-ou-em-casa
Intervenção do Presidente da
Assembleia da República:
Portuguesas e Portugueses,
Um ano depois, e no rescaldo de uma
severa terceira vaga, cujo combate veio determinar o confinamento generalizado
do País, com as consequências sociais e económicas que todos conhecemos, mas
agora com o horizonte de redobrada esperança que as diferentes vacinas vieram
trazer, a Assembleia da República volta a reunir-se em Sessão Solene para
assinalar mais um aniversário do 25 de Abril de 1974.
Foi um ano de combate, em que os
profissionais de saúde e todos os que permitiram que o País não parasse merecem
reconhecimento nacional. Foi um ano com muitas vítimas, até ontem 16.957, que
homenageámos nesta Assembleia da República há três dias.
Estamos pela segunda vez com um reduzido
número de Deputados nesta Sala das Sessões – muitos acompanham-nos a partir dos
seus Gabinetes, em linha com o que tem sucedido nos últimos meses nas Sessões
Plenárias do Parlamento – e um diminuto leque de convidados, representativo das
principais instituições do Estado Português e da sociedade portuguesa, cuja
presença saúdo vivamente.
E, claro está, com a honrosa presença de
Sua Excelência o Presidente da República, 47 dias depois de tomar solenemente
posse perante a Assembleia da República, iniciando, assim, o seu segundo
mandato.
Senhor Presidente da República,
Minhas Senhores e Meus Senhores,
Quarenta e sete é também o número de anos
que levamos de Liberdade e de Democracia.
Um período bastante curto, quando
comparado com os quase 900 anos de história que levamos de Nação, mas, ainda
assim, suficiente para nele se terem alcançado significativos avanços e
progressos no domínio dos direitos fundamentais e das liberdades individuais,
nos domínios social e económico e, não menos relevante, no plano político.
Quando olhamos para a infraestruturação
que foi feita nas últimas décadas (na habitação social, na eletrificação, no
abastecimento de água e no saneamento, na rodovia, na modernização de várias
áreas da Administração Pública), quando recordamos a criação do Serviço
Nacional de Saúde e da Segurança Social, quando nos detemos na evolução do
parque escolar (do pré-escolar ao ensino superior), quando vemos a evolução que
se deu na qualificação das pessoas, das empresas e dos territórios, ou quando
olhamos para as conquistas da ciência portuguesa, concluímos serem marcantes as
realizações da Democracia.
Ainda há muito por fazer, mas muito de
substancial foi conseguido.
Há objetivos sempre insatisfatoriamente
cumpridos, como os de melhor justiça, mais igualdade de oportunidades e forte
solidariedade social.
Menos de meio século que transformou
Portugal, que nos trouxe ao País que somos, ao Portugal Democrático e Aberto ao
Mundo.
Um País que exerce hoje a Presidência do
Conselho da União Europeia em período de ameaças à saúde e à paz no nosso
Continente.
Exerce essa responsabilidade com
reconhecimento e prestígio.
Assim como quero, neste dia, evocar todas
e todos quantos, oriundos de projetos ideológicos tão distantes e quase
incompatíveis, souberam convergir no essencial, elaborando e aprovando o
ambicioso programa social, económico e político que foi a Constituição da República
Portuguesa de 1976, cuja entrada em vigor aconteceu neste dia, há precisamente
45 anos.
Uma Constituição que possibilitou uma
grande multiplicidade de soluções de governo e, mais que tudo, uma Constituição
que garantiu estabilidade política.
É essa a prova do tempo, a que a
Constituição tem sabido resistir.
É essa lição, plena de atualidade, e a
experiência histórica da Assembleia Constituinte que hoje, num quadro de
pandemia, quero e devo recordar, afirmando a importância de todos sermos parte
da solução.
Representando a diversidade e a
pluralidade da sociedade portuguesa, é nossa obrigação honrar o legado dos
Constituintes, e das treze Legislaturas que se seguiram, ultrapassando
bloqueios e traduzindo em lei as soluções para os problemas do País, e para os
muitos, e cada vez mais exigentes, desafios com que nos deparamos e que teremos
ainda pela frente.
Só assim seremos capazes de aprofundar a
nossa Democracia.
Nestes 47 anos, Portugal soube
transformar-se numa Democracia consolidada, num regime estável no desenho
institucional que a Constituição de 1976 veio consagrar.
