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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

PEREGRINO E HOSPEDE SOBRE A TERRA (Ruy Belo)

 RUY BELO
         
         
PEREGRINO E HÓSPEDE SOBRE A TERRA

Meu único país é sempre onde estou bem

é onde pago o bem com sofrimento
é onde num momento tudo tenho
O meu país agora são os mesmos campos verdes
que no outono vi tristes e desolados
e onde nem me pedem passaporte
pois neles nasci e morro a cada instante
que a paz não é palavra para mim
O malmequer a erva o pessegueiro em flor
asseguram o mínimo de dor indispensável
a quem na felicidade que tivesse
veria uma reforma e um insulto
A vida recomeça e o sol brilha
a tudo isto chamam primavera
mas nada disto cabe numa só palavra
abstrata quando tudo é tão concreto e vário
O meu país são todos os amigos
que conquisto e que perco a cada instante
Os meus amigos são os mais recentes
os dos demais países os que mal conheço e
tenho de abandonar porque me vou embora
pois eu nunca estou bem aonde estou
nem mesmo estou sequer aonde estou
Eu não sou muito grande nasci numa aldeia
mas o país que tinha já de si pequeno
fizeram-no pequeno para mim
os donos das pessoas e das terras
os vendilhões das almas no templo do mundo
Sou donde estou e só sou português
por ter em portugal olhado a luz pela primeira vez
            
Ruy Belo, Transporte no Tempo (1973)
       
           
QUESTIONÁRIO SOBRE O POEMA «PEREGRINO E HOSPEDE SOBRE A TERRA»
         
1. Vocábulos tão contraditórios entre si como «sofrimento», «dor», «paz», «felicidade»,que significado têm na vida do sujeito poético?

2. As mágoas pessoais não fecham o coração ao mundo real.

2.1. Desse mundo real, há aspetos conotados com o «estar bem». Refira-os.

2.2. Como se revela o carácter transitório desses aspetos propícios ao «estar bem»?

3. O que o poeta sente como sendo o seu «país» é necessariamente algo também transitório. Porquê?

4. Esta conceção de «país» conduz a duas afirmações que se complementam: «só sou português / por ter em portugal olhada a luz pela primeira vez» e «peregrino e hóspede sobre a terra». Justifique esta observação.
             


             
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 Poesia útil e literatura de resistência” (A literatura como arma contra a ditadura e a guerra colonial portuguesas), José Carreiro

   
                          

[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/09/16/peregrino.e.hospede.sobre.a.terra.aspx]

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