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domingo, 9 de outubro de 2022

Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas, Sophia Andresen


 

CIDADE

 

Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,

Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,

Saber que existe o mar e as praias nuas,

Montanhas sem nome e planícies mais vastas

Que o mais vasto desejo,

E eu estou em ti fechada e apenas vejo

Os muros e as paredes, e não vejo

Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

 

Saber que tomas em ti a minha vida

E que arrastas pela sombra das paredes

A minha alma que fora prometida

Às ondas brancas e às florestas verdes.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

POESIA, 1.ª ed., 1944, Coimbra, Edição da Autora; 2.ª ed., 1959, Lisboa, Edições Ática; 3.ª ed., Poesia I, 1975, Lisboa, Edições Ática; 4.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho; 5.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho; 6.ª ed., 2007, Lisboa, Editorial Caminho. 1.ª edição na Assírio & Alvim (7.ª ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Pedro Eiras.

 

POESIA, 1.ª ed., 1944, Coimbra, Edição da Autora 
https://purl.pt/19841/1/1940/galeria/f12/foto1.html

Dedicatória de Sophia Andresen à mãe. 
POESIA, 1.ª ed., 1944, Coimbra, Edição da Autora.
https://purl.pt/19841/1/1940/galeria/f12/foto2.html


 

Elabore um comentário do poema "Cidade" em que desenvolva os seguintes tópicos:

  • desejo de evasão no texto;
  • caracterização do espaço da cidade;
  • relação que o «eu» estabelece com o «tu» a quem se dirige;
  • integração no universo poético da autora.

 

 

Explicitação de cenários de resposta

Desejo de evasão expresso no texto

O desejo que transparece de forma mais evidente no texto é a aspiração a uma evasão libertadora através dos espaços e dos largos horizontes, esse «vasto desejo» (v. 5) que é citado em comparação com as paisagens abertas, que são ditas ainda mais vastas do que ele. A pulsão pela viagem no espaço exterior joga, de forma contrastada, com a visão que transforma os «muros e as paredes» (v. 7) da cidade nos estreitos limites de uma espécie de prisão.

 

Caracterização do espaço da cidade

A cidade é o «rumor e vaivém sem paz das ruas» (v. 1), o que marca a atividade constante e opressiva que a habita; é a «vida suja, hostil, inutilmente gasta» (v. 2), o que sugere a falta de sentido que parece afetar toda a agitação que a ocupa, e, ao mesmo tempo, aponta para a sujidade que parece ser-lhe própria; os «muros e as paredes» (v. 7) fecham o espaço, cortam a expansão do olhar para a vastidão da natureza e criam um mundo de sombras onde pena a «alma» do sujeito, habitado pela permanente aspiração ao mais puro, natural e primordial («A minha alma que fora prometida / Às ondas brancas e às florestas verdes» - vv. 11-12).

 

Relação que o «eu» estabelece com o «tu» a quem se dirige

O «eu» lírico dirige-se a um «tu» que é a cidade onde vive. De um modo de tratamento aparentemente distanciado, como se lê nos dois primeiros versos, passa-se para um modo de tratamento mais próximo, e até íntimo, que se evidencia na utilização da segunda pessoa do singular («E eu estou em ti fechada» – v. 6). A segunda estrofe contém até um elemento de passividade do «eu», submetido por completo ao «tu» («Saber que tomas em ti a minha vida / E que arrastas pela sombra das paredes / A minha alma» – vv. 9-11) e reduzido à simples imaginação ou à saudade das «ondas brancas» e das «florestas verdes» (v. 12).

 

Integração no universo poético da autora

Tal como se encontra com frequência na poesia de Sophia, há neste texto elementos de uma descritividade muito simples, e que ora figuram a cidade como «muros», «paredes» e «sombra», ora procuram dar o «mar», as «praias», as «montanhas», as «planícies», as «florestas» como traços essenciais de um espaço de liberdade. As imagens ligadas ao mar, ao seu ritmo e esplendor, são as mais frequentes, o que é evidente tanto neste poema como em toda a obra da autora. E há, ainda, a luminosidade e a nitidez como temas centrais, neste poema sublinhados, por contraste, pela imagem da «sombra das paredes» que cerca o «eu».

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 134. 12.º Ano de Escolaridade - Via de Ensino (4.º Curso). Prova Escrita de Literatura Portuguesa – 2.ª fase. Portugal, GAVE, 2000

 

 

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  • Ocorrência do termo “cidade” na Obra Poética de Sophia de Mello Breyner Andresen - Compilação de textos.

 

 

 


Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas, Sophia Andresen”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-10-09. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/10/cidade-rumor-e-vaivem-sem-paz-das-ruas.html



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