Nestes 47 anos, alcançámos um Estado
Social robusto e importantes níveis de progresso social e económico.
Em 47 anos, enfrentámos sucessivas crises
financeiras e orçamentais, crises institucionais, crises migratórias, a crise
climática que levará décadas a superar ou a crise pandémica que ainda
atravessamos – e em todas, a Democracia foi fundamental para as enfrentar e
superar.
O tanto que lográmos alcançar.
O que há 47 anos certamente se esperava é
que, hoje, perante todas as ameaças que pairam sobre as nossas vidas e sobre a
nossa vida em sociedade, os representantes democraticamente eleitos das
Portuguesas e dos Portugueses na Assembleia da República pudessem novamente
convergir no que é estritamente essencial.
Debatendo, no Parlamento, respostas e
soluções concretas aos problemas e às necessidades concretas do País, honrando
a Democracia representativa que somos, que sempre soube superar as crises
enormes por que passou, nos limites da Constituição e à luz das regras do
Estado de Direito.
A experiência de 47 anos de Democracia
representativa diz-nos que não há nenhuma crise que seja insuperável pelo Parlamento
e pelo nosso sistema político.
E confirma-nos também que não há
Democracia sem Parlamento, e que não há Parlamento sem Partidos. Democracias
robustas têm Parlamentos fortes e Partidos que conseguem representar e
sintetizar os múltiplos interesses da sociedade, num equilíbrio de vontades,
nomeadamente entre a da maioria e o respeito pelas minorias. É também nisto que
reside a força da Democracia.
Outro ensinamento que retiramos destes 47
anos é, também, o de que Portugal seria hoje bem diferente sem o contributo das
autarquias locais para a concretização de Abril e da Democracia, a elas se
devendo também muito do desenvolvimento que o País conheceu nas últimas
décadas.
E foram mais de um 1 milhão as
Portuguesas e os Portugueses que se ocuparam da coisa pública, nas Assembleias
de Freguesia, nas Juntas de Freguesias, nas Câmaras e nas Assembleias
Municipais, e, mais recentemente, nas Entidades Intermunicipais.
De forma abnegada, em muitos casos de
forma voluntária, batendo-se pela satisfação das necessidades das suas
populações, dos seus territórios, dos seus costumes e tradições.
No ano em que se termina um ciclo
autárquico, e em que outro se inicia, quero aqui deixar uma palavra de apreço
para todos os Autarcas do País, que ajudam a construir os consensos necessários
ao progresso de todos quantos representam.
Senhor Presidente da República,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Foi há 47 anos que, naquela madrugada
extraordinária, Portugal saiu da sombra de 48 anos de opressão.
A Revolução de Abril trouxe-nos inúmeras
conquistas, e pese embora ter posto fim ao analfabetismo brutificante a que,
até então, se assistia, não logrou ainda erradicar, em Portugal, as ideias e os
valores que caracterizaram aquele período negro da nossa história, muitos deles
adormecidos desde então.
Uma das grandes virtudes da Democracia e
da Liberdade é a de permitir a convivência entre todos os credos políticos,
incluindo os antidemocratas.
Nas redes sociais, os promotores de
falsas notícias, de ódio, de desinformação, de calúnias, de mentiras, contam-se
por muitas centenas, e atingem milhões de alvos.
As caixas de comentários de alguns
órgãos, ditos de comunicação social, são um esgoto a céu aberto.
Esta não é uma realidade apenas nacional.
Muito pelo contrário.
Basta olhar para o que se passa por essa
Europa fora – até mesmo em países tão próximos, como Espanha, França ou Itália
– para perceber que este movimento vai fazendo o seu caminho, e, aos poucos,
enfraquencend0 a Democracia, o Estado de Direito e a convicção por valores
fundamentais que são os nossos.
Veja-se, também, o que sucedeu nos
Estados Unidos da América, com o inconcebível episódio da invasão do Capitólio,
sede do Congresso, apoiada – ou, pelo menos, tolerada – ao mais alto nível.
Onde, na Europa e no Mundo, pareciam
florescer democracias, estas são ameaçadas, num retrocesso histórico que nos
reaproxima da realidade sombria de um passado onde ninguém deveria querer
voltar.
São sinais de regressão, como os
identifica o Papa Francisco, que nos alerta para novas formas de egoísmo e de
perda do sentido social, mascaradas por uma suposta defesa dos interesses
nacionais.
