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segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Escrevo meu livro à beira-mágoa - Terceiro aviso na Mensagem, de Fernando Pessoa


Mensagem, Fernando Pessoa
Terceira Parte - O Encoberto
II - Os Avisos



 

TERCEIRO

 






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Screvo meu livro à beira-mágoa.
Meu coração não tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de água.
Só tu, Senhor, me dás viver.

Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?

Quando virás a ser o Cristo
De a quem morreu o falso Deus,
E a despertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?

Quando virás, ó Encoberto,
Sonho das eras português,
Tornar-me mais que o sopro incerto
De um grande anseio que Deus fez?

Ah, quando quererás, voltando,
Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Quando, meu Sonho e meu Senhor?

 

10-12-1928

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934

Edição utilizada: Mensagem, Fernando Pessoa, edição de Fernando Cabral Martins, Lisboa, Assírio & Alvim, 1997, pp. 81-82.

 

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

1. Caracterize o estado de alma do sujeito poético, expresso nos seis primeiros versos.

2. Justifique o recurso simultâneo à anáfora e à frase interrogativa a partir do sétimo verso do poema.

3. Explique, com base nas duas últimas estrofes, por que razão o sujeito poético pode ser considerado um profeta.

4. Identifique duas características do discurso lírico de Mensagem presentes no poema e transcreva um exemplo significativo para cada uma delas.

 

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Para caracterizar o estado de alma do sujeito poético, expresso nos seis primeiros versos, devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

a dor/mágoa/tristeza/amargura manifestada pelo sujeito poético;

a desilusão/frustração sentida relativamente à pátria do presente;

a esperança na vinda do «Senhor», a qual preenche o seu vazio interior.

2. Para justificar o recurso simultâneo à anáfora e à frase interrogativa, devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

expressão da ansiedade de quem deseja saber quando virá o «Senhor»;

expressão da incerteza quanto ao momento em que o regresso do «Senhor» acontecerá (mas também da certeza da sua vinda);

apelo insistente para que o «Encoberto» volte (para pôr fim ao «mal» e criar «A Nova Terra e os Novos Céus» – vv. 11 e 12).

3. Para explicar a razão pela qual o sujeito poético pode ser considerado um profeta, devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

anuncia a vinda do «Encoberto» (D. Sebastião)/a construção do Quinto Império;

deseja a realização do «Sonho das eras português» (v. 14);

espera cumprir o «grande anseio que Deus fez» (v. 16);

é o porta-voz de um desejo/sonho coletivo.

4. Na resposta, devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

recurso à primeira pessoa do singular em formas verbais, como «Screvo» (v. 1) ou «Tenho» (v. 3)/em determinantes possessivos, como «meu» (vv. 1 e 2)/em pronomes pessoais, como «me» (v. 4);

expressão da subjetividade/do mundo interior/dos sentimentos do sujeito poético, patente, por exemplo, no verso «Meu coração não tem que ter.» (v. 2);

visão subjetiva do destino nacional, evidenciada, por exemplo, nos versos «Quando virás, ó Encoberto,/ Sonho das eras português,/ Tornar-me mais que o sopro incerto/ De um grande anseio que Deus fez?» (vv. 13-16);

recurso à interjeição para expressar ansiedade ou desejo em «Ah, quando quererás, voltando, / Fazer minha esperança amor?» (vv. 17-18).

 

Fonte: Exame Final Nacional de Português n.º 639 - 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). Portugal, IAVE– Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2018, 1.ª Fase

 

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Texto de apoio

     Aviso

     São três os avisos na obra (pp. 91-94), veiculados pelo Bandarra, pelo Pe. António Vieira e pelo eu da Mensagem, apresentados de forma gradativa: sinal - prenúncio - ansiedade (a interpretação profética tem sempre três feições, recorde-se).

     Da importância que Pessoa (1988: 245) atribui às trovas do sapateiro de Trancoso, não deixam dúvidas estas palavras:

     O Quinto Império. O Futuro de Portugal - que não calculo mas sei - está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas trovas do Bandarra e também nas quadras de Nostradamus. Esse futuro é sermos tudo.

     António Vieira, por seu turno, é o grande defensor da ideia de um Quinto Império português e assíduo intérprete das Trovas do Bandarra.

