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sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Correm turvas as águas deste rio, Camões

 



Correm turvas as águas deste rio,

que as do Céu e as do monte as enturbaram1;

os campos florecidos se secaram,

intratável2 se fez o vale, e frio.

 

Passou o verão, passou o ardente estio3,

ũas cousas por outras se trocaram;

os fementidos4 Fados já deixaram

do mundo o regimento5, ou desvario6.

 

Tem o tempo sua ordem já sabida;

o mundo, não; mas anda tão confuso,

que parece que dele Deus se esquece.

 

Casos, opiniões, natura7 e uso

fazem que nos pareça desta vida

que não há nela mais que o que parece.

 

Luís de Camões, Rimas, edição de Álvaro J. da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 1994, p. 168.

 

 

Notas:

1 enturbaram – tornaram turvas.

2 intratável – inacessível; intransitável.

3 estio – tempo quente e seco.

4 fementidos – enganosos.

5 regimento – governo.

6 desvario – loucura; inquietação; excesso.

7 natura – natureza humana.

 

Questionário:

 

1. Explique o modo como a passagem do tempo é representada nas duas primeiras estrofes.

 

2. «Tem o tempo sua ordem já sabida; / o mundo, não» (versos 9 e 10).

Explicite a oposição presente nestes versos, tendo em conta a globalidade do poema.

 

3. Selecione a opção de resposta adequada para completar as afirmações abaixo apresentadas.

Neste soneto, além do tema da mudança, também se destaca o tema ………………. Perante a realidade que perceciona, o sujeito poético evidencia um sentimento de ……………….

(A) da reflexão sobre a vida pessoal … indiferença

(B) da reflexão sobre a vida pessoal … descrença

(C) do desconcerto … indiferença

(D) do desconcerto … descrença

 

Chave de correção do questionário de interpretação do soneto:

1. Para que a resposta seja considerada adequada, devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

a referência à sequência das estações do ano através da caracterização de elementos da natureza (em «Correm turvas as águas deste rio, / que as do Céu e as do monte as enturbaram» – vv. 1-2, remetese para o inverno; em «os campos florecidos» – v. 3, aponta-se para a primavera; em «os campos [...] se secaram» – v. 3, indicia-se o verão; em «intratável se fez o vale, e frio» – v. 4, sugere-se o outono);

a referência aos efeitos que a passagem do tempo provoca na natureza/a referência às transformações ocorridas na natureza resultantes da passagem inevitável do tempo (como o turvar das águas do rio ou o secar dos campos florescidos);

a associação entre a passagem do tempo e a ideia de mudança, evidente no recurso aos verbos «passar» e «trocar» (vv. 5-6).

Nota Os tópicos podem ser abordados separadamente ou de forma integrada.

 

2. Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

a previsibilidade/a constância natural da passagem do tempo, evidenciada pelo ritmo cíclico das estações do ano;

a imprevisibilidade da natureza humana/dos comportamentos humanos, provocando tal desconcerto no mundo que «parece que dele Deus se esquece» (v. 11).

 

3. (D)

Neste soneto, além do tema da mudança, também se destaca o tema do desconcerto. Perante a realidade que perceciona, o sujeito poético evidencia um sentimento de descrença.

 

 

Fonte: Exame Final Nacional de Português, Prova 639, 2.ª Fase, Ensino Secundário - 12.º Ano de Escolaridade, 2021. Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho. Prova disponível em https://iave.pt/wp-content/uploads/2021/09/EX-Port639-F2-2021-V1_net.pdf e critérios de classificação em https://iave.pt/wp-content/uploads/2021/09/EX-Port639-F2-2021-CC-VD_net.pdf

 

 

Textos de apoio:

 

Camões e o real

 