Não é fácil combater o discurso simplista
dos antidemocratas.
Não é fácil combater a desinformação, a
mentira, o medo.
Mas sei, no entanto, que a Democracia de
Abril é suficientemente resiliente para resistir a esta investida, e robusta o
suficiente para a combater.
Nesta batalha, que é a batalha pela nossa
sobrevivência enquanto sociedade aberta, tolerante e inclusiva, cabe-nos a nós,
democratas, um papel fundamental.
Um combate em que todos somos poucos.
Um combate em que os Partidos
Democráticos são fundamentais. São eles parte da muralha que nos deve defender
dos avanços da intolerância, da xenofobia, do ódio.
Um combate em que o fortalecimento do
Estado de Direito e a responsabilização de todos os protagonistas são
absolutamente essenciais.
Um combate em que é fundamental uma
comunicação social livre, isenta e credível, capaz de informar factos, com
verdade.
Onde a liberdade de expressão não se pode
confundir com a expressão sem regras, a qual, fazendo mão do anonimato, mais
não ambiciona que o insulto, a ofensa e a injúria.
Onde o combate contra o chamado politicamente correto muitas vezes esconde o saudosismo
pelos tempos de impunidade da violência doméstica, da supremacia racial, da
homofobia, do desprezo pela dignidade e pela individualidade dos outros.
Senhor Presidente da República,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Nesta Sessão Solene, não poderia
igualmente deixar de recordar as guerras coloniais que se iniciaram em 1961, há
60 anos, e a que a Revolução de Abril veio pôr um fim.
Fazê-lo hoje é um imperativo – político,
moral e de consciência.
Recordando que, no longo período de 13
anos de guerras, se perderam milhares de vidas, de portugueses e africanos, a
par de um rasto de destruição sem paralelo (mesmo das sociedades), ainda hoje
bem visível.
Há, no entanto, uma outra faceta destes
longos anos: a do tempo perdido.
De oportunidade desperdiçada.
Treze longos anos que poderiam ter sido
de ganhos em termos políticos, sociais e económicos, tivessem eles sido de
abertura democrática do regime e de negociação política.
Treze longos anos que poderiam ter mudado
o rumo da nossa história e da história dos Países Irmãos se a sua independência
tivesse chegado mais cedo, e, com ela, o direito à sua autodeterminação.
Direito à Liberdade.
Foram anos devastadores para todos nós.
Uma devastação que poderia ter sido
evitada, diz-nos a história.
A recordação do ano de 1961 está aí para
o provar.
E, 7 anos mais tarde, o ano de 1968
voltou a ser uma oportunidade perdida.
Sessenta anos volvidos, há ainda marcas
bem presentes deste passado, como sejam os discursos xenófobo e racista em
algumas franjas da sociedade ou algumas representações sociais do período
colonial – sinal de feridas abertas, ou, melhor, de feridas ainda não
completamente saradas.
Não podemos ignorar estes sinais.
Ao Parlamento cabe um papel da maior
relevância no longo caminho que há ainda a percorrer, revisitando este período
à luz dos valores democráticos, discutindo a memória do colonialismo e, 47 anos
depois, refletindo sobre a presença colonial em África.
Senhor Presidente da República,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Pela Democracia, a Assembleia da
República assume um papel insubstituível, até mesmo pela centralidade que detém
no sistema político português, visto ser aqui, e só aqui, que está representada
a pluralidade de vontades de todas as Portuguesas e de todos os Portugueses.
É na Assembleia da República que são
aprovadas as leis estruturantes para o País.
É aqui que, de forma transparente, a ação
do Governo é diariamente fiscalizada e escrutinada.
É aqui que têm palco os principais
debates políticos nacionais.
Tudo o que acabo de referir remete-nos
para o cumprimento dos deveres constitucionais da Assembleia da República.
Mas de um Parlamento moderno como o nosso
espera-se mais. Exige-se mais.
Exige-se um maior envolvimento com os
cidadãos, uma progressiva aproximação aos cidadãos.
Aproximação de eleitos e eleitores, no
duplo sentido.
É preciso que todos tenham consciência
disso, começando por todos nós, que servimos as Portuguesas e os Portugueses
nesta Assembleia.
O trabalho e o exemplo ao ser, de longe,
no conjunto das instituições, a mais transparente, mais escrutinada, mais
escrutinável.
Devemos ter orgulho em sermos Deputados,
em servirmos a República, a Democracia e Portugal.
