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terça-feira, 16 de setembro de 2014

E DEPOIS DO ADEUS


  



E DEPOIS DO ADEUS


Quis saber quem sou 
O que faço aqui 
Quem me abandonou 
De quem me esqueci 
Perguntei por mim 
Quis saber de nós 
Mas o mar 
Não me traz 
Tua voz. 
Em silêncio, amor 
Em tristeza e fim 
Eu te sinto, em flor 
Eu te sofro, em mim 
Eu te lembro, assim 
Partir é morrer 
Como amar 
É ganhar 
E perder. 
Tu vieste em flor 
Eu te desfolhei 
Tu te deste em amor 
Eu nada te dei 
Em teu corpo, amor 
Eu adormeci 
Morri nele 
E ao morrer 
Renasci. 
E depois do amor 
E depois de nós 
O dizer adeus, o ficarmos sós 
Teu lugar a mais, tua ausência em mim 
Tua paz que perdi 
Minha dor que aprendi 
de novo vieste em flor 
Te desfolhei... 
E depois do amor e depois de nós 
O adeus 
O ficarmos sós.

Letra: José Niza
Música: José Calvário
Interpretação: Paulo de Carvalho, Festival da Canção, 1974


Ficha de abordagem do tema musical “E depois do Adeus”

       



1. A melodia apresenta uma dicotomia ao longo da canção.

a) Identifica-a.

b) Relaciona-a com o texto.

2. Identifica o interlocutor do poeta. Justifica.

3. Aponta a figura de estilo presente na expressão: “Tua ausência em mim”, verso 33. Destaca a sua expressividade.

4. Reportando-te à época em que foi interpretada a canção salienta a importância do desejo do poeta ao referir “…o ficarmos sós” (no último verso).

5. Identifica a  personagem  da  peça  Frei  Luís  de  Sousa  que  melhor  se  ajusta  à mensagem expressa nos nove primeiros versos. Justifica.

       
José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, p. 177.

       

       

Texto de apoio

           Génese da canção

«A cantiga nasceu com o José Niza, autor da letra, e o José Calvário, autor da música, para concorrerem ao festival da canção. Entrelinhas tentava-se dar alguns recados às pessoas daí o ´quis saber quem sou, o que faço aqui`. Não era direta, tinha alguns recados, mas era essencialmente uma canção de amor. A letra tem coisas muito bonitas que pouca gente sabe, conta Paulo de Carvalho, em entrevista à Câmara Municipal de Lisboa, que pode ver na íntegra nesta página.

O José Niza fez a tropa em Angola, durante a guerra do Ultramar e este ´quis saber quem sou, o que faço aqui, quem me abandonou, de quem me esqueci` são alguns escritos que ele fez para a Blo, a sua companheira, a sua mulher, em cartas que era o que ele pensava, as questões que ele punha.

Depois, o José Calvário agarrou na música e ambos construíram esta cantiga que venceu aquele festival da RTP e depois foi escolhida para o que foi. Só anos depois é que eu soube porque é que foi, como foi, tudo isso.»

«’E depois do adeus’. A senha da revolução, explicada por Paulo de Carvalho», https://www.lisboa.pt/atualidade/noticias/detalhe/e-depois-do-adeus-a-senha-da-revolucao-explicada-por-paulo-de-carvalho, 25.04.2021    

A Simbiose Sinestésica Intertextual da Poesia Musicada em Sala de Aula: “E Depois do Adeus” (Letra de José Niza e música de José Calvário)

Ritmo ‑ Quaternário majestoso

Melodia ‑ Muito rica, elaborada à base de piano e orquestra. Verifica-se mudança de tom entre as estrofes e o refrão. Enquanto as primeiras quadras estão em tom menor, por sua vez, o refrão está em tom maior. De fácil memorização, a melodia revela emoção em crescendo e termina reforçada com o refrão em apoteose.

Harmonia ‑ Elaborada, com multi-acordes, entrelaçados com a orquestra e a voz.

Análise Semântica ‑ O poeta questiona-se sobre a sua própria identidade, desejando um país  de  quem  não  tem  resposta:  “quis  saber  de  nós  mas  o  mar não  me  traz  tua  voz”. Perante uma ausência prolongada, surge um sentimento nostálgico de sofrimento.

O  discurso  metafórico  prossegue  com  a  imagem  de  um  país  projetado  numa flor desfolhada pelo poeta que adquiriu forças de uma Fénix renascida. Surge, após o amor, a ausência, a pena, a revolta colmatada com alembrança de um momento feliz – o reencontro.

O cantautor termina com a vontade de ficarem sós desfrutando da união, da “partilha amorosa” com o seu país.

De salientar a existência de alguns versos curtos, alguns trissilábicos, outros de cinco sílabas, em ritmo vivo, em frases que transparecem energia, vontade em atingir o seu  grande objetivo através do grito: “o  ficarmos sós”, o reencontro com o país, testemunhado  pela  parte  final  da  música  em  apoteose. Finalmente,  o  destaque para  a utilização  de  uma  linguagem  metafórica  para,  desta  forma,  poder  passar pelo  “lápis azul” da censura.

José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, p. 130.


       

Duas canções, uma revolução: a história de "Grândola Vila Morena" e "E Depois do Adeus"


      

Há 40 anos, a operação militar que alteraria o curso da História de Portugal foi desencadeada por duas canções com origens e vozes diferentes. Porquê "Grândola Vila Morena" e "E Depois do Adeus" no 25 de Abril de 1974?