O soneto “Correm turvas as águas deste rio” pode ser lido em perspectiva a “Verdade, Amor, Razão, Merecimento”, inclusive pela ocorrência em ambos de uma palavra-chave, “regimento”. Neste texto, basto-me no acima transcrito, que propõe uma cisão entre “mundo” e “tempo”. O “mundo”, realidade tangível à experiência do sujeito lírico, é “confuso”, enquanto o tempo mantém sua ordem. Há, portanto, um divórcio entre tempo e espaço, duas instâncias em desejada relação que, quando apartadas, criam no poeta uma espécie de precipício subjetivo. A partir do “tudo posso ver” que se encontra no citado “Que poderei do mundo já querer”, entendo real como dado espaciotemporal, mas, em “Correm turvas as águas deste rio”, isso se complica, pois, enquanto o tempo segue seu curso, o mundo é um “desvario” – por isso, o eu, além da natureza, se encontra perto desse estado, e a última palavra do segundo quarteto não deixa de ser um verbo em primeira do singular.

Por essas e outra, “parece” que Deus “se esquece” do mundo, o que me faz repetir algo do começo deste texto: escrevi imo para tentar indicar algo que pode ser tão superficial como qualquer banalidade, mas cuja não evidência precisa da atenção de uns olhos afiados que lhe permitam (seja ele, o imo, profundo ou superficial), ser visto, ou dado a ver. A aparência é do esquecimento de Deus, dada à percepção do poeta no mundo em “desvario”, o que enseja, por sua vez, outra aparência: nesta vida, talvez não haja nada além da própria aparência, sem imo, sem essência, sem profundidade. Maria Helena Ribeiro da Cunha, muito dedicada a pensar as bases filosóficas de que Camões lançou mão, afirma: “Camões percorre o conceito aristotélico do verosímil, que lhe abre a possibilidade de invocar continuamente o estranhamento diante de uma realidade contraditória e não explicada pelo entendimento” (1989, p. 97), o que o leva a formular o próprio desentendimento diante da desconfortável realidade.

Um detalhe desse soneto é magistral e revelador: em dois versos, “que parece que dele Deus se esquece” e “que não há nela mais que o que parece”, há incômoda proximidade de ocorrências do pronome “que”, não obstante a diferenças das respectivas funções sintáticas. A aspereza sonora e visual expressa a gagueira do poeta e do poema, incapazes de dizer maciamente de um desconcerto do mundo que toca Deus. O atrito dos “que” reforça a incompreensão acerca desse Deus que poderia concertar e o real, dando-lhe bom regimento: o problema é o da incognoscibilidade de Deus ou de Sua apatia? Dizendo, ou perguntando, de outro modo: se “parece” que “Deus se esquece” do mundo, e se, na “vida”, a aparência (“pareça”) é a de “que não há nela mais que o que parece”, há uma essência atrás da aparência? Não perco de vista as três ocorrências dessa ideia a partir do décimo primeiro verso, tampouco que Deus não aparece à Máquina do Mundo. Uma pergunta feita ao futuro: será possível investigar Deus em Camões tendo como apetrecho inclusive a ideia de indecidível?

 

“Camões e o real”, Luis Maffei. Faculdade de Letras da UFRJ, Metamorfoses (Revista de Estudos Luso Afro-Brasileiros da Cátedra Jorge de Sena), v. 14, n.º 1, 2017. https://doi.org/10.35520/metamorfoses.2017.v14n1a10504

 

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Tiempo-caos: angustia en Camões

 

Al leer los sonetos líricos de Luís de Camões encontramos que en su mayoría éstos se encuentran construidos sobre una base temática bimembre. Los dos componentes de esta arquitectura son el tiempo en su paso inexorable y el caos resultante. Esta relación dialéctica trae consigo el contínuo mutar de los órdenes, situación que produce en el poeta un sentimento angustioso; éste, a su vez, resultado de la anulación de aquellos valores o normas que ofrecen al hombre seguridad en un momento histórico determinado.

Nuestro propósito es presentar el desarrollo y tratamiento de estos elementos en el soneto "Correm turvas as águas deste rio." (Luís de Camões, Obras completas I. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1956, págs. 255-6). A la vez, trataremos de situar esta expresión poética dentro de las corrientes estético filosóficas en que se desenvuelve el poeta.

