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quinta-feira, 27 de abril de 2023

A vida em Portugal sob a ditadura de Salazar: pobreza, censura, emigração e guerra colonial


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Foi por causa desta foto que fui preso pela PIDE: “Temos paisagens tão bonitas em Portugal, porque é que não as fotografa, em vez de andar a retratar pessoas humildes?” Diziam que as minhas fotografias davam má imagem do País. Esta correu mundo. Ganhou 22 medalhas de ouro.

Eduardo Gageiro

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Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação

Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo que mata quem o denuncia
Tempo de escravidão

Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rastro
Tempo de ameaça

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, “Data” in Livro Sexto, 1.ª ed., 1962, Lisboa, Livraria Morais Editora


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A vida dos portugueses em Portugal no tempo de Salazar (1932-1968) foi marcada pela ditadura, pela pobreza, pela censura e pela guerra colonial.

Salazar era o líder do Estado Novo, um regime autoritário que reprimia qualquer oposição política, controlava a imprensa, a educação e a cultura, e defendia um ideal de Portugal tradicional e imperial.

Muitos portugueses emigraram para outros países em busca de melhores condições de vida, mas Salazar dificultava a saída de quem não tivesse uma carta de chamada, que era uma garantia de trabalho no exterior.

Os que ficaram tinham que enfrentar a miséria, a falta de liberdade e o risco de serem convocados para combater nas colónias africanas, onde os povos nativos lutavam pela independência.

A ditadura de Salazar só terminou com a Revolução dos Cravos em 1974, que derrubou o regime e abriu caminho para a democracia em Portugal.

 


No tempo do Salazar é que era!

Por causa da “crise“, um quinto dos portugueses, mais coisa menos coisa dois milhões de pessoas, pensa que o melhor é desenterrar o Salazar lá de Comba Dão mais os “Pides“ todos e pôr tudo em ordem!

Mais uma vez os portugueses estão de parabéns. Isto se tivermos em conta um  estudo recente, o qual demonstra como a  crise leva um quinto dos portugueses a terem  saudade dos tempos antes do 25 de Abril até porque "no tempo do Salazar é que era! "  

Lá para os meus lados habituei-me a crescer com tais impropérios, tantas vezes cuspidos da boca de quem, no meio de um autocarro atulhado e de uma vida atulhada e de um futuro atulhado a caminho de lado nenhum, procurava assim encontrar justificação para a sua própria desgraça a qual, de maneira alguma, descendia diretamente da liberdade e da democracia. Antes pelo contrário, porque dependendo da ditadura, o mais provável era tais vernáculos nem sequer encontrarem o caminho do estômago para a boca sob pena de verem os dentes estilhaçados na força bruta de uma boa coronhada.  

Portanto, nem que seja para se poder dizer mal da democracia, já valeu a pena fazer a revolução! Infelizmente, e por causa da 'crise", um quinto dos portugueses, mais coisa menos coisa dois milhões de pessoas, parece pensar de forma contrária, pelo que o melhor é desenterrar o Salazar lá de Comba Dão mais os "Pides" todos e pôr tudo em ordem! Assim, quando as ossadas do "Tó"  estiverem de novo na cadeira (desta feita  pregada ao chão, não vá a maldita cair), mal  posso esperar pelas perseguições, prisões, torturas, assassinatos, condenações sem  direito a defesa ou julgamento, 13 anos de guerra colonial e 10000 mortos, um milhão de portugueses emigrados (para não dizer refugiados, como hoje são os  sírios, mas na altura sem mochilas, essa invenção moderna, apenas malas de cartão  e, como hoje, apenas os pés para andar), a livre discriminação das mulheres, forçadas  a ficar em casa, sem direito a voto ou  opinião, apenas direito à porrada (e não  metas a colher), subnutrição generalizada, o analfabetismo a assinar de cruz, o  trabalho de sol a sol pago ao dia sem direito  a descanso, férias, reforma ou contrato, o  domínio da Igreja sobre os corações e as  almas de todo um povo feito refém de medos e castigos divinos que não existem senão nas  mentes pérfidas de um clero que pouco ou  nada fez em nome de um Jesus, mas muito  em proveito próprio, enfim, entre tantas  outras aberrações inenarráveis, a lista é por  demais infindável quando se fala não apenas  de uma ditadura, mas da nossa ditadura em particular, aquela de quem um quinto dos  portugueses tem hoje tanta saudade...  

Não foi há muito tempo que um programa de televisão intitulado "Grandes Portugueses" elegeu, por voto dos telespectadores, António de Oliveira Salazar como o maior português de todos os tempos, isto em 2007, 33 anos após o fim da ditadura, e ainda nem sequer se ouvia a palavra "crise". Portanto, amigos e amigas, senhores e senhoras, isto da saudade salazarista não é de agora, já anda connosco de há algum tempo para cá. Preocupante é não recrudescer, antes pelo contrário, contando já com cerca de dois milhões de adeptos num país onde o embrutecimento ganha terreno a olhos vistos perante a passividade de um povo adormecido entre a televisão e as redes sociais, mais perto do Norte de África do que da América e onde o sonho é mesmo isso, um sonho, do qual é urgente acordar.

