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sexta-feira, 22 de julho de 2016

Amor é fogo

Javier Calleja

Amor é um fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem dor.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário por entre a gente;
É um nunca contentar-se de contente;
É cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanas amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís de Camões


Audição do poema:


Amor é  fogo que arde sem se ver (Luís Represas & João Gil)




Linhas de leitura:
  • A utilização da forma verbal «é», ao longo do soneto, revela que o sujeito poético procura definir o Amor. A repetição dessa forma verbal indica que o Amor é um conceito difícil de definir, obrigando-o a recomeçar.
  • O Amor desperta no sujeito poético sentimentos contraditórios, bons e maus («é contentamento descontente»; «é dor que desatina sem doer»).
  • A metáfora é usada para definir expressivamente o Amor («Amor é um fogo»).
  • O oximoro é o recurso expressivo dominante no poema, sendo usado para mostrar as contradições que o Amor provoca («é ter com quem nos mata, lealdade»).
  • A expressão «fogo que arde» é um pleonasmo porque a palavra «arde» repete uma ideia já presente na palavra «fogo».
  • O último terceto tem uma estrutura diferente das estrofes anteriores, pois o sujeito poético interrompe as tentativas de definição do Amor, não entendendo como pode ser um sentimento tão bom, presente nos nossos corações, sendo tão contraditório.

Questionário:

Apresente, de forma estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem sobre a leitura do soneto “Amor é um fogo que arde sem se ver”, de Luís de Camões.

1. Explicite, baseando-se nas duas quadras do soneto, três dos aspectos com que o sujeito poético procura definir o «Amor».

2. Caracterize três das atitudes do amador face ao ser amado, tendo em conta o primeiro terceto.

3. Descreva dois dos efeitos de sentido produzidos pela anáfora presente no soneto.

4. Comente a importância do último terceto na construção do sentido global do poema.

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Nas duas quadras do soneto, o «Amor» é definido, entre outros, pelos seguintes aspetos:

– sofrimento invisível, mas devastador («fogo» – v. 1);

– dor similar à dor física, apesar de não ser percebida pelos sentidos (vv. 1, 2 e 4);

– fixação no ato de amar (v. 5);

– insatisfação constante, num desejo crescente de plenitude (v. 7);

– dificuldade de avaliação das situações por parte do amador (v. 8);

– ...

 

2. De acordo com o primeiro terceto, o amador toma, entre outras, as seguintes atitudes face ao ser amado:

– aceitação do estado de privação de liberdade relativamente a quem ama (v. 9);

– submissão voluntária ao ser amado, assumindo o papel de seu servidor (v. 10);

– fidelidade absoluta ao objeto de amor, apesar de o amador poder não ser correspondido no seu sentimento (v. 11);

– aceitação do sofrimento, causado pelo próprio excesso do amor («quem [...] mata» – v. 11);

– ...

 

3. A anáfora produz, entre outros, os seguintes efeitos de sentido:

– dá conta do processo de busca – por tentativas sucessivas – da definição de «Amor»;

– revela a complexidade do conceito de «Amor», pelo amplo leque de definições apresentadas;

– demonstra a impossibilidade de definir o conceito de «Amor», dada a sua natureza intrinsecamente paradoxal;

– …

 

4. A última estrofe (chave do soneto) estabelece uma relação de contraposição com as anteriores, na medida em que, pelo recurso à adversativa «Mas» e pela interrogação retórica, nela se opera uma inflexão no discurso do «eu», problematizando a relação dos indivíduos com um sentimento tão contraditório. Com efeito, a relação que o terceto final estabelece com as estrofes anteriores acentua a ideia de que a dimensão paradoxal, inerente ao estado de amorosa paixão, não minimiza o poder do «Amor», dada a predisposição natural dos «corações humanos» para a vivência desse sentimento. Na verdade, a interrogação enfática do último terceto não passa de uma aparente perplexidade do sujeito lírico, o qual sublinha, por este processo retórico, a última das contradições que o amor revela.

 

(Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março) - Prova Escrita de Literatura Portuguesa n.º 734 e respetivos critérios de classificação - 11.º ou 12.º anos de Escolaridade. Portugal, GAVE, 2008, 1.ª Fase)

 


"No te puedo sacar de mi mente", Andrea Salvatori, 2016




Sugestão de escrita expressiva e lúdica:
  • Escreve uma quadra em que continues a definir o amor, utilizando metáforas e oxímoros, à semelhança de Luís de Camões. Mantém a estrutura utilizada pelo poeta, iniciando o primeiro verso por «Amor é» e os restantes por «é». Tenta igualmente respeitar o esquema rimático abba. 
(Adaptado de P8 Português – 8.º Ano, Ana Santiago e Sofia Paixão, Texto Editora, 2012)


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 (Repassado por correio eletrónico em 2003-02-24)



      

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