O poetry slam é um fenómeno de escala global e de inscrição local que se alarga numa estrutura essencialmente horizontal na qual as comunidades têm a função de organizar, dinamizar e mobilizar as pessoas. É um fenómeno que, no contexto da performance e da poesia, permite o exercício identitário da própria comunidade e do slammer e, talvez, o exercício cívico de contestação. (Liliana Vasques)
O poetry
slam pode ser descrito como um evento dedicado à leitura-performance de
poesia que obedece a um formato de competição entre poetas-slammers.
Teve o seu início nos E.U.A. e acontece, geralmente, em bares e associações ou
cooperativas com vertente cultural. À exceção de eventos nacionais e
internacionais, o poetry slam é criado e dinamizado a nível local, nas
cidades, e é comum o nome da cidade designar o Poetry Slam que aí se organiza –
Boston Poetry Slam, Poetry Slam Mainz, Poetry Slam Barcelona, Poetry Slam
Coimbra. Em cada cidade é organizado com uma regularidade (semanal, mensal,
etc.) variável, num espaço que acolhe organizadores e participantes todas as
semanas, todos os meses.
Para que
um poetry slam se realize tem que existir um local que o acolha, tem que
se conjugar a presença de apresentador(a)/host, slammers, público e júri
e utilizar o formato de competição. A competição só é possível com um número
mínimo de slammers (3) e de membros do júri (normalmente um número
ímpar, 3 ou 5). Durante a semana ou mês anterior, os slammers fazem a
sua inscrição através das redes sociais podendo, também, fazê-lo no próprio
evento desde que o n.º de inscritos assim o permita. Os bares e associações
conjugam o poetry slam na programação daquela noite e, por essa razão, o
n.º de slammers ultrapassa, na maioria dos casos, os 10/12 e evento em
si tem uma duração média de 90/120 minutos. Em termos gerais, a competição
organiza-se desta forma:
- cada slammer
deve preparar 3 textos da sua autoria
-
dependendo do n.º de inscritos, podem ser feitas 2 ou 3 rondas
- o
apresentador identifica os participantes, constitui o júri que será composto
por pessoas do público que se voluntariam para o efeito e que não são amigas
e/ou conhecidas dos slammers e explica as regras da competição
.
para cada ronda é sorteada a ordem de participação
.
cada slammer tem um limite de tempo para a leitura/performance do texto
de 3 minutos e não pode utilizar adereços para o efeito
- o júri
vota cada performance numa escala de 0 a 10, com utilização de casas decimais
- no
final de cada ronda o/a apresentador/a divulga o resultado das votações do júri
(para cada performance é feita uma média, excluindo as pontuações mais alta e
mais baixa) e anuncia os slammers apurados para a ronda seguinte
- o/a slammer
vencedor recebe um prémio simbólico oferecido pelo bar ou resultante de
patrocínios conseguidos pelos organizadores do Poetry Slam.
Qualquer
pessoa se pode inscrever nesta competição e não existe seleção de
participantes, à exceção da ordem de inscrição quando há um nº muito elevado de
inscritos. Cada slammer deve preparar 3 textos para a 1ª ronda,
meia-final e final. “3,2,1 SLAM!” é o mote dado pelo host para o início
de cada performance e para a contagem do tempo.
As
orientações gerais da competição são, geralmente, adaptadas pelas organizações,
que introduzem alterações relacionadas com o contexto específico do seu Poetry
Slam. Marc Smith (2009: 10) refere que “cada Poetry Slam e apresentador são
autónomos e livres de tomar as suas decisões” sendo que a grande maioria “adere
aos princípios estabelecidos por escolha própria, não porque são compelidos por
uma autoridade superior”. Na coexistência de particularidades e adaptações,
observamos, também, a circulação de informação e recursos, de slammers e
de público entre as organizações e os eventos de poetry slam. Algo comum
e transversal é o facto de os organizadores estarem previamente envolvidos
na/com a poesia e serem poetas e slammers noutros eventos. Muitos
começaram a organizar Poetry Slams depois de terem participado num. Depois do
primeiro Poetry Slam em Chicago, foi assim que chegou a Nova Iorque com Bob
Holman e a Boston com Patricia Smith.
