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terça-feira, 25 de abril de 2023

49.º Aniversário do 25 de Abril de 1974

O 25 de Abril não deve ser exclusivo de ninguém, mas também ninguém se deve excluir do 25 de Abril. Ele deve ser o ponto de encontro de todos os portugueses e já hoje, fundamentalmente, é esse ponto de encontro.

Marques Júnior, 25 de abril de 1990.

 

https://www.parlamento.pt/Paginas/2023/abril/25-de-Abril-2023.aspx

 

Comemoração do 49.º Aniversário do 25 de Abril de 1974

 

Intervenção do Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, na Sessão Solene Comemorativa do 25 de Abril

O 25 de Abril libertou-nos o tempo. O futuro deixou de reduzir-se à repetição do presente, mudar cessou de ser um verbo malquisto. O porvir passou a estar em aberto, declinável em várias possibilidades de evolução e transformação. E as pessoas descobriram-se sujeitos do futuro, cidadãs e cidadãos responsáveis pelas escolhas que o determinariam.

A natureza revolucionária do processo político que se seguiu ao 25 de Abril implicou uma radical aceleração do tempo. Como Sérgio Godinho tão bem cantou, "a sede de uma espera só se estanca na torrente". Descongelada a história, vencido o medo, era como se cinquenta anos de retrocessos tivessem de ser resolvidos num instante e as circunstâncias nada pudessem contra a vontade de agir no imediato, em todos os aspetos da vida coletiva. Desmantelados os aparelhos repressivos, a conflitualidade política e social exprimiu-se abertamente, numa vertigem que sucessivas crises foram alimentando, mas que também foi contida e regulada por avanços decisivos rumo à institucionalização democrática, das eleições para a Assembleia Constituinte ao 25 de Novembro e ao II Pacto MFA-Partidos, e da aprovação da Constituição à conclusão do primeiro grande ciclo eleitoral, com os sufrágios para a Assembleia da República, o Presidente da República, as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e as Autarquias Locais.

Assim estabilizada a ordem democrática – que a revisão constitucional de 1982 e a adesão às Comunidades Europeias haveriam ainda de aperfeiçoar – o tempo, parâmetro central da transição, pôde representar-se como o que realmente é: um feixe de múltiplos eventos, ritmos, escalas e durações, que deixa em aberto o porvir e nos convida a pensar e fazer. Também por isso, por terdes sacudido o imobilismo e reposto em movimento a roda da história, vos agradecemos, Capitães de Abril!

O tempo tem sido um marcador essencial da vida coletiva democrática. Como tudo o resto, sujeito à pluralidade e diversidade das representações a seu propósito. Mas não será difícil entender-nos sobre alguns aspetos cruciais.

A transitoriedade é o elemento básico. Nada é eterno, nada escapa à usura, cada contexto tem o momento próprio. A lógica republicana impõe limites ao exercício continuado de funções públicas, obrigando à renovação. As escolhas não são, por definição, definitivas. A composição dos parlamentos varia com as circunstâncias: os que hoje são maioria amanhã serão minoria, as oposições de hoje serão amanhã governo. Programas, políticas, equipas, lideranças, tudo isso é breve.

Em democracia, o tempo é, portanto, uma passagem. É também de uma grande plasticidade. Umas vezes acelera, outras abranda. Aqui predomina a urgência, ali o que faz sentido é parar um pouco para refletir. Esta hora é de estudar e preparar, aquela de agir sem delongas; e o agir pode ser para continuar ou para mudar, para consolidar ou para romper um certo estado de coisas.

Outra característica estrutural do tempo democrático é a ciclicidade. A escolha política fundacional, que é o sufrágio, determinando quem representa e quem governa, com que programa, obedece a critérios de periodicidade e duração.

A eleição é periódica porque nenhum poder é eterno, devendo ser regularmente aferida a vontade das pessoas. Por exemplo: as eleições legislativas ocorrem em cada quatro anos, determinam a composição do Parlamento e é a partir dessa composição – e só dela - que se formam os Governos e as Oposições.

Mas este intervalo que a renovação pendular delimita é também uma duração. O tempo dura, e isso é essencial numa democracia. Para que os programas sejam executados, as políticas aplicadas e os resultados avaliados. Para que a fiscalização se exerça e diferentes propostas sejam apresentadas e discutidas. Para que novos programas, protagonistas e coligações se preparem e maturem. Para que, assim informadas, as pessoas possam, no momento próprio, comparar e escolher.

