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quinta-feira, 25 de julho de 2024

Balada do rei das sereias, Manuel Bandeira


 

BALADA DO REI DAS SEREIAS

O rei atirou
Seu anel ao mar
E disse às sereias:
- Ide-o lá buscar,
Que se o não trouxerdes
Virareis espuma
Das ondas do mar!

Foram as sereias,
Não tardou, voltaram
Com o perdido anel
Maldito o capricho
De rei tão cruel!

O rei atirou
Grãos de arroz ao mar
E disse às sereias:
- Ide-os lá buscar,
Que se os não trouxerdes
Virareis espuma
Das ondas do mar!

Foram as sereias
Não tardou, voltaram,
Não faltava um grão.
Maldito capricho
De mau coração!

O rei atirou
Sua filha ao mar
E disse às sereias:
- Ide-a lá buscar,
Que se a não trouxerdes
Virareis espuma
Das ondas do mar!

Foram as sereias...
Quem as viu voltar?...
Não voltaram nunca!
Viraram espuma
Das ondas do mar.

 

Manuel Bandeira, Lira dos Cinquent’Anos, 1940

 

Leitura orientada da "Balada do rei das sereias", de Manuel Bandeira 

A "Balada do rei das sereias" é um poema de crítica social em que o sujeito poético conta a história de um rei que, na sua crueldade e arrogância, desafia as sereias do mar.

O texto inicia com o rei a atirar o seu anel ao mar e a ordenar às sereias que o recuperem, sob a ameaça de transformá-las em espuma caso falhem. Este gesto inicial estabelece o tom de tirania do monarca, que usa o seu poder para impor tarefas absurdas e desumanas. As sereias, figuras mitológicas associadas ao encanto e à sedução, aqui são reduzidas a serviçais, obedecendo aos caprichos do rei. O anel, símbolo de poder e aliança, é recuperado sem demora, o que demonstra a competência e a submissão das sereias ao poder régio.

A situação repete-se com grãos de arroz, um símbolo de fertilidade e vida, atirados ao mar. Novamente, as sereias cumprem a tarefa dificílima ao retornarem com todos os grãos, reforçando, assim, o domínio do rei e a extensão da sua crueldade. Este segundo ato do poema intensifica a sensação de injustiça e abuso de poder, enquanto as sereias continuam a cumprir as suas ordens, agora sem o mesmo significado de resistência ou contestação.

É na terceira e última parte do poema que se revela o verdadeiro clímax da narrativa. O rei, na sua insensatez máxima, joga a própria filha ao mar, exigindo que as sereias a tragam de volta. Este ato extremo de desumanidade não é atendido; as sereias desaparecem, transformando-se na espuma das ondas. A metamorfose das sereias em espuma pode ser interpretada como um ato de vingança e liberdade final contra a tirania do rei. Elas escolhem não retornar, não aceitar mais as ordens absurdas, e assim subvertem a relação de poder que o rei imaginava imutável.

A conclusão do poema, com a ausência das sereias e a transformação em espuma, evoca a lenda do nascimento de Afrodite, a deusa grega do amor e da beleza, que surgiu da espuma do mar. Esta referência mitológica adiciona uma camada de profundidade ao poema, sugerindo que há forças e poderes além da compreensão e controle do rei, e que a beleza e a justiça podem surgir dos atos de resistência e sacrifício.

Manuel Bandeira, através desta balada, tece uma crítica àqueles que abusam do seu poder e não percebem a resiliência e a força daqueles que eles subjugam. O poema é uma alegoria sobre a ilusão do controlo absoluto e a inevitável consequência da opressão. O jogo de submissão revela-se uma armadilha para o próprio rei, que perde algo infinitamente mais valioso do que um anel ou grãos de arroz: a sua própria filha e a fidelidade das sereias. Portanto, o autor alerta para os perigos da arrogância e da crueldade, mostrando que o verdadeiro poder reside na liberdade e na justiça.


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