No
decorrer de um poetry slam, a participação e intervenção são
fundamentais. Para além da ação dos/das slammers, o/a host/apresentador(a),
as pessoas do júri e o público determinam o desenrolar do evento. Se quisermos
descrever um slam no qual participámos, vamos certamente falar da reação
do público, do “jeito” do/da apresentador/a, das pontuações que o júri
atribuiu. O/A apresentador orienta o decorrer do slam, garante que
todos/as os/as slammers participam pela ordem sorteada, que o júri se
constitui e que todas as pontuações são efetuadas e registadas. Contudo,
ele/ela também dá o ‘tom’ e o ‘ritmo’ ao slam. Quando apresenta os slammers,
e interpela público e júri, fá-lo com uma forma e estilo próprio que cabem na
informalidade e desinstitucionalização que este formato reclama para a poesia.
Ele ou ela faz parte da identidade ‘daquele’ slam. No mesmo sentido,
júri e público são incentivados à reação e à intervenção. Pelo host, que
pede a reação tanto à performance como à pontuação. Pelo slammer, que
mobiliza estratégias do teatro, da música, da performance: call and
response, beatbox, pedido ao público para fazer sons ou dizer palavras, etc. Ao
contrário de outros eventos de poesia, o poetry slam é barulhento,
caótico e enérgico. A separação entre slammer e público diluise e este
coloca-se perante uma audiência que dialoga com ele e que participa na própria
performance.
Com a
criação de mais eventos e o reforço de redes mais ou menos organizadas, a par
do âmbito local, foram surgindo competições nacionais e internacionais
organizadas por Associações, Ligas e Fundações, em diferentes países
(Inglaterra, França, Alemanha, etc.). Refiram-se, por exemplo, a PSI (Poetry
Slam Inc.), a Hammer & Tongue, a Ligue Slam de France. A Poetry
Slam Inc. é uma organização sem fins lucrativos criada em 1997, sediada no
Illinois (E.U.A.), que é responsável pela certificação de Poetry Slams do país
e, segundo a própria, de qualquer país do Mundo. Os eventos certificados pela
PSI seguem regras estabelecidas pelo Conselho Executivo que resumem a visão dos
fundadores do poetry slam. Para além disso, a PSI toma como funções a
criação e reforço da comunidade de poetas, o crescimento do poetry slam,
a promoção da educação e da criatividade. Da mesma forma, a Hammer &
Tongue, criada em 2003 por Steve Larkin, organiza eventos regulares em
várias cidades de Inglaterra que culminam numa final anual. A grande maioria
dos países onde se dinamiza o poetry slam tem um encontro anual de
competição entre slammers de eventos locais em território nacional.
Outras associações têm promovido competições de poetry slam europeias e
internacionais, através da rede criada com as organizações de diferentes
países. O circuito de participantes neste tipo de competição acontece,
usualmente, desta forma: em cada país é realizado um evento nacional de poetry
slam em que participam slammers apurados em eventos locais de
diferentes cidades, os slammers que ganham os eventos nacionais
“representam”, depois, o seu país numa competição europeia ou internacional
organizada por uma associação e/ou organização de poetry slam no país de
acolhimento. Em França, encontramos 3 organizações de competições publicamente
divulgadas como europeias: a Ligue Slam de France (constituída em 2009) promove
o poetry slam no território francês e organiza a Coupe de La Ligue Slam de
France (http://coupe.ligueslamdefrance.fr/)
; a Federation Française de Slam Poésie (FFDSP) organiza, desde 2006, a Coupe
du Monde de Slam Poésie (grandslam2015.com);
a associação Slam Tribu organiza o Reims Slam D’Europe (http://www.slamtribu.com/slam-d-europe/).
