Sophia na Grécia, em 1963, https://purl.pt/19841/1/1960/1960-1.html |
OLÍMPIA1
Ele emergiu2 do poente como
se fosse um deus
A luz brilhava de mais no obscuro loiro
do seu cabelo
Era o hóspede do acaso
Reunia mal as palavras
Foram juntos a Olímpia lugar de atletas
Terra à qual pertenciam
Os seus largos ombros as ancas
estreitas
A sua força esguia espessa e baloiçada
E a sua testa baixa de novilho3
Jantaram ao ar livre num rumor de verão
e de turistas
Uma leve brisa passava entre diversos
rostos
Ela viu-o depois ficar sozinho em plena
rua
Subitamente jovem de mais e como
expulso e perdido
Porém na manhã seguinte
Entre as espalhadas ruínas da palestra4
Ela viu como o corpo dele rimava bem
com as colunas
Dóricas5
De qualquer forma em Patras6
poeirenta
No abafado subir da noite
Tomaram barcos diferentes
De muito longe ainda se via
No cais o vulto espesso baloiçado
esguio
Que entre luzes com as sombras se
fundia
Sob a desprezível indiferença
Não dela mas dos deuses
Sophia de Mello Breyner Andresen
ILHAS, 1.ª ed., 1989, Lisboa, Texto
Editora, ilustração de Xavier Sousa Tavares • 2.ª ed., 1990, Lisboa, Texto
Editora • 3.ª ed., 1992, Lisboa, Texto Editora, ilustração de Xavier Sousa
Tavares • 4.ª ed., 2001, Lisboa, Texto Editora • 5.ª ed., revista, 2004,
Lisboa, Editorial Caminho.
__________
1 Olímpia:
santuário da antiga Grécia onde se celebravam os Jogos Olímpicos; atualmente,
um importante centro arqueológico grego.
2 emergiu:
saiu; surgiu.
3 novilho:
toiro jovem.
4 palestra:
lugar onde os jovens gregos se exercitavam em ginástica.
5 Dóricas:
pertencentes ao estilo dórico (estilo arquitectónico da Grécia Antiga).
6 Patras:
cidade e porto da Grécia.
Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas
ao questionário sobre o poema “Olímpia”, de Sophia
de Mello Breyner Andresen.
1. O poema constrói-se em
torno do encontro entre «Ele» e «Ela», tendo como cenário lugares da Grécia.
1.1.
Defina a sequência de momentos desse encontro.
1.2.
Identifique os valores simbólicos que os lugares de «Olímpia» e de «Patras»
adquirem no texto.
2. A figura masculina
(«Ele») revela-se através do olhar da figura feminina («Ela»).
2.1.
Descreva as sucessivas imagens da figura masculina registadas ao longo do
poema.
2.2.
Atribua um significado à expressão «hóspede do acaso» (v. 3).
3. Comente o
sentido da última estrofe, tendo em conta a sua ligação com o terceto anterior.
Explicitação
de cenários de resposta
1.1.
A sequência de momentos é a seguinte:
-
encontro à hora do «poente»;
-
ida em conjunto a «Olímpia» e jantar sob «Uma leve brisa» de «verão», no meio
de muitos turistas;
-
primeira separação;
-
reencontro «na manhã seguinte» e visita à «palestra»;
-
separação definitiva, de noite, no cais de «Patras».
1.2.
«Olímpia» é «lugar de atletas» da
Grécia Antiga, que «Ele» e «Ela» visitam juntos. Este espaço faz sobressair a
beleza física da figura masculina e nele decorre o encontro mais intenso entre
«Ele» e «Ela». É, em suma, o lugar marcado positivamente que, de forma
significativa, dá o título ao poema. «Patras» é o lugar marcado negativamente:
«poeirenta», associada à noite e ao ar abafado, é o local da separação.
2.1.
A figura masculina, resultando de uma
sobreposição de imagens registadas pelo olhar feminino em momentos e locais
diferentes, é sucessivamente apresentada como:
-
alguém que surge «como se fosse um deus», com o cabelo «loiro» envolvido pela
luz do poente;
-
«o hóspede do acaso» e expressando-se com dificuldade («Reunia mal as
palavras»);
-
um homem com características atléticas («largos ombros», «ancas estreitas»,
«força esguia espessa e baloiçada», «testa baixa de novilho»);
-
um indivíduo «Subitamente jovem de mais e como expulso e perdido»;
-
um modelo de beleza masculina em perfeita harmonia com as «colunas / / Dóricas»
da «palestra»;
-
um «vulto» que se funde com as sombras da noite, no cais de «Patras poeirenta».
2.2.
Exemplos de interpretações possíveis da
expressão «hóspede do acaso» (v. 3):
- aquele
que corporizou um momento inesperado;
- alguém
que o acaso trouxera àquele lugar;
- aquele
que estava de passagem, sem rumo definido;
- ...
3.
A penúltima estrofe descreve o que
«Ela» vê do barco, ao afastar-se de «Patras»: o «vulto» dele desaparecendo nas
«sombras» do «cais». É o adeus definitivo. A persistência do olhar dela,
fixando esse vulto até o perder de vista («De muito longe ainda se via»), é
expressiva do sentimento de perda que a domina na hora da separação.
Explicitando a atitude dela como sendo de não indiferença, a estrofe final
denuncia, porém, «a desprezível indiferença» «dos deuses» perante os encontros
e os desencontros dos homens.
O poema termina, assim, opondo o humano, dotado de sentimentos mas impotente, ao divino, de uma omnipotência distante e insensível.
(In: Português B:
questões de exame do 12.º ano: 1998-2003. volume 1. Lisboa, GAVE,
2004)
Poderá
também gostar de:
“Olímpia:
Ele emergiu do poente como se fosse um deus, Sophia Andresen”, José
Carreiro. Folha de Poesia, 2022-10-21. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/10/olimpia-ele-emergiu-do-poente-como-se.html
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