Desde el primer verso del soneto eje de nuestro análisis, Camões introduce la idea de movimiento que será trabajada en el primer cuarteto. Metafóricamente se proyecta hacia el lector por medio de dos símbolos: el río y la tierra que, al mismo tiempo, están relacionados con la fertilidade y la vida. La imagen referente a las estaciones: "Os campos florescidos se secaram; /Intratável se fez o vale e frio.", señala la perpetuidad temporal de sus elementos dada su naturaleza cíclica y, por contraste, lo efímero del género humano. Junto a este gran tema, fuerza generadora del soneto, Camões sugestivamente desarrolla el segundo componente temático: el caos. Visualmente éste se presenta en la figura del agua: "Correm turvas as aguas deste rio", turbulencia que ha alterado la intrínseca diafanidad de la misma. Podemos notar que el caos aquí está presentado a base de elementos físicos, agua-río, no por ello descartando una posible interpretación filosófica, como veremos más adelante.

El segundo verso establece una concatenación de acciones que expresan movilidad: "que as do céu e as do monte as enturbaram;" y, a la vez, se reitera la idea de trastoque en la esencia. La lluvia cristalina produce el enturbamiento del río; del orden al desorden, del equilibrio al caos. Como señaláramos, un segundo nivel intelectivo permite recrear la imagen del río como símbolo de vida, enmarcando la expresión en un contexto religioso que recuerda las coplas de Jorge Manrique. Esta interpretación nos permite establecer un paralelo que vincula la tradición literária renacentista con la medieval.

Establecido el acercamiento al primer cuarteto, vemos como los dos temas presentados son tratados por Camões a dos niveles, el físico específico y el filosófico-universal.

La intensificación del primer elemento arquitectónico la encontramos en el segundo cuarteto. El tiempo, presente en el primer cuarteto, será objeto de análisis retrospectivo desde la inmediatez. Presenciamos el movimento temporal hacia el pasado: "passou, se trocaram". Camões presenta ahora la idea cambio-caso no ya de manera particular, sino universal: "Uas cousas por outras se trocaram", estableciendo nuevamente la relación entre causa y efecto. Lo caótioco en este cuarteto es presentado en un marco mítico-filosófico; el destino (Fados) es el responsable del desordenado mutar ya que, al abondonar el control del mundo, ha legado en el hombre la dirección del mismo. Por medio de la mitología pagana Camões da la visión renacentista del hombre como hacedor de su destino. Sin embargo, el cambio de una visión teocéntrica a una antropocêntrica parece presentarse negativa al poeta pues el hecho señala la pérdida de la armonía preexistente.

En el primer terceto se intensifica la idea de organicidad y perpetuidad, relacionándola al plano temporal. Nuevamente, el poeta señala que sólo aquello externo al hombre continúa su estado armónico en su eterno devenir: "Tem o tempo sua orden já sabida". El planteamiento es en estos momentos desde una perspectiva social: "O mundo não; mas anda tão confuso". Sin embargo, Camões no parece encontrar una explicación a dicha confusión social y, al encontrarse sin asidero ideológico expresa: "... parece que Deus se esquece", anguistia hecha verbo que en el plano religioso tendría ecos de blasfemia.

Esta desorientación provoca en el poeta una actitud negativa que alcanza su punto álgido en el segungo terceto expresándola en una visión totalizadora a base de la enumeración: "casos, opinões, natura e uso". Después de establecidos los elementos, el poeta, como último intento de encontrar una explicación, los recimina por ser, desde su perspectiva, los causantes del caos del mundo. Al haber agotado las posibilidades de encontrarle sentido al mundo concluye diciendo que la vida es sólo un cúmulo de apariencias: "Fazem que nos pareça desta vida/Que não há nela mais que o que parece." Expresión que encubre la anguistia experimentada ante la inseguridad y el caos que no consigue comprender.

