CONVERSAS NA CORTE
DIZ ELE:
Amada, és única, de ti não
se fez duplicado,
Com mais encanto do
que todas as mulheres,
luminosa,
perfeita,
Uma estrela que desce sobre
o horizonte pelo
novo ano,
um
bom ano,
Esplêndida nas cores que traz
e de sedução
a cada olhar.
Os seus lábios são encantamento,
o seu
pescoço tem o tamanho
certo e os seios
uma maravilha;
O seu cabelo lápis-lazúli a brilhar,
os seus
braços de mais
esplendor que
o oiro.
Os seus dedos fazem-me ver pétalas,
as do lótus
são assim.
As suas ancas foram modeladas como
deve ser,
as suas
pernas acima
de outra beleza
qualquer.
Nobre a forma como anda
(vera
incessu)
Meu coração seu escravo ficaria se a mim
se abrisse.
As cabeças voltam-se
— por culpa
sua —
para a
seguirem com o olhar.
Afortunado o que a puder abraçar plenamente;
será o número
um entre
todos os jovens
amantes.
Deo mi par esse
Todo
o olhar a vai seguindo mesmo
quando já
desapareceu fora do alcance.
Singular deusa, sem igual.
[…]
DIZ ELA:
O meu coração rebenta
quando penso
em como
o amo,
Não
sou capaz de me
comportar como
outra pessoa qualquer.
Ele, o coração, está em
desordem
Não
me deixa
escolher um vestido
ou
esconder-me atrás de um leque.
Não consigo pôr pintura nos olhos nem optar por um perfume.
«Não páres, entra dentro da casa.»
Foi o que
disse o coração uma vez,
E ainda diz sempre que penso no amado.
Não
me faças fazer
figuras, coração
meu. Por
que és tão
idiota?
Aquieta-te! Mantém-te calmo
e ele
há-de vir ter contigo.
A minha cautela não
permitirá que as pessoas
digam:
A rapariga
está perturbada de amor.
Quando te lembrares
dele
sê firme
e forte, não
me abandones.
“Conversas na corte” in Poemas
de amor do antigo
Egipto
Lisboa, Assírio Alvim, 1998, Tradução de Hélder Moura
Pereira
Flor de Lotus (National Papyrus Center, Giza, Egipto)
CANÇÕES DE ALEGRIA
DA AMADA QUE
SE VAI ENCONTRAR CONTIGO
NOS CAMPOS
I
Tu, minha és, meu amor,
O meu coração esforça-se para alcançar o cimo do teu amor.
Vê, encanto, a armadilha que montei com
as minhas
próprias mãos.
Vê os pássaros de Punt,
Perfume de asas
Como
chuva de mirra
Caindo sobre o
Egipto.
Vamos ver o trabalho
que as minhas
mãos fizeram,
Vamos os dois, juntos por esses campos.
II
O guincho
do ganso selvagem
Incapaz
de resistir
À tentação
do meu isco.
Enquanto eu, na confusão do amor,
Incapaz de o apanhar, Fico a ver a ave levar as redes com ela.
E quando a minha mãe voltar, carregada de aves,
E me vir
de mãos vazias,
Que lhe vou dizer?
Que não apanhei ave
alguma?
Que fui eu a ficar apanhada nas tuas redes?
III
Mesmo quando as aves
levantam voo
Em ondas e ondas
de grande debandada
Eu nada vejo, fico cega
Apanhada como estou e ausente
Dois corações
obedientes no seu
bater
A minha vida ligada à
tua
A tua beleza o elo.
IV
Sem o teu amor, o meu coração não bateria mais;
Sem o teu amor, um bolo doce parece salgado;
Sem o teu amor, o doce «shedeh» sabe a fel.
Ó, amado, a vida do meu coração precisa
do teu amor.
Pois quando
respiras, meu é o coração
que bate.
V
Com sinceridade confesso
o meu amor;
Amo-te, sim, e desejo amar-te ainda
mais de perto;
Como dona da tua casa,
O teu braço posto sobre os meus.
Ai de mim por teus olhos vagos.
Digo ao meu coração: «O meu
amo
Partiu. Durante
A noite partiu
E deixou-me. Sinto-me um
túmulo».
E a mim própria pergunto: Não
fica nenhuma sensação,
quando vens até mim?
Mesmo nenhuma?
Ai de mim por esses olhos que te afastaram do caminho,
Sempre tão vagos.
E apesar disso confesso com sinceridade
Que andem eles por onde andarem
Se vierem ter comigo
Eu reentro na vida.
VI
A andorinha canta: «Aurora,
Para onde se foi a aurora?»
Assim se vai também a minha noite feliz
O meu amor na cama ao meu lado.
Imagine-se a minha alegria ouvindo o seu
murmúrio:
«Jamais te deixarei», disse-me.
«Com a tua mão na minha
passearemos
Por todos os mais belos caminhos».
Demais a mais ele quer que o mundo saiba
Que de entre todas as mulheres
sou a primeira
E que o meu coração nunca mais
há-de ficar triste.
VII
A cabeça assomando à porta —
Será ele que vem?
Ouvidos à escuta dos seus
passos,
E um coração que nunca pára de falar dele.
Um mensageiro:
«Não me sinto bem...»