Mais faremos, no futuro próximo, cientes
da necessidade de inverter a tendência de distanciamento entre os cidadãos e as
instituições, e sensíveis ao pulsar da sociedade, sobretudo dos mais novos,
cujas primeiras preocupações estão hoje na forma como cuidamos do planeta.
Refiro-me à Casa do Parlamento – Centro Interpretativo da Assembleia da
República, cuja
abertura, depois de um atribulado processo administrativo, se espera para
breve, ainda no decurso da presente Legislatura, e, nessa medida, antes mesmo
de celebrarmos os 50 anos da Constituição.
Refiro-me ao Programa Parlamento dos Jovens, nascido em 1995 por impulso dos Antigos
Presidentes Barbosa de Melo e Almeida Santos com o propósito de estimular o
gosto pela participação cívica e política e, sobretudo, promover o respeito
pelo debate democrático e pela diversidade de opiniões, que envolveu, na edição
transata, mais de 1.000 escolas.
Um número record que atesta a relevância deste
verdadeiro programa de aprendizagem da Democracia e que nos convoca para a
importância do debate político, fundamental para aproximar os mais novos da
participação pública.
Para a coisa e para a causa pública.
Atestando a importância de o debate
político ser feito além das juventudes partidárias. Em casa, nas escolas – como
temos exemplos motivadores no Norte da Europa.
Tudo isto comporta desafios para o
Parlamento, bem sei, mas são desafios em que o Parlamento sairá mais forte,
mais sólido e mais robusto.
Desafios, aliás, que a Assembleia da
República tem sabido ultrapassar desde o seu nascimento, num processo de
consolidação contínua, bem-sucedido.
Primeiro, o desafio do compromisso,
construindo os consensos necessários a assegurar o apoio a governos e a
políticas que permitam o desenvolvimento do País.
Sobretudo, em tempos de graves crises.
Segundo, o desafio legislativo, erigindo
o edifício democrático e as leis estruturantes da Democracia.
Neste particular, devo referir-me à
legislação que nos permitiu afirmar o Estado de Direito que somos, um trabalho
nunca esgotado, que carece de aperfeiçoamento e melhoria diários.
Os titulares de cargos públicos e
políticos têm de participar e decidir para aperfeiçoar a legislação sobre eles
próprios, tendo como base as alterações concretizadas em 2019.
Mas, atenção: não há donos da
transparência, nem é aceitável nenhuma lógica que ponha os eleitos, os magistrados
judiciais, os procuradores, como suspeitos à partida.
Terceiro, o da fiscalização, acompanhando
a evolução verificada nos Parlamentos das Democracias mais antigas, criando
instrumentos para um controlo eficaz do Governo, valorizando, em particular, o
papel das oposições.
Por último, o já referido desafio de
abertura à sociedade.
E é neste ponto que a Assembleia da
República é convocada a celebrar acontecimentos ou personalidades que nos
ajudam a compreender melhor o País que somos e que queremos ser.
É, por exemplo, neste contexto que o
Parlamento assumiu, já nesta legislatura, o compromisso de homenagear e
perpetuar a memória de figuras ímpares da nossa história, como é o caso de
Aristides de Sousa Mendes ou de Eça de Queiroz, com vista a conceder-lhes
Honras de Panteão Nacional.
É igualmente neste contexto que o
Parlamento tem, desde há vários meses, vindo a comemorar o Bicentenário do
Constitucionalismo Português e da Revolução Liberal que está na sua origem, e
onde podemos encontrar, também, as origens do nosso sistema político.
É, pois, também por isso que estamos
hoje, aqui, reunidos a celebrar o 25 de Abril.
Celebrando o passado, mas com olhos no
futuro. Esperando que as gerações mais novas possam encontrar nestes exemplos,
e no 25 de Abril em particular, a inspiração para o que podem ser.
Assumindo que a Liberdade de que todos
disfrutam tem de ser diariamente defendida com o vigor necessário.
Para que se envolvam com a causa pública,
com a comunidade, ajudando a tornar este País melhor e melhor todos os dias.
Um País mais justo, mais livre e mais
democrático.
Para o qual contribuíram tantos heróis
discretos, civis e militares, muitos anónimos, que, antes de Abril, lutaram,
das mais diversas formas, contra a Ditadura, ajudando a fazer cair o regime do
Estado Novo.