 

Torres-Rosado, S. (1984). Tiempo-caos: angustia en Camões. Mester, 13(1). http://dx.doi.org/10.5070/M3131013704 Retrieved from https://escholarship.org/uc/item/6t52q9z0

 

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A crise metafísico-religiosa

 

Qual é a realidade de Camões? Da oposição entre o contentamento (supostamente) passado e o descontentamento presente, do contraste entre o empiricamente impossível e o empiricamente real, Camões encaminha-se para uma formulação metafísica do problema da crise subjectiva do tempo psicológico e do desconcerto do mundo, numa tentativa de escapar à conformação ou aceitação do absurdo da vida e à sua dupla verdade, numa busca desesperada da Verdade, que o liberte de todas as aporias e o encaminhe numa solução com sentido.

Tal é a tentativa de Camões para resolver (pelo menos explicar) o problema do desconcerto objectivo do mundo – aquele que se refere à distribuição desencontrada de prémios e castigos –, que adopta uma solução mística para poder justificar a presença de acontecimentos ou de casos que contribuem (aparentemente) para a ausência da ordem ou do regimento do mundo visível, ao sabor dos caprichos e das incongruências da Fortuna, e fazem com que os homens se julguem perseguidos pelos efeitos do desconcerto de um mundo tão confuso, que parece que Deus se esquece dele (“Tem o Tempo a sua ordem já sabida, / o mundo não, mas anda tão confuso / que parece que dele Deus se esquece. / Casos, opiniões, Natura e Uso / fazem que nos pareça desta vida / que não há nela mais que o que parece.”25). Mas estas perseguições são na verdade transcendentes à compreensão da mente humana, pois que a razão é impotente para integrar a experiência, solucionar e transcender a aparência do desconcerto do mundo; na verdade este desconcerto não é aparente, está antes justamente determinado pelos desígnios de Deus (desde o pecado original): o que para Deus é justo parece injusto aos homens (“(...) dedicai, se quereis, ao Desconcerto / novas honras e cegos sacrifícios, / que por castigo igual de antigos vícios / quer Deus que andem as cousas por acerto. / Não caiu neste modo de castigo / quem pôs culpa à Fortuna, quem somente / crê que acontecimentos há no mundo. / A grande experiência é grão perigo, / mas o que Deus é justo e evidente / parece injusto aos homens e profundo.”26).

A razão humana só pode restringir-se à experiência fenomenológica, à observação dos factos e dos fenómenos da natureza que envolvem todas as contradições vivenciais, conceptuais, éticas, morais e axiológicas (“Verdade, Amor, Razão, Merecimento, / qualquer alma farão segura e forte. / Porém Fortuna, Caso, Tempo e Sorte / têm do confuso mundo o regimento. / Efeitos mil revolve o pensamento / e não sabe a que causa se reporte, / mas sabe que o que é mais que vida e morte / que não o alcança humano entendimento.”27). A essência do desconcerto só poderá ser equacionada pelo entendimento humano, através da crença fideísta na acção divina. Porém, acreditar em Deus não significa descobrir uma razão no desconcerto do mundo; significa, sim, aceitar a sua irracionalidade no plano da experiência e confiar numa razão profunda inacessível aos homens. Ter muito visto e experimentado é melhor, mais válido, do que acreditar nas razões vãs dos doutos, pois que há coisas que se crêem e não acontecem e há coisas que acontecem e não se crêem; por isso, dada a incapacidade da razão para compreender este paradoxo entre a teoria racional positiva e a experiência fenomenológica negativa, entre o que se passa, o que realmente acontece, e a sede de verdade, de justiça, melhor ainda é crer em Cristo (“Doctos varões darão razões subidas, / mas são experiências mais provadas / e por isso é melhor ter muito visto. / Cousas há i que passam sem ser cridas, / e cousas cridas há sem ser passadas. / Mas o milhor de tudo é crer em Cristo”.28). Ao evocar Deus como a causa última lógica e racional do mundo, Camões não se deixa de conformar com a ideia do absurdo; simplesmente a racionalidade que não está no mundo está em Deus; até a necessidade de um universo (aparentemente) ilógico está em Deus; a inteligibilidade dos actos de Deus não existe no plano racional da teoria nem na experiência da realidade empírica mas sim na síntese mística e na solução volitiva do plano divino. Assim, só através da superação metafísico-religiosa do desconcerto do mundo e do dissídio vivencial, mental e espiritual é que se pode descobrir o processo da Verdade transcendente e encontrar um sentido ontológico e gnoseológico para a existência humana: se nos reportarmos ao mundo inteligível através da solução derradeira que irrompe da Graça divina, o desconcerto desaparece e o tempo fica iliminado; a saudade e a esperança perdem a esta luz a sua natureza empírica e temporal; a alma deixa de estar sujeita aos efeitos da mudança e inscreve-se num plano metacronológico de plenitude escatológica. É a partir desta solução fideísta (de matriz augustiniana e não neoplatónica ou antineoplatónica) – que não deixa de - ser também, na Lírica camoniana, uma solução estética, pela criação fictícia de um universo utópico de beleza, liberdade e fé, através do canto divino de libertação e ascensão espirituais –, que Camões se encontra para resolver as suas contradições, antinomias e tensões nas redondilhas “Sôbolos Rios” – aliás, já aludido na primeira parte da dissertação. É através do acto volitivo da fé, só possível com a ajuda da Graça, que Camões se separa do mundo sensível e alcança o mundo inteligível (e não pela simples contemplação intelectual, de matriz platónica). Como afirma Aguiar e Silva, “nas últimas quintilhas do poema exprime-se uma visão sombriamente pessimista e uma valoração radicalmente negativa de tudo quanto procede do mundo visível e da carne que encanta(s), / filha de Babel tão feia, ao mesmo tempo que se exalta, num triunfalismo furiosamente penitencial, a destruição de todo o afecto, de todo o deleite, de todo o liame, enfim, que possa prejudicar ou retardar o apelo e a acção da Graça. O clímax deste triunfalismo exicial por ser salvífico, encontra-se nestes versos (...): E beato quem tomar / seus pensamentos recentes / e em nacendo os afogar, / por não virem a parar / em vícios graves e urgentes. / Quem com eles logo der / na pedra do furor santo, / e, batendo, os desfizer / na Pedra, que veio a ser enfim cabeça do Canto. Estes versos significam um sacrificium intellectus (...)”29

