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segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Casa branca, Sophia Andresen

Manuscrito do poema "Casa Branca", de Sophia

 

CASA BRANCA

 

Casa branca em frente ao mar enorme,

Com o teu jardim de areia e flores marinhas

E o teu silêncio intacto em que dorme

O milagre das coisas que eram minhas.

… … … … … … … … … … … … … … …

 

A ti eu voltarei após o incerto

Calor de tantos gestos recebidos

Passados os tumultos e o deserto

Beijados os fantasmas, percorridos

Os murmúrios da terra indefinida.

 

Em ti renascerei num mundo meu

E a redenção virá nas tuas linhas

Onde nenhuma coisa se perdeu

Do milagre das coisas que eram minhas.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

POESIA, 1.ª ed., 1944, Coimbra, Edição da Autora • 2.ª ed., 1959, Lisboa, Edições Ática • 3.ª ed., Poesia I, 1975, Lisboa, Edições Ática • 4.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho • 5.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho • 6.ª ed., 2007, Lisboa, Editorial Caminho • 1.ª edição na Assírio & Alvim (7.ª ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Pedro Eiras.

 

Fotografia partilhada por Maria Andresen, no Facebook, em 2019-06-17, com a legenda “Casa branca, agora abandonada”.

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Contributo para uma biografia poética, por Maria Andresen Sousa Tavares (dezembro 2014):

Numa entrevista a Miguel Serras Pereira, Sophia lembra a casa na duna, em frente do mar, na Praia da Granja, onde a família passava férias:

… é a casa que surge no poema «Casa branca em frente ao mar enorme», no conto «A Casa» e em A Menina do Mar. 

Mas sobre essa casa na duna dirá algo de mais central para a definição do que liga esta vida e esta poesia:

Há na casa algo de rude e elementar que nenhuma riqueza mundana pode corromper, e, apesar do seu halo de solidão e do seu isolamento na duna, a casa não é margem mas antes convergência, encontro, centro. 

A «casa branca» é uma referência à casa nas dunas da Praia da Granja, onde a família passava os verões. A história contada em A Menina do Mar centra-se nessa praia e nessa casa. Também o poema «Jardim do Mar» (Dia do Mar, p. 28) é sobre o jardim desta casa; em Histórias da Terra e do Mar, o conto «A Casa do Mar» é uma longa e minuciosa descrição desta casa; a história de «Era uma Vez uma Praia Atlântica», conto publicado em 1998 e depois recolhido em Quatro Contos Dispersos (2007), é, em grande parte, constituído por memórias da infância nesta praia.

 

Ler mais em: “Prefácio” in OBRA POÉTICA (edição de Carlos Mendes de Sousa). Lisboa, Assírio & Alvim, 2015

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Elabore um comentário do poema “Casa branca” que integre o tratamento dos seguintes tópicos:

- traços definidores do «eu»;

- simbolismo da «casa branca»;

- recursos estilísticos mais importantes;

- integração no universo poético da autora.

 

Explicitação de cenários de resposta:

Traços definidores do «eu»

O sujeito do poema revela-se em íntima relação com a «casa branca», por nela estar guardado «O milagre das coisas que eram minhas», ou seja, imagens, experiências ou sentimentos com que se identifica. O regresso à «casa branca», assim, será para o «eu» um renascimento e uma «redenção», pois dar-se-á o seu reencontro com essa parte essencial da memória, que pode ser associável à infância, ou a um tempo de perfeita comunhão com o mar, na plena harmonia dos elementos.

A estrofe medial refere um tempo subjetivo que parece representar um longo período de vida, um tempo de «tumultos» e de desertos, habitado por «fantasmas», que para o «eu» reveste as características do «incerto», do múltiplo («tantos gestos»), do indefinido, do desencanto e da nostalgia - em suma, um tempo marcado como o polo negativo daquele que a «casa branca» representa.

 

Simbolismo da «casa branca»

A «casa branca» é, quanto ao seu aspeto exterior, situada «em frente ao mar» e representada com um «jardim de areia e flores marinhas», assim evocando a sua pertença a um espaço de transição entre a terra e o mar. O «silêncio intacto» que nela habita conjuga-se com as suas «linhas / Onde nenhuma coisa se perdeu» para marcar uma resistência à passagem do tempo, uma capacidade de conservação de um «milagre» que teve lugar no passado. À sua serenidade e inocência, que são assinaladas pela cor branca, junta-se a eternidade como efeito simbólico. Na última estrofe é, ainda, associado à «casa branca» um poder fundamental em relação ao sujeito do poema, que é o de tornar possível o seu renascimento ou «redenção»: ela é a sede simbólica da sua identidade. Este poder advém-lhe de ser um espaço que contém um tempo e uma memória, a do «milagre das coisas que eram minhas».

 

Recursos estilísticos mais importantes

Destacam-se os seguintes recursos estilísticos:

- metáfora: «O deserto», «Beijados os fantasmas», «renascerei»;

- personificação: «dorme/ O milagre das coisas», «Os murmúrios da terra»;

- apóstrofe: «Casa branca em frente ao mar enorme», «A ti eu voltarei», «Em ti renascerei»;

- metonímia: «tantos gestos recebidos», «os tumultos»;

 

Integração no universo poético da autora

A importância das imagens do mar é uma das características maiores da obra de Sophia de Mello Breyner Andresen, quer essas imagens refiram a orla litoral quer o mar alto ou, ainda, estejam ligadas à navegação. O próprio ambiente deste poema é típico de uma poesia assente na relação íntima com as coisas, quase sempre iluminadas por uma luz clara e nítida. Do mesmo modo, encontra-se aqui o exemplo perfeito de uma temática que privilegia a serenidade e o contacto com as coisas simples, fundadas na experiência dos sentidos, transfiguradas pela memória pessoal e por uma alquimia que revela a essência mítica sob a superfície das sensações.

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 134. 12.º Ano de Escolaridade - Via de Ensino (4.º Curso). Prova Escrita de Literatura Portuguesa – 2.ª fase. Portugal, GAVE, 2001

 

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Casa branca, Sophia Andresen”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-10-10. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/10/casa-branca-sophia-andresen.html


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