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terça-feira, 26 de julho de 2022

Vaidosa, Cesário Verde


 

 

Vaidosa

 

Dizem que tu és pura como um lírio

E mais fria e insensível que o granito,

E que eu que passo aí por favorito

Vivo louco de dor e de martírio.

 

Contam que tens um modo altivo e sério,

Que és muito desdenhosa e presumida,

E que o maior prazer da tua vida,

Seria acompanhar-me ao cemitério.

 

Chamam-te a bela imperatriz das fátuas1,

A déspota, a fatal, o figurino2,

E afirmam que és um molde alabastrino3,

E não tens coração como as estátuas.

 

E narram o cruel martirológio4

Dos que são teus, ó corpo sem defeito,

E julgam que é monótono o teu peito

Como o bater cadente dum relógio.

 

Porém eu sei que tu, que como um ópio

Me matas, me desvairas e adormeces

És tão loira e doirada como as messes5

E possuis muito amor... muito amor-próprio.

 

Cesário Verde, Obra Completa, edição de Joel Serrão,

Lisboa, Livros Horizonte, 1988, p. 77.

 

NOTAS

1 fátuas – vaidades.

2 figurino – modelo; exemplo de moda.

3 alabastrino – de alabastro, mármore branco e translúcido.

4 martirológio – narrativa do martírio dos mártires e santos.

5 messes – searas maduras.

 

QUESTIONÁRIO

1. Refira dois efeitos de sentido provocados pela utilização de verbos na terceira pessoa do plural (versos 1, 5, 9, 11, 13 e 15) na construção do retrato da figura feminina.

 

2. Explicite, com base em dois aspetos significativos, o modo como o sujeito poético perspetiva a relação que se estabelece entre si e a mulher representada no poema.

 

3. Selecione a opção de resposta adequada para completar a afirmação.

A mulher «fatal» (v. 10) descrita no poema é caracterizada como insensível e cruel, ao ser associada, respetivamente, a expressões como

(A) «imperatriz das fátuas» (v. 9) e «modo altivo e sério» (v. 5).

(B) «molde alabastrino» (v. 11) e «acompanhar-me ao cemitério» (v. 8).

(C) «imperatriz das fátuas» (v. 9) e «martírio» (v. 4).

(D) «molde alabastrino» (v. 11) e «figurino» (v. 10).

 

4. Baseando-se na leitura do poema “Vaidosa”, de Cesário Verde, e no “Retrato de Mónica”, texto de Sophia de Mello Breyner Andresen, escreva uma breve exposição na qual compare as duas figuras femininas neles retratadas.

A sua exposição deve incluir:

uma introdução ao tema;

um desenvolvimento no qual explicite um aspeto em que as figuras femininas se aproximam e um outro em que se distinguem;

uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

 

CENÁRIO DE RESPOSTAS

Nota prévia: Nos tópicos de resposta de cada item, as expressões separadas por barras oblíquas à exceção das utilizadas no interior de cada uma das citações correspondem a exemplos de formulações possíveis, apresentadas em alternativa. As ideias apresentadas entre parênteses não têm de ser obrigatoriamente mobilizadas para que as respostas sejam consideradas adequadas.

 

1. Devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

A utilização de verbos na terceira pessoa do plural:

  • sugere que o modo como esta mulher fatal trata os homens, em geral, e o sujeito poético, em particular, é um conhecimento partilhado por outros;

 

  • evidencia a ideia de que todos os que falam sobre esta mulher são de opinião de que ela é bela, mas, sentimentalmente, fria/insensível, vaidosa e cruel na relação com os homens;

 

  • permite que o sujeito poético não se comprometa com o ponto de vista depreciativo dos outros sobre a mulher que ama (embora indicie que partilha desse ponto de vista).

 

2. Devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

  • o sujeito poético parece estar apaixonado pela mulher representada no poema, mas essa paixão causa‑lhe um sofrimento tão atroz («Vivo louco de dor e de martírio» – v. 4) que se sente a enlouquecer e a morrer de amor («Me matas, me desvairas e adormeces» – v. 18);

 

  • a forma como a mulher age leva o sujeito poético a pensar que ela sente prazer em seduzi-lo e em torturá-lo («E que o maior prazer da tua vida, / Seria acompanhar-me ao cemitério» – vv. 7 e 8; «o cruel martirológio / Dos que são teus» – vv. 13 e 14);

 

  • o sujeito poético considera-a uma droga («como um ópio» – v. 17) na qual está viciado;


  • o sujeito poético perspetiva a relação entre si e a mulher como uma relação desigual, na qual ela o humilha, enquanto ele a venera.