As gerações que fizeram o 25 de Abril e
edificaram a Constituição estão, naturalmente, a desaparecer. Tenhamos
confiança de que os mais jovens saberão defender os valores essenciais da
Liberdade, da igualdade de oportunidades e da solidariedade social.
É esse País e essa Democracia que
celebramos hoje com a mesma convicção e determinação com que, há 47 anos, com
ela sonharam os Capitães de Abril, aqui representados pela Associação 25 de
Abril, a quem endereço uma saudação muito, mas muito especial.
Pais de uma Revolução que não tem
proprietários, porque aos que participaram na libertação do País se seguiram
várias gerações que ajudaram a construir o Portugal Democrático em que vivemos.
Uma Revolução que tem autores: o
Movimento das Forças Armadas e os milhares de portugueses que se bateram contra
a Ditadura e a guerra durante longos anos.
Muito obrigado.
Viva o 25 de Abril! 25 de Abril sempre!
Viva Portugal!
Ferro Rodrigues, 25.04.2021 | Sessão Solene Comemorativa
do 47.º Aniversário do 25 de Abril de 1974 | Sala das Sessões, Palácio de São
Bento. Texto do discurso disponível em: https://www.parlamento.pt/sites/PARXIIIL/Intervencoes/Paginas/discursos/2021-04-25-Cerimonia-25-arbil-2021.aspx
|
Fonte: https://www.presidencia.pt/ |
Discurso do Presidente da
República na Sessão Solene Comemorativa do 47.º aniversário do 25 de Abril
Senhor
Presidente da Assembleia da República,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhora e Senhores Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal
Constitucional, do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Contas,
Senhor Presidente António Ramalho Eanes,
Senhores membros do Governo,
Digníssimos convidados,
Senhoras e Senhores Deputados,
Portugueses,
Passaram,
há um mês, sessenta anos sobre o início de um tempo que haveria de anteceder e
determinar a data de hoje, aquela que aqui evocamos, 25 de Abril de 74.
Um
tempo feito de vários tempos e modos que para sempre marcou a vida de mais de
um milhão de jovens saídos das suas terras para atravessarem mares e viverem e
morrerem noutro continente ou dele regressarem alguns com traços indeléveis na
sua saúde.
Que
para sempre marcou a vida das suas famílias, dos seus lugares, das suas
aldeias, das suas vilas e mesmo das suas cidades, no fundo de todo um Portugal
durante treze anos ou um pouco mais.
Que
para sempre marcou a vida daqueles que, por opção de princípio, recusaram
aquela partida e rumaram a outros destinos continuando ou iniciando uma luta
contra o que estava e queria permanecer.
Que
para sempre marcou a vida dos que já lá vivendo idos eles ou os seus
antepassados de terras daquém mar de lá vieram, no termo desses longos anos, ou
lá ficaram e estão para ficar.
Que
para sempre marcou a vida dos que viveram e morreram do outro lado da
trincheira para conquistarem o que alcançaram definitivamente depois do 25 de
Abril de 74.
Que
para sempre marcou a vida de famílias, de lugares, de aldeias, de vilas e mesmo
de cidades de Pátrias afirmadas como Estados independentes após treze anos ou
um pouco mais de um tempo ainda não tão vizinho de nós e todavia já tão
longínquo para tantas gerações.
Que
não foi um tempo desprendido de outros tempos. Foi o que foi porque as décadas
que o precederam, o século que o precedeu, os cinco séculos que o precederam
criaram ou prolongaram contextos que o haveriam de definir e condicionar.
E
por isso é tão difícil dir-se-ia até impossível explicar qualquer que seja a
visão de cada qual esses treze anos ou um pouco mais sem falar do Portugal dos
anos 20 aos anos 70; do Portugal do final do século XIX aos anos 20; do
Portugal dos vários pequenos ciclos de que se fizeram o Império Colonial e as
relações coloniais nele vividas.
Olhar
com os olhos de hoje e tentar olhar com os olhos do passado que as mais das
vezes não nos é fácil entender sabendo que outros, ainda, nos olharão no futuro
de forma diversa dos nossos olhos de hoje.
Acreditando
muitos, nos quais me incluo, que há no olhar de hoje uma densidade
personalista, isto é, isto é de respeito da dignidade da pessoa humana e dos
seus direitos, na condenação da escravatura e do esclavagismo, na recusa do
racismo e das demais xenofobias que se foi apurando e enriquecendo,
representando um avanço cultural e civilizacional irreversível.