Os tempos políticos são diferenciados; e pautarem-se os vários órgãos de soberania e demais instituições por diversas temporalidades é um dos ingredientes da estrutura de poderes e equilíbrios em que repousa a democracia. Depois, o ritmo da política não pode confundir-se com a cadência própria de outros atores relevantes do espaço público, como os atores sociais, os média ou os interesses económicos, nem a eles pode ser subordinado. O tempo político não é indiferente ao pulsar complexo e contraditório da sociedade; mas é a institucionalidade democrática que pauta o seu andamento, e a sua base principal é a escolha periódica, livre e soberana dos cidadãos.  

Nada disto é novidade, mas talvez seja oportuno lembrá-lo. Aqui e agora. Aqui no Parlamento que, nos termos da Constituição saída de Abril, é o coração da representação pluralista e do debate livre, e o centro da dialética entre Governo e Oposições. Agora que uma certa sofreguidão ameaça propagar-se, como vírus, no espaço público, pondo em causa vantagens preciosas da sólida democracia que somos, como tal reconhecida internacionalmente. As vantagens da estabilidade política, da previsibilidade dos comportamentos institucionais, da resiliência face à volubilidade das opiniões, da maturação das medidas em resultados, do sentido de responsabilidade nas palavras proferidas.

Claro que, em democracia, tudo pode ser questionado. Como já assinalei e faço questão de repetir, o tempo democrático é, por natureza, passageiro, plástico, diferenciado; e o regime tem mecanismos para evitar a perpetuação de situações que se tornem insustentáveis. Mas o tempo democrático é também cíclico, tem um certo ritmo e duração. E, se a Assembleia funciona, debatendo, fiscalizando, inquirindo, legislando; se o Governo desenvolve e aplica as suas políticas, com variável acerto, e goza de confiança parlamentar; se as Oposições vão fazendo caminho de formação e afirmação de alternativas; se os órgãos de soberania cooperam, no respeito pelas competências uns dos outros; se inúmeros são os problemas das pessoas e do país, sendo responsabilidade primacial dos diferentes decisores enfrentá-los – então devemos respeitar o tempo de cada instituição, sem atropelos nem precipitações. Devemos preferir a respiração pausada própria de uma democracia madura à respiração ofegante típica das excitações populistas.

Para benefício de todos. Porque, se todos perderemos no dia em que aceitarmos que a dinâmica política deve ser insensível às necessidades e ao ambiente social e pautar-se exclusivamente por procedimentos administrativos e formais; também todos perderemos no dia em que renunciarmos a distinguir entre erros localizados,  ainda que graves, e crises prolongadas e sistémicas, e  no dia em que aceitarmos que a vida de um Parlamento ou de um Governo – sejam eles quais  forem - está dependente do nível de protesto deste ou daquele setor, do favor da opinião publicada, da perceção dos média, do ruído nas redes sociais ou da evolução das sondagens.

Como o conjunto do mundo terreno para o Eclesiastes, a democracia compreende vários tempos. Há um tempo para analisar e há um tempo para escolher. Há um tempo para decidir e outro para executar. Há um tempo para realizar e outro para avaliar. Não se sucedem uns aos outros; a sua copresença é que define a nossa circunstância. Permanentemente sujeita à contradição e ao debate, mas também com os graus de liberdade que permitem, aos atores políticos, referirem a sua ação ao interesse geral, sabendo-se protegidos pela duração, face à exigência demagógica do império do instante.

As palavras, as palavras que dizemos e as palavras que não dizemos, contam muito. Deixo, pois, aqui uma defesa convicta do tempo democrático, que é o ciclo da conjuntura e não a fugacidade dos eventos. Só assim podemos continuar – todos - o trabalho que temos feito como país: prosseguindo os interesses permanentes, consolidar, modernizar, mudar o que for preciso e  para evoluir e progredir. Construindo o futuro que o 25 de Abril nos abriu.   

 

Augusto Santos Silva, https://www.parlamento.pt/sites/PARXVL/Intervencoes/Paginas/Intervencoes/Sessao-Solene-Comemorativa-do-XLIX-Aniversario-25-Abril-1974.aspx, 25-04-2023

 

Lisboa, Avenida da Liberdade, Desfile comemorativo da Revolução dos Cravos



Discurso do Presidente da República na Sessão Solene Comemorativa do 48.º aniversário do 25 de Abril

Há um ano falei-vos do Portugal na sua caminhada do Império até ao 25 de Abril, à Descolonização e à Democracia.

E nunca é demais evocar e agradecer o gesto refundador dos Capitães de Abril.

Pense-se o que se pensar sobre o que foram antes e depois desse gesto, ele foi único, singular e decisivo. Sem ele não haveria hoje uma Assembleia República livre com vozes livres. Não há como esquecê-lo na escrita ou na reescrita da História.

Hoje, falo do que vem de muito antes de Abril. Vem do começo de Portugal. Mesmo se só tem 700 anos no mar, 400 anos dos quais como corpo permanente e organizado, muitos séculos em terra e um século no ar.