        
Otelo Saraiva de Carvalho revelou-se um estratega capaz dirigindo as operações militares que resultaram na revolução de 25 de Abril de 1974, mas não se pode dizer que a estratégia musical empregue na escolha das senhas da revolução tenha sido delineada de forma igualmente brilhante pelo militar. 

Quarenta anos depois da revolução dos cravos, Paulo de Carvalho explica à BLITZ que "E Depois do Adeus", o tema com que venceu o Festival RTP da Canção realizado a 7 de março de 1974, esteve para não ser a primeira senha do 25 de Abril: "sei hoje que houve uma reunião no Apolo 70 entre o Otelo, o Costa Martins, que foi Ministro do Trabalho no tempo de Vasco Gonçalves, e o [radialista] João Paulo Diniz [que à altura trabalhava nos Emissores Associados de Lisboa e no Rádio Clube Português]. A ideia do Otelo era que a primeira senha fosse o "Venham Mais Cinco", do José Afonso, mas foi o João Paulo Diniz que o convenceu de que essa canção, de um autor proibido pelo regime, poderia levantar suspeitas. E foi ele também que sugeriu o "E Depois do Adeus", que poderia ser tocado sem fazer soar nenhum tipo de alarme". 

Num documento secreto onde se explicava aos comandantes operacionais a estratégia para a madrugada de 25 de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho indicava as duas senhas de transmissão radiofónica que espoletariam as operações militares da revolução que se seguiria: "Às vinte e duas horas e cinquenta e cinco minutos (22H55) do dia 24 Abr 74 será transmitida pelos "Emissores Associados de Lisboa" uma frase indicando que faltam cinco minutos para as vinte e três horas (23H00) e anunciado o disco de Paulo de Carvalho, "E Depois do Adeus"". O tema de José Afonso deveria ouvir-se mais tarde: "entre as zero horas (00H00) e a uma hora (01H00) do dia 25 Abr 74, através do programa da Rádio Renascença, será transmitida a seguinte sequência: Leitura da estrofe do poema "Grândola Vila Morena" "Grândola Vila Morena / Terra de fraternidade / O povo é quem mais ordena / Dentro de ti ó cidade"; Transmissão da canção do mesmo nome interpretada por José Afonso". 

"E Depois do Adeus" é um tema com letra de José Niza e música de José Calvário. Paulo de Carvalho recorda hoje que a canção foi escrita por aquela dupla com a sua voz em mente. "Achei a cantiga muito bonita e aceitei logo cantá-la. O texto foi feito com a escolha de pequenas frases das cartas que o Niza enviava à sua mulher, Isabel, quando se encontrava estacionado em Angola: "Quis saber quem sou", "O que faço aqui?", "Quem me abandonou?", "De quem me esqueci?"". 

Nessa altura, "costumávamos encontrar-nos no Penedo, em casa do [jornalista] António Rolo Duarte, e era aí que tomava conhecimento das canções que iam sendo escritas". Uma delas foi "E Depois do Adeus", tema que se revelou vencedor no XI Grande Prémio TV da Canção 1974 (vulgo Festival da Canção), mas que em Brighton, no Festival da Eurovisão, se quedou pelo último lugar da tabela: "a RTP nunca quis ganhar o Festival", lamenta o cantor. "Nem havia onde realizar o festival por cá. Não estou a ver um autocarro de 50 lugares a estacionar à frente do Coliseu para descarregar a delegação de Israel e toda a segurança que levava para todo o lado". 

Outra vida e outra gestação teve "Grândola Vila Morena", tema que José Afonso escreveu a 17 de Maio de 1964, praticamente dez anos antes da revolução, quando conduzia um automóvel com que regressava a Lisboa, acompanhado pelos guitarristas Fernando Alvim e Carlos Paredes, de uma apresentação na inspiradora vila alentejana. O tema seria depois gravado em França, em 1971, como parte do álbum Cantigas do Maio, que contou com produção de José Mário Branco. Francisco Fanhais, que juntamente com o guitarrista Carlos Correia, José Afonso e José Mário Branco foi um dos quatro envolvidos na gravação da canção, recordou à BLITZ a história desse registo, no famoso estúdio do Chateau d'Hérouville: "aqueles passos que se ouvem no início não são de soldados, foram captados em estúdio numa espécie de encenação do tipo de ambiente criado pelos grupos corais alentejanos. Foi esse o ambiente que o Zé Mário quis reproduzir". 

O tema passou incólume pelas malhas da censura, que se revelaram apertadas sobre outras obras de José Afonso, e obteve luz verde para ser interpretado no Primeiro Encontro da Canção Portuguesa, evento que contou com marca da Casa da Imprensa, acontecendo em finais de março de 1974 no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, quando já sopravam fortes os ventos revolucionários. Francisco Fanhais estava então em França e tomou conhecimento da revolução na manhã de 25 de Abril: "Fiquei na dúvida, tal como muita gente, se era um golpe da direita ou de democratas que queriam alterar o regime. As dúvidas desfizeram-se quando percebi o papel da "Grândola Vila Morena": nenhum fascista teria escolhido um tema assim para uma revolução". 


              

Poderá também gostar de:

              
 “José Niza: E Depois do Adeus?”, uma mini série de 3 programas dedicados ao músico José Niza. Realização de Armando Carvalhêda e António Macedo. Primeira Emissão: 2011-12-25. 3º programa disponível em: http://www.rtp.pt/play/p785/e67986/jose-niza-e-depois-do-adeus




 Poesia útil e literatura de resistência” (A literatura como arma contra a ditadura e a guerra colonial portuguesas), José Carreiro

   

                        


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/09/16/e-depois-do-adeus.aspx]
Última atualização: 13-03-2024

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