Acreditando
muitos, nos quais também me incluo, que o olhar de hoje não era nas mais das
vezes o olhar desses outros tempos.
O
que obriga a uma missão ingrata: a de julgar o passado com os olhos de hoje,
sem exigir, nalgumas situações, aos que viveram esse passado que pudessem
antecipar valores ou o seu entendimento para nós agora tidos por evidentes,
intemporais e universais, sobretudo se não adotados nas sociedades mais
avançadas de então.
Se
esta faina é ingrata para séculos remotos que não se pense que ela é desprovida
de dificuldades para tempos bem mais recentes.
Continua
a ser complexo entendermos tantos olhares do fim do século XIX quando os
impérios esquartejaram a regra e esquadro o continente africano ou do começo do
século XX quando o império monárquico passou a império republicanos
Mais
óbvio é pelo contrário o juízo sobre o passado ainda mais recente quando outros
impérios terminaram e o império português retardou, por décadas, o processo
descolonizador recusando-se a ouvir conselhos da História e apenas extinguindo
o indigenato nos anos 60, ou seja, uma dúzia de anos antes de 74.
Este
revisitar da história aconselha algumas precauções. A primeira é de não
levarmos as consequências do olhar de hoje, sobre os olhares de há 8,7,6,5,4,3,
2 séculos ao ponto de passarmos de um culto acrítico triunfalista
exclusivamente glorioso da nossa história, para uma demolição global e
igualmente acrítica de toda ela, mesmo que a que a vários títulos é sublinhada
noutras latitudes e longitudes.
Monarcas
absolutos e portanto ditatoriais aos olhos de hoje, e foram a maioria, seriam
globalmente condenados independentemente do seu papel na Fundação, na
unificação territorial, na Restauração, na diplomacia europeia
intercontinental.
Com
monarcas e governantes no liberalismo, que os houve, prospetivos na história
que fizeram ou refizeram no século XIX às vezes com a singularidade improvável
de um Príncipe Regente no Brasil, filho primogénito do nosso Rei, que declarou
a independência dessa potência do presente e do futuro sendo o seu primeiro
Imperador e vindo a lutar pela liberdade e a morrer em Portugal, no mesmo
quarto onde nascera trinta e cinco anos duas coroas e uma independência antes.
Ou personalidades do liberalismo republicano importantes no centro ou na
periferia do Império como Norton de Matos.
Segunda
precaução: é de aprendermos a olhar, em particular quanto ao passado mais
imediato, com os olhos que não são os nossos, os do antigo colonizador, mas os
olhos dos antigos colonizados, tentando descobrir e compreender, tanto quanto
nos seja possível, como eles nos foram vendo e julgando, e sofrendo,
nomeadamente onde e quando as relações se tornaram mais intensas e duradouras e
delas pode haver o correspondente e impressivo testemunho.
Terceira
precaução: essa a mais sensível de todas por respeitar a tempos muito, muito
presentes nas nossas vidas. Aqueles de nós portugueses que têm menos de 50 anos
não conheceram o Império colonial nem nas lonjuras nem na vivência, aqui, no
centro. O seu juízo é naturalmente menos emocional, menos apaixonado. Admito
que assim não seja, porém, em muitos jovens das sociedades que alcançaram a
independência contra o Império Português e viveram depois décadas conturbadas
pelos reflexos de vária natureza da anterior situação colonial.
Já
para os portugueses com mais de 50 ou 55 anos o revisitarem a infância ou a
juventude é mais desafiante. É uma mistura de recordações, de novos mundos
descobertos, de desenraizamentos ou novos enraizamentos, de primeira desertificação
do interior do Continente, de migrações e muitas mais imigrações, de
transformações pessoais, familiares, comunitárias, de mortes choradas, de
sinais na saúde e na vida, de traumas os mais diversos e em momentos diferentes
por aquilo que sonharam e se fez, por aquilo que sonharam e se desfez, pelo que
sofreram e ficou, pelo que esperaram aguentaram e sentem nunca ter tido
reconhecimento bastante.
