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domingo, 21 de julho de 2024

Natal... Na província neva. Fernando Pessoa


 

Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

 

s. d.

Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).  - 115.

1ª publ. in Notícias Ilustrado , nº 29. Lisboa: 30-12-1928.

Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/2449

 

Linhas de leitura do poema "Natal... Na província neva" de Fernando Pessoa

O primeiro verso do poema, "Natal... Na província neva," estabelece um cenário que combina um tempo específico, o Natal, com um espaço concreto, a província. Este verso carrega uma expressividade rica em conotações afetivas: o Natal, com as suas conotações de união e fraternidade, e a província, evocando a ideia de tradições e cenários pitorescos típicos da época natalícia. A imagem da neve reforça a atmosfera de um inverno típico, contrastando com o calor e aconchego dos lares.

O verso "Os sentimentos passados" refere-se à reemergência das emoções associadas a experiências e memórias antigas, que se intensificam durante o Natal. Esta época do ano, tradicionalmente ligada à família, desperta sentimentos nostálgicos, reavivando laços afetivos que se fortalecem com a proximidade dos entes queridos.

A frase exclamativa "Como a família é verdade!" (v. 6) sugere uma afirmação intensa e emocional sobre a importância e a autenticidade da família. Este tipo de construção frásica sublinha o valor que o eu lírico atribui ao ambiente familiar, visto como um refúgio verdadeiro e seguro, em contraste com o mundo exterior, frequentemente percebido como hostil e falso.

A figura de estilo presente no verso "’Stou só e sonho saudade" é a aliteração, com a repetição dos sons sibilantes 's'. Esta repetição cria um efeito sonoro que evoca a sensação de solidão e melancolia, intensificando o sentimento de saudade. A escolha de palavras reforça a profundidade do isolamento sentido pelo eu poético, que sonha com um passado perdido e inacessível.

O último verso, "Do lar que nunca terei!", resume a temática central do poema: a nostalgia e o anseio por um ideal de felicidade familiar que parece inalcançável. Esta expressão final evidencia a desilusão do eu poético, que sonha com um lar acolhedor e uma plenitude de vida que ele acredita nunca alcançar. Esta desesperança e a idealização de um passado feliz perdido são características marcantes da obra de Pessoa.

Quanto à análise formal, este poema é composto por três quadras, cada uma com versos de sete sílabas métricas (redondilha maior), uma forma tradicionalmente ligada ao lirismo popular português. A rima é cruzada (ABAB), conferindo ao poema uma musicalidade suave. O uso do transporte, em que uma frase ou ideia se estende para o verso seguinte, é observado nos versos 3-4, 9-10 e 11-12, contribuindo para a fluidez e ritmo do poema.

O poema exibe várias características temáticas e formais típicas da poesia de Fernando Pessoa ortónimo:

Temáticas:

- Distância entre o sonho e a realidade: o desejo de um lar idealizado nunca alcançado.

- Evocação da infância: a felicidade perdida que é rememorada com saudade.

- Solidão e melancolia: a sensação de isolamento e a busca por um aconchego emocional.

- Desesperança: a consciência da impossibilidade de reviver o passado ou atingir a plenitude desejada.

Formais:

- Aproximação ao lirismo tradicional: uso da quadra, redondilha maior e rima cruzada.

- Linguagem simples e clara: facilidade (aparente) de compreensão e espontaneidade.

- Uso do presente do indicativo: a intensidade dos sentimentos é capturada no momento presente.

- Pontuação emotiva: utilização de exclamações que enfatizam as emoções.

- Suavidade rítmica: aliterações, ritmo cadenciado e transportes que contribuem para a musicalidade do poema.

 




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