São as nossas Forças Armadas, garantes da independência, da soberania, da integridade e da unidade da nossa Pátria.

E, nestes tempos em que a guerra na Europa reentra nas nossas casas, toca as nossas vidas, muda o nosso dia a dia, falar em Forças Armadas é falar daquilo que, sendo passado, é muito presente e, mais ainda, futuro.

Esta guerra não é a única, neste instante, no mundo. Mas é talvez a mais global de todas.

Esta guerra não foi a única que conhecemos na Europa, já depois de Abril de 1974. Mas pode vir a ser a mais brutal em refugiados forçados a terem de cortar as suas raízes, e, também, a mais universal nos seus efeitos em quase meio século.

Mas não é da guerra que vos quero falar hoje.

Hoje, o que importa é falar das nossas Forças Armadas no Portugal que Abril permitiu que fosse Democrático. Das Forças Armadas em Democracia.

Há uma semana agradeci aos nossos militares – e eram duzentos – que partiam para a Roménia – o seu serviço à Pátria.

Iam em missão de Paz, não em missão de guerra. Para defender a Paz, não para fazer a guerra. Para prevenir contra mais guerra e contribuir para criar mais Paz.

Paz para a Europa, e, desde logo, para aquela Europa em conflito e as vítimas diretas imediatas, e mais trágicas da guerra.

Paz para a Pátria, a nossa Pátria, do mesmo modo.

Paz e Segurança.

Aquela Paz e Segurança que é a missão primeira das Forças Armadas.

Pela Pátria! E o que é a Pátria que elas existem para servir?

É um Estado, independente há quase novecentos anos? É, mas é mais do que isso.

É uma comunidade de vida, de cultura, de língua, de identidades forjadas na diversidade, a que muitos chamam Nação, mesmo se o nosso Estado é, há muito, plurinacional? É, mas é mais do que isso.

É uma História, feita de glórias e fracassos, e mais glórias do que fracassos, senão, porventura, aqui não estaríamos agora? É, mas é mais do que isso.

É uma ideia, um projeto, um desígnio que nos une para além daquilo que separa, como o sermos universais, espalhados pelos mundos e servindo como plataformas de encontro entre eles? É, mas é mais do que isso.

É tudo o que disse. Mas mais, muito mais.

Uma Pátria são pessoas de carne e osso, todas somadas, e, cada uma delas de per si, vivam cá dentro das fronteiras físicas, vivam fora delas, no território espiritual. Que é onde estiver cada um de nós.

Portugal são os portugueses, mais os que se acolheram ou por eles foram acolhidos. E, cada qual, diferente, diverso, irrepetível.

Servir a Pátria, como existem para servir as Forças Armadas, é servir esses portugueses – cá dentro e lá fora – mais aqueles que se integram nessa nossa família comum.

Servir a Pátria desde sempre.

Foi traçar o nosso território Continental. E partir para as Ilhas. E atravessar Oceanos e contactar Continentes. E quase perder, ou perder mesmo, a independência. E reconquistá-la, tempo após tempo, geração após geração. E perder batalhas. E guerras. Mas ganhar umas e outras. Nas armas, na diplomacia, na economia, no tecido social. Mas também na língua, na cultura, nas pessoas. Sim, porque as batalhas como as guerras se perdem e ganham nas pessoas, com elas e para elas.

Servir a Pátria, neste tempo, por exemplo, é ir para a Roménia. Como estar na Lituânia. Na Républica Centro Africana. No Mali. No Mediterrâneo. No Golfo da Guiné. Em Moçambique. É nessas, como noutras paragens, servir a Paz e a Segurança de todos nós.

Mas como? Como é que na Roménia, ou nos céus da Europa Báltica, ou noutras Europas, Áfricas, Américas, ou Ásias, se luta pela Paz e a Segurança?

Luta-se, porque as nossas fronteiras já não são as que foram. Porque no Báltico, como no Leste Europeu, as fronteiras da União Europeia são as nossas fronteiras. Tal como noutros Continentes, as fronteiras da CPLP são as nossas fronteiras. Tal como, nalguns deles, as fronteiras da NATO, ou do mundo ibero-americano, são as nossas fronteiras. Tal como, cada vez mais por esse mundo fora – que são as Nações Unidas – as fronteiras da Paz, da Segurança, da Liberdade, da Igualdade, da luta contra a miséria e a pobreza e pela ação climática, são as nossas fronteiras.

Se a Paz não existir, a insegurança atingirá também as nossas vidas, a começar na dos compatriotas espalhados pelo universo, a nossa economia, os preços da nossa energia, dos nossos alimentos, dos nossos bens básicos, e tantos dos nossos projetos de vida.

