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quinta-feira, 23 de março de 2023

O céu, a terra, o vento sossegado… (Camões)

 








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O céu, a terra, o vento sossegado…
As ondas, que se estendem pela areia…
Os peixes, que no mar o sono enfreia1
O noturno silêncio repousado…

O pescador Aónio, que, deitado
onde co vento a água se meneia2,
chorando, o nome amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que nomeado:

– Ondas (dezia), antes que Amor me mate,
tornai-me3 a minha Ninfa4, que tão cedo
me fizestes à morte estar sujeita.

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate,
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.

 

Luís de Camões, Rimas, edição de Álvaro J. da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 1994, p. 169

 

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1 enfreia (verso 3) – domina; subjuga.
2 se meneia (verso 6) – se move; se agita.
3 tornai-me (verso 10) – trazei-me de volta.
4 Ninfa (verso 10) – neste contexto, termo usado para designar a amada; mulher jovem e formosa; divindade que habita o campo, os bosques e as águas.

 

I - Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Caracterize o espaço físico representado na primeira quadra e a atmosfera nele predominante.

2. Descreva o estado de espírito do pescador Aónio, com base na segunda e na terceira estrofes.

3. Refira um dos efeitos expressivos da aliteração presente no último verso do poema.

4. Interprete a reação da natureza ao apelo do pescador.

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. O espaço físico representado na primeira quadra corresponde ao de uma noturna paisagem marinha («As ondas, que se estendem pela areia…» – v. 2). Predomina uma atmosfera de tranquilidade, de quietude e de silêncio («O céu, a terra, o vento sossegado...», «Os peixes, que no mar o sono enfreia…», «O noturno silêncio repousado...» – vv. 1, 3 e 4).

2. O pescador Aónio está dominado por um sentimento de profunda tristeza devido à morte da amada. Num estado de desalento, patente na atitude de abandono em que se encontra («deitado / onde co vento a água se meneia» – vv. 5-6), exprime o seu desespero chorando, clamando pelo «nome amado» (v. 7) e suplicando às «Ondas» (v. 9) a graça do retorno à vida da sua «Ninfa» (v. 10).

3. Entre outros, destacam-se os seguintes efeitos expressivos da aliteração (predominância do som <v>) presente no último verso do poema:

− confere uma tonalidade musical harmoniosa;

− cria um efeito que sugere o som do vento;

− marca o ritmo sincopado do verso;

− acentua a importância da relação simbólica entre voz e vento.

4. A reação da natureza sugere indiferença relativamente ao pescador Aónio, pois aquela não responde à sua súplica. Assim, à completa ausência de resposta, segue-se a indiferença do mar («de longe bate» – v. 12), o movimento brando do «arvoredo» (v. 13) e do «vento» (v. 14) que, soprando, torna inaudível a «voz» (v. 14) da figura central.

 

Fonte: Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734. Prova Escrita de Literatura Portuguesa. 11.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). Governo de Portugal – Ministério da Educação e Ciência / IAVE-Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2014, 1.ª Fase

 

II - Outro questionário sobre o poema “O céu, a terra, o vento sossegado…”

1. A partir da leitura deste soneto, identifique o seu tema, indicando as linhas segundo as quais é desenvolvido.

2. Na descrição inicial do texto apresenta-se a natureza.

2.1. Explicite a impressão que essa natureza sugere ao leitor.

2.1.1. Refira os processos utilizados para obter esse efeito.

3. A imagem da natureza contrasta com o sentimento experimentado pelo pescador.

3.1. Caracterize a personagem, recolhendo do soneto todas as expressões que concorrem para a definição do seu perfil.

3.2. Aponte a causa motivadora do estado emocional da personagem.

4. Mencione os recursos estilísticos relevantes do poema.

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 537. Cursos Complementares Nocturnos - Liceal e Técnicos. Prova Escrita de Português (Índole Científica). Portugal, 1997, 1.ª fase, 2.ª Chamada

 

Proposta de resolução

1. O tema do soneto é o sofrimento amoroso do pescador Aónio, que perdeu a sua amada Ninfa e chora a sua ausência na praia. O tema é desenvolvido segundo as seguintes linhas:

Nas quadras (versos 1 a 8), apresenta-se uma descrição da natureza tranquila e silenciosa, que contrasta com a dor do pescador;

Nos tercetos (versos 9 a 14), apresenta-se o lamento do pescador, que pede às ondas que lhe devolvam a sua Ninfa, mas não obtém resposta.

2.1. A natureza é descrita como sossegada e repousada, sugerindo uma sensação de calma e tranquilidade ao leitor.

2.1.1. Os processos utilizados para obter esse efeito são:

A enumeração de elementos naturais (o céu, a terra, o vento, as ondas, os peixes);

O uso de adjetivos que sugerem tranquilidade, qualificando esses elementos como sossegados ou repousados;

O uso dos verbos estendem, enfreia, meneia que indicam movimentos suaves ou lentos.

Além disso, a natureza é descrita de maneira personificada, como se fosse uma entidade que pode ouvir e responder ao pescador. Esse efeito é obtido através do uso de verbos como "sossegado", "estendem", "move-se" e "leva", que conferem a sensação de que a natureza está viva e atenta.

3.1. A personagem é caracterizada como um pescador triste e solitário, que chora pela sua amada perdida e que não encontra consolo na natureza nem nos homens. As expressões que concorrem para a definição do seu perfil são:

- “chorando” (verso 6);

- “o nome amado em vão nomeia” (verso 7);

- “que não pode ser mais que nomeado” (verso 8);

- “antes que Amor me mate” (verso 10);

- “me fizestes à morte estar sujeita” (verso 12);

- “Ninguém lhe fala” (verso 13).

3.2. A causa motivadora do estado emocional da personagem é a perda da sua amada Ninfa, que morreu.

4. O soneto "O céu, a terra, o vento sossegado" de Camões apresenta uma variedade de recursos estilísticos, que contribuem para a sua expressividade poética. Alguns dos principais recursos estilísticos presentes no poema são:

- Aliteração: repetição de sons consonânticos para criar um efeito sonoro. Exemplo: “O céu, a terra, o vento sossegado” (verso 1), onde se repete o som /s/ para sugerir a calma e o silêncio da natureza.

- O uso da aliteração em /v/ no último verso acentua o alheamento da Natureza perante as palavras de Aónio e intensifica a sua solidão;

- O uso da apóstrofe para se dirigir às ondas como interlocutoras;

- A personificação da natureza, por exemplo, no último verso da primeira quadra (“O noturno silêncio repousado”), reforça a ideia de uma natureza amena, calma e equilibrada;

- A utilização de adjetivos que evocam tranquilidade: “sossegado” (verso 1), “manso” (verso 2), “quieto” (verso 3) e “sereno” (verso 4);

- O contraste entre a calma da natureza e o sofrimento do pescador.

 

Poderá também gostar de:

Lição sobre "O céu, a terra, o vento sossegado..." apresentada no Projeto de parceria entre o Ministério da Educação e a RTP #ESTUDOEMCASA, aula 32 de Português – 10.º ano, sobre o tema do amor na lírica de Camões: "Como quando do mar tempestuoso" e "O céu, a terra, o vento sossegado...", 2021-03-17. Disponível em https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7884/e530880/portugues-10-ano (inicia no minuto 15’55’’)


 


CARREIRO, José. “O céu, a terra, o vento sossegado… (Camões)”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 23-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/o-ceu-terra-o-vento-sossegado-camoes.html


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