O poetry
slam tem uma natureza local. Uma competição nacional ou internacional
acontece porque antes se cria uma rede de competições em diferentes cidades,
locais ou regiões. Isso traduz-se numa variação que atravessa as dimensões
local, nacional e internacional. Significa, também, que falamos de Poetry Slams
com identidades múltiplas, com particularidades e características próprias –
“em vez de ser um género homogéneo, o slam assume formas distintas em
cada novo contexto para o qual é levado, à medida que é reconstruído em linha
com estilos, tradições, convenções e questões locais (Gregory, 2009: 32). Mais,
em cada Poetry Slam local confluem vários estilos de escrita e de performance,
diferentes gostos e critérios de escolha e valoração de um texto, de um poema,
de uma performance:
«O
conteúdo do poetry slam é tão diverso quanto os poetas que atuam [e quanto o(s)
público(s) que ouvem, veem, avaliam], deixando-nos frequentemente com uma
imagem instantânea de um tempo, um sítio, uma cultura particulares»
(Wiesenhofer, 2008: 1).
Muitas organizações continuam a conjugar a competição
com o microfone aberto – momento que acontece antes ou depois da competição
entre slammers e que se caracteriza pela partilha livre de poemas e pela
ausência de regras e condições. Outra variação relativa ao formato é o anti-slam
que convida à inversão das regras do poetry slam: as performances devem
exceder os 3 minutos, o slammer pode usar adereços e deve tentar fazer a
pior performance que conseguir - ganha quem tiver a pontuação mais baixa. O
regulamento do poetry slam, mantendo características nucleares, é também
adaptado, por exemplo, na forma de calcular a pontuação2 de cada
performance e na escolha dos jurados. Para além disso, quando analisamos a
atividade de Slams locais durante o ano verificamos a presença frequente de
convidados que, na sua grande maioria, são elementos ‘fortes’ da comunidade
(poetas, slammers de outros Poetry Slams do mesmo país ou de outros
países) ou que, de alguma forma, cruzam o seu trabalho com a poesia e com o poetry
slam. Identificamos, também, a realização de slams temáticos (gothic
slam, drama slam, etc.), de slams que exploram problemas da
sociedade (violência, racismo, política, etc.), outros que se concentram, até,
em meios diferentes da voz e da oralidade – como é o caso do vídeo slam/film
slam – para trabalhar o poema, as palavras em conjugação com a imagem e o
movimento.
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2 Esta
pontuação está definida como o “Dewey Decimal Slam System of Scorification”,
escala numérica de 10 pontos semelhante à utilizada nos desportos olímpicos.
Ler mais: 3, 2, 1! – O Poetry Slam em Portugal. Mapeamento e análise dos
primeiros anos, Liliana Alexandra Ferreira Vasques. Dissertação de
mestrado em Educação Artística apresentada na Faculdade de Belas-Artes da
Universidade de Lisboa, 2016.
CARREIRO, José. “Slam e Poesia”. Portugal, Folha de Poesia, 23-04-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/04/slam-e-poesia.html
Caro José Maria de Aguiar Carreiro, espero que estejas bem. Em 2014, você divulgou a historia da Shalla e do Raimundo em seu blog (http://folhadepoesia.blogspot.com/2014/05/o-condicionado.html ) e acho que vai gostar de saber as novidades.
ResponderEliminarDepois do Raimundo, ela teve mais duas experiências com pessoas em situação de rua e vai lançar um livro sobre a metodologia que ela criou intuitivamente. Mais detalhes sobre a campanha estão aqui:
https://www.kickante.com.br/campanhas/movimento-pessoas-em-situacao-rua
Agradecemos se puder colaborar e/ou nos ajudar a divulgar!
Um abraço ilustrado,
Pedro de Luna