A Paz e a Segurança não são, pois, apenas – e já seria muitíssimo, mesmo o mais pungente – a vida e a morte de quem está a dois ou três dias de viagem das nossas casas.

Não. É o nosso viver de todos os dias.

São as Forças Armadas, não os únicos, mas dos principais garantes dessa Paz. Mais visivelmente ainda em tempo de guerra. Mesmo se não entram nessa guerra. Previnem, ajudam a construir e preservam, mesmo ali ao lado, a Paz possível e desejável.

Mas fazem mais. Muito mais. Cá dentro. Desinfetam lares e escolas, organizam vacinação nacional em pandemia. Apoiam em incêndios florestais, cheias, catástrofes naturais.

Não são os únicos. Mas são sempre dos fundamentais.

E ainda dão, e querem dar mais, formação profissional para reinserção no emprego e na sociedade.

Senhoras e Senhores Deputados, Portugueses,

Por que razão, neste 25 de Abril, falo das nossas Forças Armadas, na Democracia que temos de recriar jornada após jornada?

Porque sem as Forças Armadas, e Forças Armadas fortes, unidas e motivadas, a nossa Paz, a nossa Segurança, a nossa Liberdade, a nossa Democracia – sonhos do 25 de Abril –, ficarão mais fracas.

Porque reconhecer como são importantes as Forças Armadas, na nossa vida como Pátria, exige mais do que recordarmos, por palavras, essa sua importância.

Porque, se queremos Forças Armadas fortes, unidas, motivadas, temos de querer que tenham condições para serem ainda mais fortes, unidas, motivadas.

Porque, se não quisermos criar essas condições, não nos poderemos queixar de que, um dia, descubramos de que estamos a exigir às nossas Forças Armadas missões difíceis de cumprir por falta de recursos.

Porque se o não fizermos a tempo, outros o exigirão por nós, e, depois, não nos queixemos de frustrações, desilusões, contestações ou afastamentos.

Porque pode ser tão simples mobilizar com pequenos grandes gestos.

Estimular a que quem é indispensável para servir nessas missões fundamentais o possa fazer com horizontes de esperança.

Juntar ao reconhecimento pelas qualidades excecionais que, cá dentro e lá fora, é unânime quanto às nossas Forças Armadas, mais meios imprescindíveis para poderem sê-lo também mais e melhor.

E fazer isto não é ser-se de direita ou de esquerda, conservador ou progressista, moderado ou radical. É ser-se pura e simplesmente patriota. Em Liberdade e Democracia.

E fazer isto não é só tarefa de um Presidente, de um Parlamento, de um Governo. Requer um consenso nacional, continuado e efetivo, acerca das Forças Armadas como pilar crucial da nossa vida coletiva.

Não podemos aplaudir ou clamar mesmo por maior envolvimento em ações externas, ou querê-las ainda mais presentes nos apoios internos, nomeadamente em situações extremas, e pensarmos que longe vão as guerras, que há muito mais onde gastar dinheiro, que nós podemos dispensar de nelas investir em benefício de todos nós.

Nós sabemos que, mesmo quando lhes faltam esses meios, são das melhores das melhores.

Mas não nos habituemos ao simplismo de converter milagres em quotidiano modo de vida.

Ajudemos a esses milagres. Sobretudo quando eles respeitam à Paz e à Segurança de todos nós.

Neste tempo em que a guerra surge como mais real ainda.

Em que a pandemia impôs necessidades mais evidentes.

Neste dia em que celebramos Democracia e Liberdade.

E em que percebemos como a Paz e a Segurança tocam nas nossas vidas.

Não é demais pensar, como Pátria que somos, nas Forças Armadas que temos, nas que queremos ter e nas que precisamos de ter.

Como desafio de todos, dos poderes públicos, da sociedade, de cada Portuguesa, de cada Português. Porque se os Portugueses não perceberem e não aderirem e não apoiarem, não há poder público – mesmo o mais corajoso ou voluntarista – que vingue sem a vontade popular.

É urgente essa vontade popular constante e firme.

Para que a Liberdade e a Democracia, para as quais o 25 de Abril abriu pistas fundamentais que prosseguimos até hoje, vivam sempre.

Para que esse sonho do 25 de Abril viva sempre.

Mas, sobretudo, para que Portugal viva sempre.

Vivam a Liberdade e a Democracia!

Viva o 25 de Abril!

Viva, não menos do que isso, Portugal!

 

Marcelo Rebelo de Sousa, https://www.presidencia.pt/atualidade/toda-a-atualidade/2022/04/discurso-do-presidente-da-republica-na-sessao-solene-comemorativa-do-48-o-aniversario-do-25-de-abril/, 25-04-2023

 

 Desfile comemorativo da Revolução dos Cravos | Lisboa, Avenida da Liberdade










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