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domingo, 24 de setembro de 2023

Não chores (Fernando Venâncio)

 

"NÃO CHORES"

 

Vivo actualmente num lar em Beja. Da minha janela, desenha-se a Oeste o perfil do casario desta capital do Baixo Alentejo. A vida sozinho, em Mértola, que eu adorava, tornara-se impossível. Sou muito bem tratado aqui, tenho de dizer, fiz uma boa escolha.

Há dias, enquanto uma auxiliar me mudava a cama de cima a baixo, outra fazia-me a barba. Gente de enorme simpatia e competência. Foi quando, ao regressar ao quarto na cadeira de rodas, pedi para me deixarem observar melhor a paisagem. Assim se fez. E então apontei: "Ali é o Sul."

Via-se o mais calmo e baixo quadro alentejano: montado, cerros a perder de vista. Uma das jovens senhoras adivinhou-me o pensamento. "Mértola", disse ela. Não retive as lágrimas. Além, 50 exactos quilómetros adiante, estaria a minha terra, onde vivi estes últimos sete anos.

"Não chore", ouvi-lhes em uníssono.

Mas não. Era de chorar o que eu ali mais precisava. Um choro muito íntimo, muito amargo e muito doce.

Sim, em certos momentos, o mais acertado é deixarem-nos chorar. É a melhor forma de consolo.

 

Fernando Venâncio, https://www.facebook.com/fmvenancio, 23-09-2023

 


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