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quarta-feira, 12 de março de 2014

MÃOS FERIDAS NA PORTA DUM SILÊNCIO (Natália Correia)


                
MÃOS FERIDAS NA PORTA DUM SILÊNCIO

Vida que às costas me levas 
Porque não dás um corpo às tuas trevas? 

Porque não dás um som àquela voz 
que quer rasgar o teu silêncio em nós? 

Porque não dás à pálpebra que pede 
aquele olhar que em ti se perde? 

Porque não dás vestidos à nudez 
que só tu vês?
        
Natália Correia, Poemas, 1955
        
         
         
[…] quanto à relação entre a palavra e as coisas do mundo, à necessidade de dar forma às coisas, tem-se “Mãos feridas na porta dum silêncio” (1993, v. 1, p. 68), de Natália Correia […].
Natália constrói um poema em estrutura de vocativo, apresentando quatro estrofes interrogativas, nas quais o eu pergunta a um tu, a “vida”, o motivo de ela não dar forma às coisas. A segunda estrofe é a que mais se aproxima da problemática levantada em “Rosa” [poema da brasileira Orides Fontela], questionando o facto de a vida não atender ao desejo de uma voz interior desse eu, a qual anseia “rasgar” o silêncio arraigado nos seres pela vida.
A linguagem verbal não é tratada como algo capaz de afastar as pessoas da integração total com o mundo, mas como meio de expressar o que a natureza calou (a intermediação ou inter-relação entre os seres) e, deste modo, como meio de integrar o ser com o mundo. Na segunda estrofe, o eu lírico que se dirige à vida coloca-se, inclusive, como “nós”, assumindo a condição igualitária de todos os outros seres.
Por meio dos dois poemas, é possível refletir sobre o que seria das relações humanas se não existisse a linguagem verbal, a língua. Como se comunicar de maneira precisa? Somente por meio da naturalidade dos cinco sentidos, como os animais? “Mãos feridas na porta dum silêncio” mostra, portanto, que em Natália também está presente uma preocupação de ordem existencial, embora voltada um pouco mais para a relação com o poeta.
Essa relação pode ser melhor observada em “Poema limo” (1993, v. 1, p. 335) da obra O vinho e a lira (1966), que instiga a uma reflexão sobre o papel do homem-poeta no mundo.
     
São José do Rio Preto, Universidade Estadual Paulista - Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, 2006, pp. 111-112.
        
           
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[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/03/12/maos.feridas.na.porta.dum.silencio.aspx]

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