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segunda-feira, 27 de julho de 2020

Requiem para Pier Paolo Pasolini, Eugénio de Andrade


REQUIEM PARA PIER PAOLO PASOLINI

 

Eu pouco sei de ti mas este crime

torna a morte ainda mais insuportável.

Era novembro, devia fazer frio, mas tu

já nem o ar sentias, o próprio sexo

que sempre fora fonte agora apunhalado.

Um poeta, mesmo solar como tu, na terra

é pouca coisa; uma navalha, o rumor

de abril podem matá-lo — amanhece,

os primeiros autocarros já passaram,

as fábricas abrem os portões. os jornais

anunciam greves, repressão, dois mortos na primeira

página, o sangue apodrece ou brilhará

ao sol, se o sol vier, no meio das ervas.

O assassino esse seguirá dia após dia

a insultar o amargo coração da vida,

no tribunal insinuará que respondera apenas

a uma agressão (moral) com outra agressão,

como se alguém ignorasse, excepto claro

os meritíssimos juízes, que as putas desta espécie

confundem moral com o próprio cu.

O roubo chega e sobra excelentíssimos senhores

como móbil de um crime que os fascistas,

e não só os de Saló, não se importariam de assinar.

Seja qual for a razão. e muitas há

que o Capital a Igreja e a Polícia

de mãos dadas estão sempre prontos a justificar,

Pier Paolo Pasolini está morto.

A farsa a nojenta farsa essa continua.

 

Eugénio de Andrade (1923-2005)

Requiem para Pier Paolo Pasolini, Porto, Editorial Inova, 1977.

 

Poema escrito por Eugénio de Andrade, homenageando Pasolini, brutalmente assassinado dois anos antes. Tiragem de apenas 150 exemplares numerados.

 

 

 

O RAPAZ DE PASOLINI

 

Tem o braço levantado para o sol

que rompe muito distante ainda

do seu sonho; é um rapaz

desses do Pasolini esplendidamente

nu, plantado na terra;

o braço direito,

como já disse, levantado; o outro

cai-lhe sem abandono ao longo

do corpo; o sorriso

começa nos olhos de sua mãe

e nele a mágoa

de ser traído não se anuncia

ainda; o futuro

talvez venha a ter gente assim

feita da substância

da luz; o vagaroso futuro;

o presente não, não tem.

 

Eugénio de Andrade, O sal da língua. Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 1995

 #poesia #eugeniodeandrade #pasolini #crimedeodio #blacklivesmatter

 

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CARREIRO, José. “Requiem para Pier Paolo Pasolini, Eugénio de Andrade”. Portugal, Folha de Poesia, 27-07-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/07/requiem-para-pier-paolo-pasolini.html


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