Para
todos eles e muitos mais o juízo é tão complexo como complexa foi a mudança
histórica que neste dia evocamos, na sua abertura para a Descolonização, para o
Desenvolvimento, para a Liberdade, para a Democracia. Desenvolvimento,
Liberdade e Democracia, sabemo-lo todos, sempre foram imperfeitos e por isso
não plenos. Porque nunca tendo resolvido uma pobreza estrutural de dois milhões
de portugueses e desigualdades pessoais e territoriais, e
desinstitucionalizações, que aqui referi em 2016 e 2018, que a pandemia veio
revelar e acentuar.
Mas
foi complexa essa mudança histórica em 74. Fruto da resistência de muitas e
muitos durante meio século com os seus seguidores políticos sentados neste
hemiciclo. Ela ganhou o seu tempo e o seu modo decisivos no gesto essencial dos
Capitães de Abril, aqui qualificadamente representados pela Associação 25 de
Abril e que saúdo, reconhecido, em nome de todos os portugueses. Esses Capitães
de Abril não vieram de outras galáxias, nem de outras nações, nem surgiram num
ápice naquela madrugada para fazerem história. Transportavam consigo já a sua
história, as suas comissões em África, uma, duas, três, alguns quatro, anos
seguidos nas nossas Forças Armadas, tendo de optar todos os dias entre cumprir
ou questionar, entre acreditar num futuro querido ou que outros definiam ou não
acreditar, entre aceitar ou a partir de certo instante romper, tudo em
situações em que a linha que separa o viver e morrer é muito ténue apesar dos
princípios, das regras, dos ditames escritos por políticos e juristas em
gabinetes, que não são os cenários em que a coragem se soma à sobrevivência e à
solidariedade na camaradagem. Pois foram estes homens, eles mesmos, não outros,
os heróis naquela madrugada do 25 de Abril.
Como
haviam sido eles e muitos, muitos mais os combatentes ano após ano nas
longínquas fronteiras do Império. Como foram eles quem acabou por aceitar para
símbolos públicos face visível da mudança oficiais mais antigos encimados pelos
que haveriam de ser os dois primeiros Presidentes da República na transição
para a Democracia. Que não eram, não tinham sido militares de alcatifa. Tinham
sido grandes chefes militares no terreno e nele responsáveis por anos de
combate, de coordenação com serviços de informação e de atuação anti guerrilha,
de proximidade das populações.
Foi
assim aquele dia 25 de Abril antes de suscitar o Processo Popular Revolucionário
que o seguiu e apoiou. Antes de ser hoje património nacional em que o seu único
soberano é o povo português.
Foi
no seu eclodir resultado de décadas de resistência e depois crucialmente grito
de revolta de militares que tinham dado anos das suas vidas à Pátria no campo
de luta e que sentiam estar a combater sem futuro político visível ou viável
presididos eles, e todos nós, por dois Chefes Militares um após outro que
tinham conhecido intensa e prolongadamente o que é a guerra de guerrilha em
missões militares e cargos politico ou militares os mais relevantes.
Eis
por que razão é tão justo galardoar os Militares de Abril tendo merecido já uma
homenagem muito especial aquele, de entre eles, que depois de ter estado no
terreno veio a ser peça chave na mudança de regime e primeiro Presidente da
República eleito da democracia portuguesa, e que sempre recusou o Marechalato
que merecia e merece, o Presidente António Ramalho Eanes.
Eis
também porque é tão difícil o juízo sobre uma história tão recente salvo naquilo
que é de mais óbvio consenso: o consenso naquilo em que o Império não entendeu
o tempo que o condenara. A ditadura não podia entender o tempo que a tinha
condenado de forma irrefragável e ainda mais evidente a partir de 58 e da saga
de Humberto Delgado e a relação colonial não conseguira entender a raiz da
inevitabilidade da sua inconsequência.
Estas
reflexões são atuais porque nada como o 25 de Abril para repensar o nosso
passado quando o nosso presente ainda é tão duro e o nosso futuro é tão
urgente.
E
ainda porque a cada passo pode ressurgir a tentação de converter esse repensar
do passado em argumento de mera movimentação tática ou estratégica num tempo
que ainda é será de crise na vida e na saúde e de crise económica e social
encaremos com lúcida serenidade o que pode agitar o confronto político
conjuntural, mas não corresponde ao que é prioritário para os portugueses. E
além de não ser prioritário nestes dias de crises é duvidoso que o seja alguma
vez.
É
prioritário estudar o passado e nele dissecar tudo: o que houve de bom e o que
houve de mau. É prioritário assumir tudo, todo esse passado, sem
autojustificações ou autocontemplações globais indevidas, nem autoflagelações
globais excessivas.