João André Costa, Público, 2016-05-02


 


Tão felizes que nós éramos

Anda por aí gente com saudades da velha portugalidade. Saudades do nacionalismo, da fronteira, da ditadura, da guerra, da PIDE, de Caxias e do Tarrafal, das cheias do Tejo e do Douro, da tuberculose infantil, das mulheres mortas no parto, dos soldados com madrinhas de guerra, da guerra com padrinhos políticos, dos caramelos espanhóis, do telefone e da televisão como privilégio, do serviço militar obrigatório, do queres fiado toma, dos denunciantes e informadores e, claro, dessa relíquia estimada que é um aparelho de segurança.

Eu não ponho flores neste cemitério.

Nesse Portugal toda a gente era pobre com exceção de uma ínfima parte da população, os ricos. No meio havia meia dúzia de burgueses esclarecidos, exilados ou educados no estrangeiro, alguns com apelidos que os protegiam, e havia uma classe indistinta constituída por remediados. Uma pequena burguesia sem poder aquisitivo nem filiação ideológica a rasar o que hoje chamamos linha de pobreza. Neste filme a preto e branco, pintado de cinzento para dar cor, podia observar-se o mundo português continental a partir de uma rua. O resto do mundo não existia, estávamos orgulhosamente sós. Numa rua de cidade havia uma mercearia e uma taberna. Às vezes, uma carvoaria ou uma capelista. A mercearia vendia açúcar e farinha fiados. E o bacalhau. Os clientes pagavam os géneros a prestações e quando recebiam o ordenado. Bifes, peixe fino e fruta eram um luxo.

A fruta vinha da província, onde camponeses de pouca terra praticavam uma agricultura de subsistência e matavam um porco uma vez por ano. Batatas, peras, maçãs, figos na estação, uvas na vindima, ameixas e de vez em quando uns preciosos pêssegos.

As frutas tropicais só existiam nas mercearias de luxo da Baixa. O ananás vinha dos Açores no Natal e era partido em fatias fininhas, para render e encharcado em açúcar e vinho do Porto para render mais. Como não havia educação alimentar e a maioria do povo era analfabeta ou semianalfabeta, comia-se açúcar por tudo e por nada e, nas aldeias, para sossegar as crianças que choravam, dava-se uma chucha embebida em açúcar e vinho. A criança crescia com uma bola de trapos por brinquedo, e com dentes cariados e meia anã por falta de proteínas e de vitaminas. Tinha grande probabilidade de morrer na infância, de uma doença sem vacina ou de um acidente por ignorância e falta de vigilância, como beber lixívia. As mães contavam os filhos vivos e os mortos era normal. Tive dez e morreram-me cinco. A altura média do homem lusitano andava pelo metro e sessenta nos dias bons. Havia raquitismo e poliomielite e o povo morria cedo e sem assistência médica. Na aldeia, um João Semana fazia o favor de ver os doentes pobres sem cobrar, por bom coração.

Amortalhado a negro, o povo era bruto e brutal.

Os homens embebedavam-se com facilidade e batiam nas mulheres, as mulheres não tinham direitos e vingavam-se com crimes que apareciam nos jornais com o título ‘Mulher Mata Marido com Veneno de Ratos’. A violação era comum, dentro e fora do casamento, o patrão tinha direito de pernada, e no campo, tão idealizado, pais e tios ou irmãos mais velhos violavam as filhas, sobrinhas e irmãs. Era assim como um direito constitucional. Havia filhos bastardos com pais anónimos e mães abandonadas que se convertiam em putas. As filhas excedentárias eram mandadas servir nas cidades. Os filhos estudiosos eram mandados para o seminário. Este sistema de escravatura implicava o apartheid. Os criados nunca dirigiam a palavra aos senhores e viviam pelas traseiras.

O trabalho infantil era quase obrigatório porque não havia escolaridade obrigatória. As mulheres não frequentavam a universidade e eram entregues pelos pais aos novos proprietários, os maridos. Não podiam ter passaporte nem sair do país sem autorização do homem. A grande viagem do mancebo era para África, nos paquetes da guerra colonial. Aí combatiam por um império desconhecido. A grande viagem da família remediada ao estrangeiro era a Badajoz, a comprar caramelos e castanholas.

A fronteira demorava horas a ser cruzada, era preciso desdobrar um milhão de autorizações, era-se maltratado pelos guardas e o suborno era prática comum.

De vez em quando, um grande carro passava, de um potentado veloz que não parecia sujeitar se à burocracia do regime que instituíra uma teoria da exceção para os seus acólitos. O suborno e a cunha dominavam o mercado laborai, onde não vigorava a concorrência e onde o corporativismo e o capitalismo rentista imperavam. Salazar dispensava favores a quem o servia. Não havia liberdade de expressão e o lápis da censura aplicava-se a riscar escritores, jornalistas, artistas e afins. Os devaneios políticos eram punidos com perseguição e prisão. Havia presos políticos, exilados e clandestinos. O serviço militar era obrigatório para todos os rapazes e se saíssem de Portugal depois dos quinze anos aqui teriam de voltar para apanhar o barco da soldadesca. A fé era a única coisa que o povo tinha e se lhe tirassem a religião tinha nada. Deus era a esperança numa vida melhor. Depois da morte, evidentemente.

