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sábado, 17 de janeiro de 2015

Haiku: Um caminho pessoal de despojamento e de procura do essencial




QUINZE HAIKUS JAPONESES
(mudados para português por Herberto Helder)


            Ervas do estio:
lugar onde os guerreiros
            sonham.

*

            Um cuco
foge ao longe — e ao longe,
            uma ilha.

*

            Primeira neve:
bastante para vergar as folhas
            dos junquilhos.

(Bashó)
*

            Libélula vermelha.
Tira-lhe as asas:
            um pimentão.

(Kikaku)

*

Pimentão vermelho.
Põe-lhe umas asas:
            Libélula.

(Correcção de Bashô)

*

Pelo meio do arrozal
vou até à ameixoeira —
para ver o seu perfume.

*

            Pirilampos
sobre o espelho da ribeira.
Dupla barragem de luz

*

            Festa das flores.
Acompanhando a mãe,
            uma criança cega.

(Kikaku)

*

Casa sob as flores brancas.
            Onde bater?
Mancha sombria da porta.

(Kyorai)

*

            Crescente lunar.
O tubarão esconde a cabeça
            debaixo das vagas.

(Shikô)

*

A lua deitou sobre as coisas
uma toalha de prata.
Azáleas brancas.

*

Monte de Higashi.
Como o corpo
sob um lençol.

(Ransetsu)

*

Caracol,
lento, lento, lento — sobe
o Fuji.

*

Um cuco
cuja voz se arrasta
sobre as águas.

(Issa)

*

            Ah, o passado.
O tempo onde se acumularam
            os dias lentos.

(Busson)




Herberto Helder, O Bebedor Nocturno (1961-1966).
Apud: Poesia Toda, Lisboa, Assírio & Alvim, 1990.



Retrato e poema de Matsuo Bashō
 pelo artista Yokoi Kinkoku, 1820 (Era Edo)


a vida demora tanto
como um aguaceiro de inverno
diz Sôgi

                     *

polvilho os meus ouvidos
com incenso
e assim ouço melhor o cuco

                     *

quero contemplar uma flor
à primeira luz do dia
para ver a face de um deus

                     *

o coração viajante não se enraíza
antes quer ser
braseira ambulante

O Eremita Viajante, Matsuo Bashô. Lisboa, Assírio & Alvim, 2016. Tradução: Joaquim M. Palma



Traduzir qualquer haiku é uma tarefa arriscada e, talvez mesmo impossível. A exactidão da forma dificilmente se consegue transpor para o português sem sacrificar a fidelidade às palavras e, sem a exactidão da forma, grande parte da armadilha de simplicidade do poema na sua língua original se esfuma. Por exemplo, cada haiku deve incluir num dos seus três versos um kigo, uma palavra ou ideia associável a uma estação do ano. Um exemplo simples: para os japoneses a palavra cigarra tem uma particular ligação agradável com paisagens de verão. Para um português esta ideia poderá não parecer estranha, mas em muitas outras culturas a cigarra pouco mais será do que um ruído que incomoda. Muitas destas palavras-estação perdem a sua função quando passadas para qualquer outra língua e afastam o leitor para perigosamente longe do ponto de partida. Mas as dificuldades vão muito para lá destes exemplos.

Traduzir Bashô, provavelmente o melhor praticante do género, é o Risco entre os riscos. Também por isso, Joaquim M. Palma, ciente da impossibilidade última de traduzir um haiku, apresenta o seu trabalho como versão, que é, afinal de contas, a tradução possível para o português. Não se pense, contudo, que se trata de um trabalho menos exigente. Ao passar Bashô para outra língua, um bom tradutor deve ser muito menos isso e muito mais leitor-autor. A compreensão da origem e a constante comparação com outras soluções de tradução, se possível no maior número de línguas possíveis, é fundamental e o longo ensaio introdutório de Joaquim M. Palma evidencia esse trabalho. Mas a parte do autor está noutro lugar, na capacidade invejável de compreender a linguagem poética de Bashô e de a converter naquilo que seria, indubitavelmente, um poema na língua de chegada capaz de deixar a mesma deliciosa impressão capturada no japonês. Este é o verdadeiro teste do bom tradutor de haiku, o conseguir ser também autor, e Joaquim M. Palma supera-o com distinção.


A poesia haiku com a sua postura não didática, centrada no momento e no presente, frugal na expressão e ligada à Natureza constitui uma afirmação de valores que vão contracorrente dos valores hodiernos da comunicação pessoal e social e da vida quotidiana das sociedades industrializadas. Assim, escrever haiku não é linearmente equivalente a escrever qualquer outro tipo de poesia: pressupõe - como dizia um dos seus maiores cultores, Matsuo Bashô - a procura de um conjunto de valores, uma via de transformação pessoal que aproxima o caminhante de uma visão do mundo da qual emerge a atitude e a escrita haiku. Um caminho pessoal de despojamento e de procura do essencial. (...)

David Rodrigues, Prefácio a De frente para o mar. Poesia haiku contemporânea
Coimbra, Terra Ocre Edições, 2010. ISBN 978-972-8999-95-7


*

O haiku é uma forma tradicional de poema japonês. Este tipo de poema obedece a regras e é por isso fácil de construir. Tem apenas uma estrofe, composta por três versos.
Os versos devem ter no seu conjunto 17 sílabas, distribuídas do seguinte modo:
– Cinco sílabas no primeiro verso.
– Sete sílabas no segundo verso.
– Cinco sílabas no terceiro verso.
A temática destes poemas é a Natureza (as plantas, os animais, a chuva, o sol, a lua, os jardins, etc.)
É escrito no Presente do Indicativo, como se o Poeta presenciasse naquele momento a cena que descreve.
Exemplos:
A- bri-sa- su-a-ve
Si-len-ci-o-sa- pas-sei-a
Na á-gu-a- do- la-go

No- chão- do- jar-dim
U-ma- lu-a - va-ga e- len-ta
So-lu-ça- so-zi-nha




PROPOSTA DE EXPRESSÃO ESCRITA:

Escreve um haiku, procurando cuidadosamente as palavras mais adequadas. Segue as seguintes pistas de escrita:
– Esmera-te nos adjetivos (frágil, silencioso, vago, lento, diáfano, transparente, solitário, dolente, etc.) e nos elementos da Natureza que escolheres (o lago, a flor, o sol, a árvore, a colina, o prado, o caminho, a flor, o sapo, o nenúfar, a pedra, etc.)
– Conta as sílabas de cada verso apenas até à última sílaba tónica.

Alzira Cabral, Mil Textosdestacável da revista Noesis n.º 72, Janeiro 2008.



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