E
no caso do passado mais recente assumir a justiça largamente por fazer ao mais
de um milhão de portugueses que serviram pelas armas o que entendiam ou lhes
faziam entender constituir o interesse nacional. Aos outros milhões que cá ou
lá viveram a mesma odisseia. Aos milhões que lá e cá a viveram do outro lado da
história combatendo o Império colonial português batendo-se pelas suas causas
nacionais ou a viveram do mesmo lado, mas ficaram esquecidos, abandonados por
quem regressou e condenados por quem nunca lhes perdoou o terem alinhado com o
oponente.
Aos
muitos, e eram quase um milhão, que chegaram rigorosamente sem nada depois de
terem projetado uma vida que era ou se tornou impossível. Aos muitos, e eram
milhões, que sofreram nas suas novas Pátrias conflitos internos herdados da
colonização ou dos termos da descolonização.
Até
por respeito para com todas estas e a todos estes, que se faça história e
história da História, que se retire lições de uma e de outra sem temores nem
complexos, com a natural diversidade de juízos, própria da democracia. Mas que
se não transforme o que liberta, e toda a revisitação o mais serena possível e
liberta ou deve libertar em mera prisão de sentimentos, úteis para campanhas de
certos instantes, mas não úteis para a compreensão do passado a pensar no
presente e no futuro.
O
25 de Abril foi feito para libertar, sem esquecer nem esconder, mas para
libertar e os que o fizeram souberam superar muitas das suas divisões durante a
Revolução e depois dela a pensar na unidade essencial da mesma Pátria tomando
os termos simplificadores desses tempos sensibilidades diferentes no Movimento
das Forças Armadas que se chocaram então não deixaram de entender depois que a
unidade essencial de uma rutura depois feita Revolução ela própria composta de
várias revoluções tudo o mais sobrepuja. Nações irmãs na língua têm sabido
encontrar-se connosco e nós com elas e têm sabido julgar um percurso comum
olhando para o futuro ultrapassando séculos de dominação política, económica,
social, cultural e humana.
Que
os anos que faltam até ao meio século do 25 de Abril sirvam a todos nós para
trilharmos um tal caminho como a maioria dos portugueses o tem feito nas
décadas volvidas fazendo de cada dia um passo mais no assumir as glórias que
nos honram e os fracassos pelos quais nos responsabilizamos, e bem assim no construir
hoje coesões e inclusões e no combater hoje intolerâncias pessoais ou sociais.
Quem
vos apela a isso mesmo é o filho de um governante na Ditadura e no Império, que
viveu na que apelida de sua segunda Pátria o ocaso tardio inexorável desse
Império, e viveu depois, como constituinte, o arranque do novo tempo
democrática. Charneira como milhões de portugueses, entre duas histórias da
mesma História e nem por exercer a função que exerce olvida ou apaga a história
que testemunhou. Como nem por ter testemunhando essa história deixou de ser
eleito e reeleito pelos portugueses em democracia. Democracia que ajudou a
consagrar na Constituição que há 45 anos nos rege.
Que
o 25 de Abril viva sempre, como gesto libertador e refundador da história. Que
saibamos fazer dessa nossa história lição de presente e de futuro, sem álibis
nem omissões, mas sem apoucamentos injustificados querendo muito mais e muito
melhor.
Não
há, nunca houve um Portugal perfeito.
Como
não há, nunca houve um Portugal condenado.
Houve,
há e haverá sempre um só Portugal. Um Portugal que amamos e nos orgulhamos para
além dos seus claros e escuros também porque é nosso.
Nós
somos esse Portugal.
Viva
o 25 de Abril!
Viva
Portugal!
Marcelo Rebelo de Sousa, 25 de abril de 2021.
Sessão Solene Comemorativa do 47.º Aniversário do 25 de Abril de 1974 | Sala das Sessões, Palácio de São Bento. Texto do discurso disponível em: https://www.presidencia.pt/atualidade/toda-a-atualidade/2021/04/discurso-do-presidente-da-republica-na-sessao-solene-comemorativa-do-47-o-aniversario-do-25-de-abril/
CARREIRO, José. “Tecendo
a manhã - Viva o 25 de Abril!”. Portugal, Folha de Poesia, 25-04-2021.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/04/tecendo-manha-viva-o-25-de-abril.html