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sexta-feira, 12 de julho de 2024

Poema da morte na estrada, António Gedeão




 

POEMA DA MORTE NA ESTRADA

Na berma da estrada, nuns quinhentos metros,
estão quinhentos mortos com os olhos abertos.

A morte, num sopro, colheu-os aos molhos.
Nem tiveram tempo para fechar os olhos.

Eles bem sabiam dos bancos da escola
como os homens dignos sucumbem na guerra.
Lá saber, sabiam.
A mão firme empunhando a espada ou a pistola,
morrendo sem ceder nem um palmo de terra.

Pois é.
Mas veio de lá a bomba, fulgurante como mil sóis,
não lhes deu tempo para serem heróis.

Eles bem sabiam que o último pensamento
devia estar reservado para a pátria amada.
Lá saber, sabiam.
Mas veio de lá a bomba e destruiu tudo num só momento.
Não lhes deu tempo para pensar em nada.

Agora,
na berma da estrada, nuns quinhentos metros,
são quinhentos mortos com os olhos abertos.

 

António Gedeão, Linhas de força. Coimbra, Tip. da Atlântida Ed., 1967

 

Linhas de leitura sobre o "Poema da morte da estrada":

O título "Poema da morte na estrada" antecipa o tema central do poema: a morte súbita e indiscriminada provocada por um ataque aéreo, sublinhando a tragédia e a desumanização dos soldados. A narrativa poética desenvolve-se em torno da imagem de quinhentos mortos, distribuídos ao longo de uma estrada, uma representação da devastação causada pela guerra.

A estrutura do poema é marcada pela repetição quase literal da primeira estrofe na última. Essa repetição reforça a ideia de que a morte dos soldados foi repentina e irreversível. A mudança do verbo "estão" para "são" na última estrofe sublinha a permanência desta condição. A imagem dos olhos abertos sugere uma morte abrupta, sem tempo para reação ou preparação, acentuando a brutalidade do evento.

Na segunda e terceira estrofes, o sujeito poético descreve a morte rápida e inesperada dos soldados, em contraste com o que aprenderam sobre heroísmo nos "bancos da escola". A morte é personificada, atuando como uma entidade que "colheu-os aos molhos", ilustrando a natureza massiva e instantânea da tragédia. A ilusão de heroísmo é desfeita pela realidade brutal de uma guerra moderna onde não há tempo para gestos heroicos ou para o pensamento consciente antes da morte.

As quarta e quinta estrofes destacam a discrepância entre o conhecimento teórico dos soldados sobre a guerra e a realidade que enfrentaram. A bomba é descrita com uma hipérbole, "fulgurante como mil sóis", enfatizando o seu poder destrutivo e a intensidade do ataque. A repetição da frase "não lhes deu tempo" sublinha a rapidez e a brutalidade da morte, que nega qualquer possibilidade de heroísmo ou de reflexão final.

Análise dos recursos expressivos e do ritmo do poema

Personificação: “A morte, num sopro, colheu-os aos molhos.” No verso 3, a morte é descrita como uma entidade ativa e quase tangível, que ceifa vidas de forma impiedosa e inevitável.

Comparação e Hipérbole: “Mas veio de lá a bomba, fulgurante como mil sóis” – No verso 11, a comparação da bomba com "mil sóis" exagera seu brilho e poder destrutivo, acentuando a devastação e o terror que causou.

O ritmo do poema é predominantemente lento, refletindo a solenidade e a gravidade do tema tratado. No entanto, a introdução de versos mais curtos nas estrofes finais cria uma quebra no ritmo, destacando a ineficácia da aprendizagem dos soldados diante da realidade brutal da guerra moderna.

Conclusão

O poema aborda de maneira incisiva a fragilidade da vida, a brutalidade da guerra e a inevitabilidade da morte. A bomba fulgurante simboliza a violência e a destruição que podem extinguir vidas num instante, sem oportunidade para heroísmo ou reflexão. O tom sombrio e contemplativo do poema convida o leitor a refletir sobre a condição humana e a brevidade da existência, destacando a tragédia e a desumanização inerentes à guerra.


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