As redondilhas “Sôbolos Rios” são por isso uma solução de superação da síntese de fundamentação e dinâmica neoplatónicas (tese recebida por herança cultural e desmentida pelo mundo empírico que o poeta experimentou) e exprimem um momento dramático que se resolve não por obra da inteligência mas por decisão e volição do recurso à Graça Divina. Tal como o faz para se libertar da obsessão do desconcerto do mundo, Camões escolhe (decide) crer em Cristo para poder resolver as suas contradições e encontrar, pela reminiscência e pela estética (poética) da utopia, a ordem do universo num lugar pré-terreno (Paraíso perdido), de onde foi o homem feliz. Contrapondo-se à sequência de paradoxos que atestam o desconcerto do mundo, em termos utópicos, o poeta vai projectar o sonho da verdadeira felicidade, em busca de um sonho apaziguador de regresso às origens. Para isso impõe-se uma recusa desse presente histórico injusto, corrompido e pervertido, babélico, desconcertante e sufocante, e projecta-se a esperança e o sonho de um mundo melhor no futuro – como o retorno da primitiva Idade De Ouro.

 

Daniela Barbosa Conceição, Pregnância da(s) crise(s) na obra de Camões, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2010

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(25) Cf. Soneto n.º 104,Correm turvas as águas deste rio”, ibidem, p. 108.

(26) Cf. Soneto n.º 165, “Vós outros que buscais repouso certo”, ibidem, p. 199.

(27) Cf. Soneto n.º 166, “Verdade, Amor, Razão, Merecimento”, ibidem, p. 199.

(28) Ibidem, p. 199.

(29) Cf. Vítor Manuel de Aguiar e Silva, “Amor e mundividência na lírica camoniana”, in Camões: labirintos e fascínios, Lisboa, Cotovia, 1994, pp. 176, 177.

 


CARREIRO, José. “Correm turvas as águas deste rio, Camões”. Portugal, Folha de Poesia, 10-09-2021. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/09/correm-turvas-as-aguas-deste-rio-camoes.html


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