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segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Casa deserta, Mário Dionísio



 

       Casa deserta

 

 

 

 

 

 

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Ah nada pior que a casa deserta,

sozinha, sozinha.

 

O fogão apagado e tudo sem interesse.

O mundo lá longe, para lá da floresta.

E o vento soprando

a chuva caindo

a casa deserta...

 

Ah nada pior que estes dias e dias,

de cachimbo aceso, com as mãos inertes,

com todas as estradas inteiramente barradas,

ouvindo a floresta.

Com tudo lá longe, na casa deserta,

o vento soprando

e a chuva caindo, na noite caindo...

 

Há uma cancela que range nos gonzos

um velho cão de guarda que ladra sem motivo

– parece que é gente que vem a entrar...

 

E é só o vento soprando, soprando

e a chuva caindo...

 

Mudaram muita vez as folhas da floresta.

Os olhos do homem são olhos de doido.

Fogão apagado, aceso o cachimbo, o mundo lá longe.

 

E o vento soprando

a chuva caindo

a casa deserta...


Mário Dionísio, Poesia Incompleta, 2.ª ed., Europa-América, [1982], pp. 31-32

 

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Refira os elementos que contribuem para a representação do espaço.

2. Os versos 5 a 7 são retomados, com algumas variações ou integralmente, ao longo do texto.

Analise dois dos efeitos expressivos produzidos por essa repetição.

3. Explicite, no contexto do poema, o valor simbólico do verso 20: «Mudaram muita vez as folhas da floresta.».

4. Caracterize o homem que habita a «casa deserta».

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Os elementos que, ao longo do poema, contribuem para a representação do espaço são, entre outros, os seguintes:

a casa num local ermo (v. 2), o que acentua a solidão do homem;

o «fogão apagado» (vv. 3 e 22), que marca o ambiente desconfortável e lúgubre da casa;

«O mundo lá longe, para lá da floresta» (v. 4) e «as estradas inteiramente barradas» (v. 10), que afastam o «homem» (v. 21) do «mundo» (vv. 4 e 22), cortando a comunicação com o exterior;

o «vento soprando» (vv. 5, 13, 18 e 23), «a chuva caindo» (vv. 6, 14, 19 e 24), a «cancela que range nos gonzos» (v. 15), compondo um cenário invernoso e inóspito.

2. Os versos «E o vento soprando / a chuva caindo / a casa deserta» (vv. 5-7) repetem-se, com algumas variações, nos versos 12-14 e 18-19 e, integralmente, nos versos 23-25. Eis, entre outros, alguns dos efeitos assim produzidos:

acentuar a temática do isolamento e da solidão;

reiterar o carácter persistente da chuva e do vento, sugerindo uma atmosfera opressiva;

amplificar a noção de confinamento do homem ao espaço da casa;

marcar o ritmo do poema.

3. O verso «Mudaram muita vez as folhas da floresta.» (v. 20) remete para a passagem cíclica das estações, acentuando que muitos anos foram passando sem que a situação do «homem» (v. 21) na inóspita «casa deserta» (v. 1) se alterasse. Logo, a imagem da sucessiva mudança das folhas nas árvores pode representar, simbolicamente, um tempo longo de isolamento e de espera.

4. O homem está sozinho na casa sentindo que «nada» é «pior que estes dias e dias» (v. 8), desinteressado de tudo, pois nem sequer acende o fogão (vv. 3 e 22). Apesar disso, com «mãos inertes» (v. 9) e de «cachimbo aceso» (vv. 9 e 22), fica à escuta dos sons da floresta (v. 11), parecendo-lhe, por vezes, pressentir a presença humana (v. 17), o que não passa de uma ilusão. Por isso, os «olhos do homem são olhos de doido» (v. 21), de alguém que está isolado do mundo, numa espera longa e vã. 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734 - 11.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, de 26 de março). Prova Escrita de Literatura Portuguesa, Lisboa, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2015, Época Especial



Casa deserta, Mário Dionísio”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-11-21. Disponível em https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/casa-deserta-mario-dionisio.html



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