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sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Eu chamei-te para ser a torre, Sophia Andresen


 

Eu chamei-te para ser a torre

Que viste um dia branca ao pé do mar.

Chamei-te para me perder nos teus caminhos.

Chamei-te para sonhar o que sonhaste.

Chamei-te para não ser eu:

Pedi-te que apagasses

A torre que eu fui a minha vida os sonhos que sonhei.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

CORAL, 1.ª ed., 1950, Porto, Livraria Simões Lopes; 2.ª ed., s/d [c. 1979], Lisboa, Portugália Editora; 3.ª ed., s/d [c. 1980], Lisboa, Portugália Editora, ilustrações de José Escada; 4.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho; 5.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho. 1.ª edição na Assírio & Alvim (6.ª ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Manuel Gusmão.

 

 

No poema «Eu chamei-te para ser», o sujeito poético afirma a razão do seu apelo ao destinatário, com o qual quis iniciar uma caminhada a dois («Chamei-te para sonhar o que sonhaste»), rompendo com a identidade inicial («Chamei-te para não ser eu»).

A metáfora «a torre» («Que viste»; «que eu fui») vista/sonhada pelo destinatário e procurada pelo sujeito poético que quer ajustar-se, coincidir com esse sonho, é a representação da superioridade difícil de alcançar, o sonho, em si mesmo, alto e erguido ao céu.

(E. Pinto et alii, Plural - Língua Portuguesa 10.º Ano. Livro do Professor, 2003, p. 39)

 

***

 

Invocado pelo sujeito poético, esse tu constitui o próprio sujeito, que aqui já busca um processo de identificação com esse outro: “Chamei-te para me perder nos teus caminhos”. É a tentativa de despersonalizar-se que fica impressa no verso “Pedi-te que apagasses / A torre que eu fui a minha vida [...]”, tentando tornar possível a vivência de um presente contínuo, sem fronteiras, livre da prisão temporal do quotidiano, como afirma Pereira Soares (2000), a fim de reformular sua própria existência.

Isso porque há em alguns poemas um abatimento advindo do sentimento de plenitude perdida, em que o sujeito, segundo Pereira Soares (2000), intromete-se conscientemente no processo imanente, afastando-se de si mesmo:

 

Numa disciplina constante procuro a lei da liberdade medindo o equilíbrio dos meus passos.

Mas as coisas têm máscaras e véus com que me enganam, e, quando eu um momento espantada me esqueço, a força perversa das coisas ata-me os braços e atira-me, prisioneira de ninguém mas só de laços, para o vazio horror das voltas do caminho.

(in Coral)

No poema, o sujeito busca, por meio da disciplina, a contenção entrevista na expressão “equilíbrio dos meus passos”, que não é conseguida devido às “máscaras e véus” com que as coisas se revestem. Quando o sujeito consegue apagar a si mesmo, “quando eu um momento espantada me esqueço”, a “força perversa” das coisas o retoma.

Segundo a conceção teórica de Collot (2013a), pode-se afirmar que Sophia enquanto poetisa parece projetar-se para fora de si, na imagem das coisas, as quais, por possuírem máscaras, não podem garantir a contenção que a poeta busca quando efetua tal projeção. Ainda que essa contenção não se dê de todo, tal como no vidente de Rimbaud, é “em seu sobressalto pelas coisas inaudíveis e inomináveis” que a poeta descobre o desconhecido que traz em si, vindo a se tornar “prisioneira de ninguém”, já que não se identifica de todo com essa outra entidade.

Kelly Delgado, Uma leitura aproximativa de João Cabral de Melo Neto com Alberto Caeiro e Sophia de Mello Breyner Andresen. Goiânia-GO, UFG, 2018

 

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Eu chamei-te para ser a torre, Sophia Andresen”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-10-14. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/10/eu-chamei-te-para-ser-torre-sophia.html


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