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quarta-feira, 8 de março de 2023

Só o ter flores pela vista fora, Ricardo Reis

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Só o ter flores pela vista fora
Nas áleas1 largas dos jardins exatos
         Basta para podermos
         Achar a vida leve.

De todo o esforço seguremos quedas2
As mãos, brincando, pra que nos não tome
         Do pulso, e nos arraste.
         E vivamos assim,

Buscando o mínimo de dor ou gozo,
Bebendo a goles os instantes frescos,
         Translúcidos como água
         Em taças detalhadas,

Da vida pálida levando apenas
As rosas breves, os sorrisos vagos,
         E as rápidas carícias
         Dos instantes volúveis.

Pouco tão pouco pesará nos braços
Com que, exilados das supernas3 luzes,
         Scolhermos4 do que fomos
         O melhor pra lembrar

Quando, acabados pelas Parcas, formos,
Vultos solenes de repente antigos,
         E cada vez mais sombras,
         Ao encontro fatal

Do barco escuro no soturno rio,
E os nove abraços do horror estígio5,
         E o regaço insaciável
         Da pátria de Plutão7.

 

Ricardo Reis, Poesia, edição de Manuela Parreira da Silva, Lisboa, Assírio & Alvim, 2000, pp. 36-37

 

__________

1 áleas (verso 2) – caminhos ladeados de árvores ou arbustos.

2 quedas (verso 5) – quietas; imóveis.

3 supernas (verso 18) – supremas; superiores.

4 Scolhermos (verso 19) – escolhermos.

5 Parcas (verso 21) – três divindades da mitologia romana que representam o destino: uma preside ao nascimento, outra ao casamento e a terceira à morte.

5 estígio (verso 26) – relativo ao Estige, rio dos Infernos na mitologia grega.

7 Plutão (verso 28) – deus dos Infernos, na mitologia romana.

 

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

1. Explicite três traços da filosofia de vida exposta nas quatro primeiras estrofes. Fundamente a resposta com transcrições pertinentes.

2. Justifique o recurso à primeira pessoa do plural ao longo do poema.

3. De acordo com o conteúdo das três últimas estrofes, explique o modo como o sujeito poético perspetiva a morte.

 

Cenários de resposta

1. Nas quatro primeiras estrofes, é exposta uma filosofia de vida que se caracteriza por:

– um gosto pela fruição estética da natureza – «Só o ter flores pela vista fora / Nas áleas largas dos jardins exatos / Basta para podermos / Achar a vida leve.» (vv. 1-4);

– uma escolha da serenidade, o que conduz a uma atitude contemplativa – «De todo o esforço seguremos quedas / As mãos, brincando, pra que nos não tome / Do pulso, e nos arraste.» (vv. 5-7);

– uma atitude epicurista, que valoriza o prazer moderado – «Buscando o mínimo de dor ou gozo, / Bebendo a goles os instantes frescos,» (vv. 9-10);

– uma consciência da brevidade da vida, que conduz ao desejo de fruição do momento presente (carpe diem) – «As rosas breves, os sorrisos vagos, / E as rápidas carícias» (vv. 14-15).

2. O sujeito poético expõe um conjunto de normas que devem ser seguidas por todas as pessoas de modo a facilitar a vida humana e a aligeirar a dor provocada pelo facto de a vida ser efémera.

Neste sentido, o uso da primeira pessoa do plural – que surge nas formas verbais «podermos» (v. 3), «seguremos» (v. 5), «vivamos» (v. 8), «escolhermos» (v. 19), «fomos» (v. 19), «formos» (v. 21) e no pronome pessoal «nos» (vv. 6 e 7) – decorre de uma atitude normativa (ou exortativa) assumida pelo sujeito poético, incluído nessa primeira pessoa do plural.

Nota – não é obrigatória a apresentação de exemplos do uso da primeira pessoa do plural, ainda que estes figurem, a título ilustrativo, no cenário de resposta.

3. O sujeito poético perspetiva a morte de acordo com a conceção própria da antiguidade clássica, evidente:

– na ideia de que a vida humana é comandada pelo Destino, ou pelas Parcas, e de que as almas atravessam o rio Estige e chegam aos Infernos, à «pátria de Plutão» (vv. 21-28);

– na aceitação da morte, momento a que se deve chegar sem apego a nada e apenas recordando o que foi agradável, para que o sofrimento não seja tão penoso – atitude estoica (vv. 17-20).

 

Fonte: Exame Final Nacional do Ensino Secundário n.º 639 (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). Prova Escrita de Português - 12.º Ano de Escolaridade. Portugal, IAVE-Instituto de Avaliação Educacional, I.P., 2016, 2.ª Fase

 

https://picsart.com/create/editor?category=photos&app=t2i&projectId=6404b73113798f0012d40a61 (05-03-2023)



Outro questionário sobre o poema “Só o ter flores pela vista fora”, de Ricardo Reis:

1. Centre a sua atenção na primeira parte do poema (da 1.ª à 4.ª estrofes).

1.1. Explicite a feição moralista/didática aí presente, apoiando a sua resposta em marcas textuais.

1.2. Prove que este momento textual encerra uma lição de vida epicurista.

2. Identifique o tempo verbal que o poeta privilegia na segunda parte do texto (da 5.ª à 7.ª estrofes), justificando o seu emprego.

3. “Quando, acabados pelas Parcas, formos,”.

     Aponte a figura de estilo presente nesta citação textual, referindo o seu valor expressivo.

4. Mostre que o texto contém elementos clássicos e mitológicos.

Ponta Delgada, Escola Secundária Domingos Rebelo, 2006


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