 

3. (B) A mulher «fatal» (v. 10) descrita no poema é caracterizada como insensível e cruel, ao ser associada, respetivamente, a expressões como «molde alabastrino» (v. 11) e «acompanhar-me ao cemitério» (v. 8).

 

4. Relativamente a cada aspeto, deve ser abordado um dos tópicos apresentados, ou outro igualmente relevante.

As duas figuras femininas aproximam-se, na medida em que são retratadas como:

  • mulheres elegantes e que vestem bem, o que se evidencia, por exemplo, no facto de Mónica «ser chiquíssima» (l. 2) e de que «Todos os seus vestidos são bem escolhidos» (ll. 20-21), enquanto a «Vaidosa» é considerada a «bela imperatriz» (v. 9), o «figurino» de moda (v. 10) ou o «corpo sem defeito» (v. 14);

 

  • mulheres poderosas, que causam impacto naqueles com quem convivem, o que está patente, por exemplo, quando o narrador afirma que «Esta é a forma de inteligência que garante o domínio. Por isso o reino de Mónica é sólido e grande» (ll. 29-30), ou quando, no poema «Vaidosa», se realça «o cruel martirológio» (v. 13) dos que são seduzidos pela figura feminina;

 

  • mulheres autoconfiantes, como se verifica, por exemplo, quando o narrador afirma que Mónica define objetivos e os concretiza de forma disciplinada («salta sem tocar os obstáculos e limpa todos os percursos» – l. 23) e quando o sujeito poético realça que a mulher possui «muito amor... muito amor‑próprio» (v. 20).

 

As duas figuras femininas distinguem-se, na medida em que:

  • enquanto Mónica é apreciada por muita gente («ter imensos amigos» – l. 3; «toda a gente dizer bem dela» – l. 5), sendo retratada como «um belo exemplo de virtudes» (ll. 7-8), a «Vaidosa» é alvo de duras críticas por parte dos outros, que a consideram, por exemplo, «a bela imperatriz das fátuas, / A déspota, a fatal» (vv. 9 e 10);

 

  • enquanto Mónica procura criar empatia com os outros, dizendo «bem de toda a gente» (l. 5) e estando «sempre divertida» (l. 7), a mulher que o sujeito poético admira é descrita como «fria e insensível» (v. 2) e «muito desdenhosa e presumida» (v. 6);

 

  • enquanto Mónica é retratada como intencionalmente manipuladora e calculista, seguindo um plano rigoroso para alcançar os seus objetivos («observar uma disciplina severa» – l. 19), a «Vaidosa» é uma mulher «fatal» (v. 10) que atrai os homens pela sua beleza física.

 

Fonte: 

Exame Final Nacional de Português | Prova 639 | 2.ª Fase | Ensino Secundário | 2022 |12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho | Decreto-Lei n.º 27-B/2022, de 23 de março)

Prova – versão 1: https://iave.pt/wp-content/uploads/2022/07/EX-Port639-F2-2022-V1_net.pdf

Critérios de correção: https://iave.pt/wp-content/uploads/2022/07/EX-Port639-F2-2022-CC-VT_net.pdf

 

Poderá também gostar de:

 

“Para uma síntese da obra de Cesário Verde”, José Carreiro <https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/04/cesario-verde.html> 2018-04-22

 

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“Sobre a edição da poesia de Cesário Verde”, José Carreiro <https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/09/sobre-o-corpus-poetico-de-cesario-verde.html> 2021-09-08

 

“Eu, que sou feio, sólido, leal (Cesário Verde)”, José Carreiro. In: https://folhadepoesia.blogspot.com/2015/06/a-debil.html

 



CARREIRO, José. “Vaidosa, Cesário Verde”. Portugal, Folha de Poesia, 26-07-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/07/vaidosa-cesario-verde.html



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