QUINZE HAIKUS JAPONESES
(mudados
para português por Herberto Helder)
Ervas do estio:
lugar
onde os guerreiros
sonham.
*
Um cuco
foge
ao longe — e ao longe,
uma ilha.
*
Primeira neve:
bastante
para vergar as folhas
dos junquilhos.
(Bashó)
*
Libélula vermelha.
Tira-lhe
as asas:
um pimentão.
(Kikaku)
*
Pimentão
vermelho.
Põe-lhe
umas asas:
Libélula.
(Correcção de Bashô)
*
Pelo
meio do arrozal
vou
até à ameixoeira —
para
ver o seu perfume.
*
Pirilampos
sobre
o espelho da ribeira.
Dupla
barragem de luz
*
Festa das flores.
Acompanhando
a mãe,
uma criança cega.
(Kikaku)
*
Casa
sob as flores brancas.
Onde bater?
Mancha
sombria da porta.
(Kyorai)
*
Crescente lunar.
O
tubarão esconde a cabeça
debaixo das vagas.
(Shikô)
*
A
lua deitou sobre as coisas
uma
toalha de prata.
Azáleas
brancas.
*
Monte
de Higashi.
Como
o corpo
sob
um lençol.
(Ransetsu)
*
Caracol,
lento,
lento, lento — sobe
o
Fuji.
*
Um
cuco
cuja
voz se arrasta
sobre
as águas.
(Issa)
*
Ah, o passado.
O
tempo onde se acumularam
os dias lentos.
(Busson)
|
Retrato e poema de Matsuo Bashō pelo artista Yokoi Kinkoku, 1820 (Era Edo) |
a vida demora tanto
como um aguaceiro de inverno
diz Sôgi
*
polvilho os meus ouvidos
com incenso
e assim ouço melhor o cuco
*
quero contemplar uma flor
à primeira luz do dia
para ver a face de um deus
*
o coração viajante não se enraíza
antes quer ser
braseira ambulante
como um aguaceiro de inverno
diz Sôgi
*
polvilho os meus ouvidos
com incenso
e assim ouço melhor o cuco
*
quero contemplar uma flor
à primeira luz do dia
para ver a face de um deus
*
o coração viajante não se enraíza
antes quer ser
braseira ambulante
O Eremita Viajante, Matsuo Bashô. Lisboa, Assírio & Alvim, 2016. Tradução: Joaquim M. Palma
Traduzir qualquer haiku é uma tarefa arriscada e,
talvez mesmo impossível. A exactidão da forma dificilmente se consegue transpor
para o português sem sacrificar a fidelidade às palavras e, sem a exactidão da
forma, grande parte da armadilha de simplicidade do poema na sua língua
original se esfuma. Por exemplo, cada haiku deve incluir num dos seus três
versos um kigo, uma palavra ou ideia associável a uma estação do ano. Um
exemplo simples: para os japoneses a palavra cigarra tem uma particular ligação
agradável com paisagens de verão. Para um português esta ideia poderá não
parecer estranha, mas em muitas outras culturas a cigarra pouco mais será do
que um ruído que incomoda. Muitas destas palavras-estação perdem a sua função
quando passadas para qualquer outra língua e afastam o leitor para
perigosamente longe do ponto de partida. Mas as dificuldades vão muito para lá
destes exemplos.
Traduzir Bashô, provavelmente o melhor praticante do
género, é o Risco entre os riscos. Também por isso, Joaquim M. Palma, ciente da
impossibilidade última de traduzir um haiku, apresenta o seu trabalho como
versão, que é, afinal de contas, a tradução possível para o português. Não se
pense, contudo, que se trata de um trabalho menos exigente. Ao passar Bashô
para outra língua, um bom tradutor deve ser muito menos isso e muito mais
leitor-autor. A compreensão da origem e a constante comparação com outras
soluções de tradução, se possível no maior número de línguas possíveis, é
fundamental e o longo ensaio introdutório de Joaquim M. Palma evidencia esse
trabalho. Mas a parte do autor está noutro lugar, na capacidade invejável de
compreender a linguagem poética de Bashô e de a converter naquilo que seria,
indubitavelmente, um poema na língua de chegada capaz de deixar a mesma
deliciosa impressão capturada no japonês. Este é o verdadeiro teste do bom
tradutor de haiku, o conseguir ser também autor, e Joaquim M. Palma supera-o
com distinção.