     Assim sendo:

1. O sonho desse império divino pelo «anónimo» Bandarra é o primeiro aviso. Um sonho «confuso como o Universo» (M, 91) mas vivido com a certeza de quem cumpre humildemente uma missão que o transcende («Plebeu como Jesus Cristo) - ibid.). As profecias do Bandarra, «cujo coração foi / Não português mas Portugal» (ibid.), funcionam, deste modo, como um «sinal» do Portugal a haver.

2. É esse «sinal» que Vieira, «Imperador da língua portuguesa» («Minha pátria é a língua portuguesa» - diz-nos Pessoa-Bernardo Soares), interpreta e transforma em regresso iminente de D. Sebastião e visão do Quinto Império que, como «prenúncio», «Doira [já] as margens do Tejo» (M, 92).

3. O terceiro aviso é a ânsia da espera com que o eu poético pressente o regresso do «Rei» e, com ele, do Quinto Império, entrevisto já na esperança e na sua impaciência: «Quando é o Rei? Quando é hora?» (M,93).

     Todavia, antes de ser a «hora», há que passar os quatro «Tempos», que, na Mensagem, vêm a seguir.

Bibl.: Fernando Pessoa, Sobre Portugal. Introdução ao Problema Nacional, Lisboa, Ática, 1978, p. 136; Maria Irene Ramalho de Sousa Santos, «Um imperialismo de Poetas. Fernando Pessoa c o imaginário do Império», in Penélope. Fazer e Desfazer a História, n.º 15, Lisboa. 1995, pp. 73-74. 

Fonte: Dicionário da Mensagem, Artur Veríssimo. Porto, Areal Editores, 2000

 

***

 

O texto é marcadamente sebastianista:

- a nação encontra-se em estado de degradação, vazia de sentido, tal como o poeta;

- a frustração do presente faz germinar a ânsia de um salvador;

- o salvador e a sua vinda revestem-se de mistério;

- o salvador virá da névoa e da saudade (ecos da lenda do Rei Artur do ciclo Graal).

 

     É verdadeiramente simbólico o vazio resultante da ausência de nome do terceiro profeta. O texto, escrito na primeira pessoa, sugere que Fernando Pessoa se identifica com o superpoeta do super-Portugal, cuja vinda anunciara para breve nos célebres artigos publicados na revista A Águia em 1912:

«Criar um novo Portugal, ou melhor, ressuscitar a Pátria Portuguesa, arrancando-a do túmulo onde a sepultaram alguns séculos de obscuridade física e moral, em que os corpos definharam e as almas amorteceram. [] E isto leva a crer que deve estar para muito breve o inevitável aparecimento do poeta ou poetas supremos, desta corrente, e da nossa terra, porque fatalmente o Grande Poeta, que este movimento gerará, deslocará para segundo plano a figura até aqui principal de Camões. Quem sabe se não estará para um futuro multo próximo a ruidosa confirmação deste deduzíssimo asserto? []

Tenhamos fé. Tornaremos esta crença, afinal, lógica, num futuro mais glorioso do que a imaginação o ousa conceber, a nossa alma e o nosso corpo, o quotidiano e o eterno de nós. Dia e noite, em pensamento e acção, em sonho e vida, esteja connosco, para que nenhuma das nossas almas falte à sua missão de hoje, de criar o supra-Portugal de amanhã.»

Fernando Pessoa, A Nova Poesia Portuguesa (1912)

 

     Nas transcrições de excertos de dois sonetos do conjunto intitulado Passos da Cruz é notória a linha ideológica de que o poeta cumpre ordens superiores, é agente de Alguém, o que está de acordo com o que vem repetindo em muitos poemas de Mensagem:

«Venho de longe e trago no perfil

Em forma nevoenta e afastada,

O perfil de outro ser que desagrada

Ao meu actual recorte humano e vil..

[]

Hoje sou a saudade imperial

Do que já na distância de mim vi...

Eu próprio sou aquilo que perdi...

 

E nesta estrada para Desigual

Florem em esguia glória marginal

Os girassóis do império que morri...»

 

Fernando Pessoa, Passos da Cruz

 

«Emissário de um rei desconhecido

Eu cumpro informes instruções de além,

[]»

Fernando Pessoa, Passos da Cruz

 



“Escrevo meu livro à beira-mágoa - Terceiro aviso na Mensagem, de Fernando Pessoa” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 02-01-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/01/noite-mensagem-fernando-pessoa.html



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