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quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Romance de D. Pedro e Dona Inês (Natália Correia)

Pedro e Inês, os amantes infelizes, por Sérgio Marques, 2021

 

Romance de D. Pedro e Dona Inês

 

Era seu colo de neve
tocado daquela graça
do contorno mais breve
onde o infinito se enlaça.

Morta, em sua fronte uma constelação
era presságio do ritual macabro
duma coroação.

O que bebera em sua carne a claridade
que dos deuses escorre para a mais pura taça
partiu com mãos de tempestade
apressando com ira
e com desgraça
a fatalidade que os ungira.

E só parou quando mudo no espanto
onde o enlevo da morte se adivinha
o fim do mundo ficou esperando
aos pés da mais fantástica rainha.

 

Natália Correia, Poemas (1955)

 

O poema é inspirado na história de amor trágico entre o infante D. Pedro e a sua amante Inês de Castro, que foi assassinada por ordem do rei D. Afonso IV, pai de D. Pedro, em 13551. Após a morte de Inês, D. Pedro declarou que se tinha casado secretamente com ela e mandou coroá-la como rainha, expondo o seu cadáver no trono.

O poema apresenta uma estrutura narrativa, podendo ser dividido em três momentos: a descrição da beleza de Inês (primeira estrofe), o relato do seu assassinato (segunda e terceira estrofes) e a reação de D. Pedro (quarta estrofe).

As imagens da primeira parte parecem ser ambíguas, visto que a neve pode simbolizar a palidez da pele de Inês após a morte, mas também pode simbolizar a brancura e a delicadeza da sua pele em vida. A graça e o contorno podem sugerir a beleza e a delicadeza da sua forma mesmo na morte, mas também podem sugerir a elegância e a perfeição da sua forma em vida. O infinito pode representar a transcendência da beleza de Inês, mesmo após sua morte, mas também pode representar a eternidade do amor entre Inês e D. Pedro.

A meu ver, os versos da primeira estrofe parecem evocar a beleza serena do corpo morto de Inês após a sua morte violenta, usando imagens de pureza e tranquilidade para contrastar com a tragédia que ocorreu. Assim, o contorno breve do corpo mortal demarcaria a fronteira entre o físico e o espiritual, como se estivesse tocando o infinito.

A segunda estrofe introduz elementos sombrios na narrativa, com a menção de uma constelação na sua fronte como presságio do "ritual macabro / duma coroação" póstuma, como de facto veio a acontecer.

A terceira estrofe revela a crueldade do destino, sugerindo que o que atraía a claridade dos deuses na sua carne foi arrancado com fúria e desgraça. O sujeito poético emprega nesta parte do texto uma linguagem bem sombria e dramática para narrar o ato cruel que tirou a vida de Inês. Palavras como "tempestade", "ira", "desgraça" e "fatalidade" são escolhidas cuidadosamente para expressar a fúria e a injustiça que marcaram o crime. A palavra "tempestade" evoca uma sensação de caos e violência, sugerindo que o ato foi tumultuoso e selvagem. "Ira" ressalta a intensidade da raiva subjacente a essa ação violenta, enquanto "desgraça" aponta para o trágico e infortunado destino de Inês. A palavra "fatalidade" enfatiza a inevitabilidade do ocorrido, como se o destino estivesse selado desde o início.

Na quarta estrofe, o sujeito poético retrata a profunda reação de D. Pedro perante o cadáver de Inês, revelando seu espanto e dor de maneira comovente.

A utilização de uma hipérbole, ao afirmar que "o fim do mundo ficou esperando / aos pés da mais fantástica rainha," é notável. Essa expressão enfatiza a intensidade do amor de D. Pedro por Inês e a extensão de seu sofrimento. Ao sugerir que o "fim do mundo" estava à espera, a poeta indica que, para D. Pedro, nada mais importava a não ser o seu amor por Inês. Essa hipérbole realça o aspeto trágico e atemporal do amor do protagonista, como se a própria ordem do mundo estivesse suspensa ou interrompida diante da morte de Inês.

Além disso, ao chamar Inês de "rainha" depois de sua morte, a poeta destaca o caráter fantástico e paradoxal da situação. Inês, embora morta, é descrita como uma rainha, talvez indicando que o seu amor e beleza transcenderam a vida e a morte, conferindo-lhe uma realeza eterna. Esse uso do termo "rainha" também ressalta a importância de Inês na vida de D. Pedro e a profunda reverência que ele sentia por ela, independentemente das circunstâncias.

O poema "Romance de D. Pedro e Dona Inês" de Natália Correia é um texto que evoca uma atmosfera sombria e trágica, mergulhando na lenda histórica do amor proibido entre D. Pedro I de Portugal e Dona Inês de Castro.

 

Túmulos de D. Pedro e D. Inês, dispostos frente a frente, no Mosteiro de Alcobaça



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