Clara Ferreira Alves, Expresso, 2017-03-18



"Antigamente é que era bom!..." é falso!

Fascina-me ver pessoas a debitarem a ladainha do "antigamente é que era bom!", mas só podem estar a referir-se a algum hipotético antigamente saído do Stranger Things, porque eu vivi esses tempos, e era tão, mas tão pior do que hoje! Não sou velho, mas cresci numa terriola perdida no meio do Portugal profundo, e o desenvolvimento lá demorou a chegar. Nesses tempos não era difícil uma localidade ficar para trás no desenvolvimento, bastava que tivesse o azar de não passar por lá uma autoestrada, ou uma linha de comboio, ou algum grande eixo logístico.

A minha mãe passava fome para que eu não passasse, as ruas tornavam-se em rios quando chovia, os transportes públicos eram inexistentes, a eletricidade estava constantemente a ir abaixo, as casas eram geladas e no Inverno impossíveis de habitar. Eu tinha um único par de calçado para durar o ano inteiro, grassavam as superstições, a falta de cultura, a educação era dada com modelos altamente preconceituosos. Era considerado muito inteligente só porque gostava de ler, e a palavra do padre, porque a igreja era o ponto central de tudo, era divina. Olhando para trás, juntando as memórias, é possível que naquela altura pudesse haver abuso de crianças, mas absolutamente impensável sequer pensar nisso, quanto mais falar. Daqui também se depreende que qualquer pessoa com um cargo mais elevado (padre, médico, engenheiro) era intocável, uma mania que ainda hoje persegue o país, como tão bem explica o José Sócrates. Não é que hoje em dia haja mais corrupção, porque nesses outros "bons tempos" era completamente disseminada e normal, mas só hoje em dia é que se aponta, acusa e condena por isso. Até para mim foi um choque a prisão do Sócrates, na minha cabeça era impossível. Ele era engenheiro, tinha sido primeiro-ministro, como é que podia ser?

Eu não era dos piores. Conhecia gente que não tinha casa de banho em casa, famílias que não tinham eletricidade, quanto mais televisão, quanto mais essa bizarra coisa de um com-pu-ta-dor. Pessoas havia que não sabiam nada de doenças sexualmente transmissíveis, e para quem de qualquer maneira não se ia ao médico tratar do que fosse, isso era coisa de maricas. Colegas meus para quem a refeição da escola era a refeição do dia, ou iam para as aulas a cheirar a merda porque os pais não lhes davam banho, pais esses que acreditavam nas sopas de cavalo cansado como pequeno almoço (pão em taças de vinho, daquele vinho mesmo rasca, de garrafão de cinco litros). Ou que iam com marcas de espancamento para as aulas e, atenção ao toque precioso, eram acusados pelos professores desse espancamento ser culpa delas próprias.

Se querias uma consulta, pagavas um favorzinho ao "senhor doutor", não havia nenhuma ideia de pedir faturas, e qualquer coisa fora da norma era considerado de muito mau tom. Coisas fora do normal como, por exemplo, rir alto, porque dizia-se que rir muito era falta de juízo. "Muito riso, pouco siso", era uma daquelas sabedorias infalíveis dos velhotes. Falar com mulheres era outra, porque existiam para desencaminhar os homens (isto foi-me dito pela minha avó). Pessoas com deficiências mentais eram ignoradas porque havia sempre um tolo da aldeia, alcoólicos eram motivo de galhofa porque faziam figuras muito engraçadas, e nenhum deles era ajudado. Coisas tão corriqueiras como bancos e pastelarias? LOL

O Portugal de há muitos anos era ignorante, atrasado, e a falta de cultura e de educação eram o normal. Não era culpa das pessoas, isso eu sei, mas não elimina o facto. Eu vivi esse atraso, e portanto deixa-me maluco quem a) suspira pelos "bons velhos tempos", porque eram velhos, mas bons é que não, b) considera que as atuais gerações têm demasiado liberdade, ou não querem saber de nada, porque eu tenho contacto com os meus primos, e surpreendem-me a preocupação que têm com o estado do Mundo, da Sociedade, e do Futuro. São muito mais bem-educados, cultos e formados do que as gerações antigas eram, e c) ainda acham que "ai, isto o que era preciso era outro Salazar", porque não me resta dúvida que esse foi, de longe, o pior culpado de Portugal ter estado nesse estado miserável.

Por: NuncaAqui, julho de 2022. Disponível em: https://www.reddit.com/r/portugal/comments/wf6hex/antigamente_%C3%A9_que_era_bom_%C3%A9_falso/

  


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