Porque não vem ter comigo
E me diz
Que encontrou outra rapariga?
Outro coração que
há-de sofrer.
VIII
Assim sofro pelo amor perdido
O desgosto fez-me perder
metade do cabelo.
Vou pô-lo aos caracóis e arranjá-lo,
Pronta para
o que der e vier...
“Canções de alegria
da amada que
se vai encontrar contigo
nos campos”
in Poemas
de amor do antigo
Egipto
Lisboa, Assírio Alvim, 1998, Tradução de Hélder Moura
Pereira
CANÇÕES ALEGRES
Ó flores de Mekhmekh,
dai-nos a paz!
Por ti seguirei o que o coração ditar.
Quando me abraças
A luz que de ti vem brilha
tanto
Que até preciso de bálsamo nos olhos.
Tendo a certeza que me amas
Aconchego-me junto a
ti.
O meu coração está seguro de que entre todos
Os homens tu és o mais importante.
O mundo todo brilha
O meu desejo é podermos dormir juntos,
Como agora, até ao fim da eternidade.
II
São tão pequenas as
flores de Seanu
Que quem as olha se
sente um gigante.
Sou a primeira entre os teus amores,
Como jardim há pouco
regado de ervas e perfumadas flores.
Ameno é o canal
que tu
cavaste
Pela frescura do vento norte.
Tranquilos os nossos caminhos
Quando a tua mão descansa na
minha em
alegria.
A tua voz dá vida, como o néctar.
Ver-te é mais do que alimento e bebida.
III
Há flores de Zait no jardim.
Corto e junto flores para ti,
Faço-te uma grinalda,
E quando ficares ébrio
E te deitares com esse sono,
Sou eu quem te lava os pés para lhes tirar o pó.
“Canções alegres”, in Poemas
de amor do antigo
Egipto
Lisboa, Assírio Alvim, 1998, Tradução de Hélder Moura
Pereira
CANÇÕES DO JARDIM
I
Fala a romãzeira:
As minhas folhas são como os teus dentes
Os meus frutos como os teus seios.
Eu, o mais belo dos frutos,
Estou presente em cada tempo que
fizer, em todas as estações.
Tal como o amante junto da amada para sempre,
Ébrio de «shedeh» e vinho.
Todas as árvores
perdem as folhas, todas
Excepto a romãzeira.
Eu sozinha em todo o jardim não perco a beleza,
Permaneço firme.
Quando as minhas folhas
caem,
outras folhas nascem
dos botões.
Sendo a primeira entre os frutos
Exijo que essa posição seja reconhecida,
Não aceitarei um segundo lugar.
E se houver de novo algum insulto
Não haveis de ouvir dele o seu final.
……………….........
Com os lótus em flor
E os lótus em botão,
E óleos e doce mirra de toda a espécie,
Estarás entre os mais contentes
Pois há quem
se lembre do pavilhão das rosas
E cuide bem dele.
..................
Lá está ele!
Subamos para o abraçar
E fazer com
que aqui
fique o dia todo.
II
Ouve a voz da figueira:
Saudações à minha amada.
Quem mais digno do que eu?
Porque não eu teu servo, se não tens nenhum?
Trouxeram-me da Síria
Para prémio dos amantes.
Bebo todo o dia, não água do odre, mas beleza.
III
O pequeno sicômoro que com as tuas próprias mãos
plantaste
Move a boca para falar.
Como são graciosos
os seus ramos,
graciosos
Quando abanam e, ao abanar, murmuram
Um murmúrio
tão doce
como o mel.
Os ramos dobram-se
pesados de frutos
Mais vermelhos do que
o jaspe de vermelho-sangue,
De folhas como a malaquite.
Trazem-tos de muito longe
Para ti que
não estás ainda
em tua fresca
sombra.
Recebes a sedutora carta
de amor
Das mãos daquela jovem rapariga,
Filha do chefe dos jardineiros,
Vai a correr ter
com o amado,
diz-lhe
«Vamos para um
sítio mais
sossegado».
O jardim está em pleno esplendor,
Com os seus pavilhões
de tendas;
E tudo para
ti.
Os meus jardineiros ficam contentes
por te
ver.
Manda aos teus escravos que tragam os instrumentos
musicais,
Prepara-te para a festa.
Ir a correr
ao teu encontro
já é água
fresca
Para um
homem que
está com sede.
Os teus servos estão a chegar com cerveja de
todas as qualidades,
Bolos, pastéis, flores frescas
a extravasar
dos cestos, e fruta fresca acabada de colher.
Fica um dia, um dia de felicidade,
E amanhã, e depois de amanhã,
Três dias inteiros à
minha sombra.
O que foi escolhido
senta-se à sua direita,
Enche-a de licores
Até estar
pronta para o
que ele
lhe disser.
Com toda a gente ébria, aos tombos,
Ninguém suspeitando
do que se está a passar,
Ele prossegue com zelo o caminho que
traçou.
E é tudo o que posso dizer:
A minha discrição é tal
Que do que se passou a seguir
Nem uma só sugestão
deixarei.
“Canções do jardim”, in Poemas
de amor do antigo
Egipto
Lisboa, Assírio Alvim, 1998, Tradução de Hélder Moura
Pereira