Ler mais: “Matsuo Bashô: a tradução do intraduzível haiku”, David Teles
Pereira. Jornal i, 02/11/2016
A poesia haiku
com a sua postura não didática, centrada no momento e no presente, frugal na
expressão e ligada à Natureza constitui uma afirmação de valores que vão contracorrente
dos valores hodiernos da comunicação pessoal e social e da vida quotidiana das
sociedades industrializadas. Assim, escrever haiku não é linearmente
equivalente a escrever qualquer outro tipo de poesia: pressupõe - como dizia um
dos seus maiores cultores, Matsuo Bashô - a procura de um conjunto de valores,
uma via de transformação pessoal que aproxima o caminhante de uma visão do
mundo da qual emerge a atitude e a escrita haiku. Um caminho pessoal de
despojamento e de procura do essencial. (...)
David
Rodrigues, Prefácio a De frente para o mar. Poesia haiku contemporânea.
Coimbra, Terra Ocre Edições, 2010. ISBN
978-972-8999-95-7
*
O haiku é uma forma tradicional de poema japonês. Este tipo
de poema obedece a regras e é por isso fácil de construir. Tem apenas uma
estrofe, composta por três versos.
Os versos devem
ter no seu conjunto 17 sílabas, distribuídas do seguinte modo:
– Cinco sílabas
no primeiro verso.
– Sete sílabas
no segundo verso.
– Cinco sílabas
no terceiro verso.
A temática
destes poemas é a Natureza (as plantas, os animais, a chuva, o sol, a lua, os
jardins, etc.)
É escrito no
Presente do Indicativo, como se o Poeta presenciasse naquele momento a cena que
descreve.
Exemplos:
A- bri-sa- su-a-ve
Si-len-ci-o-sa- pas-sei-a
Na á-gu-a- do- la-go
No- chão- do- jar-dim
U-ma- lu-a - va-ga e- len-ta
So-lu-ça- so-zi-nha
PROPOSTA
DE EXPRESSÃO ESCRITA:
Escreve um haiku, procurando cuidadosamente as palavras mais
adequadas. Segue as seguintes pistas de escrita:
– Esmera-te nos adjetivos (frágil,
silencioso, vago, lento, diáfano, transparente, solitário, dolente, etc.) e nos
elementos da Natureza que escolheres (o lago, a flor, o sol, a árvore, a
colina, o prado, o caminho, a flor, o sapo, o nenúfar, a pedra, etc.)
– Conta as sílabas de cada verso apenas
até à última sílaba tónica.
Alzira Cabral, Mil
Textos – destacável da revista Noesis
n.º 72, Janeiro 2008.
PODERÁ TAMBÉM GOSTAR
DE:
- Caixa de Hai Kai, seleção e edição de Carlos Seabra, 2012-12-23.
- CAQUI – Revista Brasileira de Haikai
- Haicais e que tais - Haicais de Carlos Seabra, publicados no livro Haicais e que tais. Massao Ohno, 2005.
- Haiku, E-Dicionário de Termos literários de Carlos Ceia, 2010.
- Haiku, Wikipédia.
- HAIKUPORTUGAL, blogue de David Rodrigues.
- História do Haicai, Jornal Nippo-Brasil, 1992-2010. Edição 585.
- History of Haiku, Ryu Yotsuya.
- Migração silenciosa - marcas do pensamento estético do extremo oriente na poesia portuguesa contemporânea, Ana Catarina Dias Nunes de Almeida. Tese de doutoramento apresentada na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, janeiro de 2012.
- O haicai de David Rodrigues, Paulo Franchetti. Prefácio a Respirar: 101 haiku. Vila Nova de Gaia, Corpos Editora, 2008.
- O haiku japonês, mmanuelr@mail.prof2000.pt. Aveiro, Setembro de 2001
- O haiku ocidental, mmanuelr@mail.prof2000.pt. Aveiro, Setembro de 2001
- O Zen e a Arte do Haikai, Rodrigo de Almeida Siqueira. Criado em dezembro de 1994 e atualizado em dezembro de 2000.
- "«Twitter-haiku», «twaiku», etc, etc, etc”, Alexandre Marinho. http://p3.publico.pt/, 2012-06-26
- 17 poemas haiku de Jorge Luis Borges
- “Matsuo Bashô: a tradução do intraduzível haiku”, David Teles Pereira. Jornal i, 02/11/2016
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